Folha de S. Paulo
Foi o que aconteceu com Orbán, Erdogan,
Netanyahu e Putin; veremos o que acontece com Donald Trump nos EUA
Quando Viktor
Orbán regressou ao poder na Hungria em maio de 2010, ninguém
atribuiu enorme significado ao acontecimento. É comum, nomeadamente em regimes
parlamentares, a reeleição de políticos que tenham sido derrotados numa eleição
anterior.
Orbán fora antes primeiro-ministro por um mandato, entre 1998 e 2002, e poucos fora da Hungria conheciam o discurso amargo que ele fizera ao perder as eleições no fim desse mandato. "A nação não pode estar na oposição!", disse na ocasião, deixando claro que, para ele, apenas o seu partido representava a verdadeira Hungria e que qualquer outro partido que estivesse no poder em seu lugar seria composto por traidores e, no fundo, usurpadores.
Toda a gente achou até normal que Orbán
tivesse conquistado um pouco menos de metade dos votos —tendo em conta que
tinha havido um escândalo com o governo socialista anterior— e não se preocupou
demasiado com o fato de esses votos terem dado direito a dois terços dos
deputados, permitindo a Orbán mudar a Constituição e votar leis de valor
reforçado a seu bel-prazer.
Os primeiros sinais de alarme tocaram no
segundo semestre de 2010, quando Orbán fez aprovar três leis de controle da
mídia que foram
imediatamente consideradas das mais restritivas da Europa —incluindo
a criação de uma nova autoridade capaz de impor multas que poderiam atirar para
fora do mercado os títulos de imprensa cuja cobertura fosse considerada
desequilibrada.
Essas leis foram seguidas por uma nova
Constituição, que por sua vez foi seguida por inúmeras alterações legais e
institucionais, todas num sentido de concentração de poder. Orbán tinha voltado
com foco na vingança —e com um plano. E a sua
tomada do poder foi célere.
Quando visitei Budapeste numa delegação do
Parlamento Europeu, em setembro de 2012, todos os partidos de oposição nos
alertaram para mudanças nas leis eleitorais que nem nos briefings mais
atualizados apareciam. Pudera: a nova lei eleitoral tinha sido introduzida na
sexta-feira anterior para ser votada (e aprovada, como foi) na semana seguinte.
A partir daí, seria praticamente impossível a
Orbán perder eleições —ou mesmo não
ganhá-las com uma quase permanente e muito conveniente maioria de dois terços. A
partir de 2018, as eleições na Hungria deixaram de ser consideradas
"livres e justas", e a partir de 2019, o país
deixou de ser considerado uma "democracia plena" pela Freedom House.
O caso de Orbán é apenas um dos vários em que
líderes autoritários se tornam ainda mais vingativos e repressivos quando
regressam ao poder após uma derrota eleitoral. São outros casos o de Binyamin
Netanyahu, que em Israel saiu
do poder em 1999 e voltou em 2009; Recep Tayyip Erdogan, na Turquia,
que saiu de primeiro-ministro para presidente em 2014; e até Vladimir
Putin, que deixou de ser presidente em 2008 para voltar em 2012.
Veremos o que acontece com Donald Trump,
que tentou dar um golpe para não sair em 2021 e vai
regressar agora.
Mas o padrão é claro: líderes autoritários
quando perdem eleições e regressam depois ao poder são mais perigosos,
vingativos e organizados. É um padrão pelo menos claro o bastante para que
todos os outros países em risco de lhes acontecer o mesmo possam começar a
tirar apontamentos.
Verdade.
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