CartaCapital
Se os modelos fazem previsões precisas e o mercado futuro teima em não acreditar, há algo de podre no reino da teoria econômica
Os preços teimam em ser desobedientes,
irrequietos, inconformados. Flutuam impiedosamente a toda hora. Teimam muitas
vezes em subir e cair. Flutuam. Provocam neuroses e cardiopatias nos
economistas, que teimam em controlar a realidade, mas são desmentidos todo dia.
Viva a incerteza de não saber para onde vão no futuro!
Derivativos são instrumentos financeiros que
permitem a transferência do risco entre os participantes do mercado. Refere-se
ao risco de mercado, ou seja, aquele que envolve oscilações de preços.
Nos modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral a moeda é neutra, apenas unidade de conta e meio de troca. Os mercados financeiros, avaliadores da riqueza e definidores de sua distribuição entre as várias “oportunidades” da economia monetária, estão submetidos às amarras da Eficiência invocada por Eugene Fama.
Um derivativo, ou contrato futuro, permite a
qualquer um ter o direito de comprar e vender qualquer coisa hoje num futuro
determinado. Qualquer coisa, de mercadoria a vento. Se você falar para um louco
no hospício que ele pode comprar e vender uma taxa de juro ou um índice de
ações, ele pede camisa de força.
Ao contrário do pensamento econômico
mainstream, o mercado financeiro e, principalmente, o mercado futuro chegam a
transacionar trilhões de dólares por dia, uma capacidade de produzir vento
infinitamente maior do que produzir coisas. E se esquecem ou fingem não
perceber que um contrato futuro é capaz de transformar vento em dinheiro em
apenas 24 horas.
Estima-se que o mercado de derivativos é
parrudo. As avaliações mais certeiras garantem que é dez vezes maior que o PIB
global. Seriam neutros, sem importância?
Ao comprar ou vender um contrato futuro, é
criado um fluxo de pagamentos e recebimentos diários, o chamado ajuste de
margem de garantia. Esse ajuste pode ser positivo, um fluxo de caixa positivo
em dinheiro, ou pode ser negativo. Se negativo, há necessidade de depositar
dinheiro. A cada 24 horas esse fluxo pode mudar de positivo para negativo e
vice-versa, dependendo do valor do ativo subjacente no dia.
“Em 2004, o preço do petróleo atingiu níveis recordes. À medida que o preço do petróleo WTI ultrapassou 50 dólares o barril, tornou-se evidente que os interesses não petrolíferos – leia-se os especuladores – detinham mais de 60% das posições nos mercados de derivativos de petróleo. O que esses investidores e traders estavam fazendo com o petróleo? Eles não pretendiam comprar ou vender o óleo físico. Investidores e traders compraram petróleo usando estruturas de derivativos para especular com as variações de preço. O preço do petróleo deixou de refletir a dinâmica subjacente da oferta/demanda do mercado”.
Hoje, o volume de contratos a futuro de
petróleo negociados na Bolsa de Futuros é 30 vezes maior do que o mercado à
vista.
Outro fenômeno constitutivo dos contratos
futuros é a alavancagem financeira, tanto de um especulador quanto de um
produtor. Vejam:
“Digamos que você queira arriscar mil
dólares. Você pode comprar 10 toneladas usando trigo para a frente, não a
mísera tonelada se você realmente comprar o material real. Você usa seu
dinheiro como depósito. Se o preço do trigo subir para 1,5 mil (aumento de
50%), você ganha 5 mil (cinco vezes o seu investimento). Há um problema. O que
acontece se o preço do trigo não subir? Se o preço cair, você estará em apuros.
Se o preço cair apenas 10% (para 900 dólares a tonelada), você terá eliminado
todo o seu investimento. Se o preço cair para 500 dólares a tonelada (queda de
50%), você eliminará 5 mil dólares (cinco vezes o seu investimento original).
Nero colocou de forma diferente: ‘Você acabou de limpar sua bunda com 5 mil
dólares’. A alavancagem aumentou muito sua sensibilidade às flutuações de
preços”.
Usam um véu para encobrir que tudo é
precificado desde a taxa de juros e de câmbio. É bom lembrar que a taxa de
juros é o preço do dinheiro e a taxa de câmbio é o preço da moeda nacional em
relação à moeda estrangeira, e vice-versa. Flutuam, que desgraça! Todo santo
dia. Quiçá minuto a minuto…
Os maiores volumes de operações no mercado
futuro são de arbitragens entre moedas e taxa de juros, chegam a trilhões de
dólares diários nos mercados organizados, as Bolsas de Futuros. O que é uma
arbitragem? É apostar na diferença entre preços em duas praças diferentes. Onde
o desvio abre, ou seja, é maior que a média histórica, abre oportunidade de
ganho-alavancagem, e acredita-se que volte para a média.
Apostar nos dois preços mais importantes e
incertos da economia, o juro e o câmbio, com derivativos é uma tentativa de
ludibriar a incerteza quanto aos preços no futuro. Pergunto: se os modelos
estocásticos de equilíbrio geral preveem o futuro com grau de certeza na casa
dos decimais, por que o mercado futuro teima em não acreditar? Há algo de podre
no reino da teoria econômica! Não?
O mercado de derivativos é dez vezes maior
que o PIB global. Seriam neutros, sem importância?
Posso comprar e vender boi, soja, milho,
arroz, petróleo etc. sem produzir nada!
“A diferença entre os contratos “a termo” e
“à vista”, relativos a um bem como o trigo, que tem cotação no mercado, mantém
uma relação definida com a taxa de juros do trigo, mas, desde que o contrato a
termo seja cotado em moeda para entrega futura, não em trigo para entrega
imediata…” (Keynes, Teoria Geral, capítulo 17).
Posso apostar no juro americano, os
treasuries, aqui na B3, sem ir ao Tio Sam, ou comprar qualquer título em reais.
Como posso apostar na taxa de juros do mercado interbancário, DI, na B3, sem
comprar qualquer CDB e CDI. Porque títulos de renda fixa têm preço e oscilam
todo santo dia, para cima e para baixo! Posso trocar juros por câmbio, através
de um swap, onde duas partes definem prazo e valor do contrato, o perdedor paga
ao ganhador, no vencimento, o diferencial de preço de cada ativo.
Os derivativos foram criados como proteção às
oscilações de preços no futuro para commodities e mercadorias. Mas viraram um
fim em si mesmo. Esta é a forma da riqueza que realiza a supremacia do “capital
fictício. Decisões de investimentos são mais rápidas que a velocidade da luz,
guiadas pelas mudanças diárias dos preços futuros.
No último dia 25 de outubro de 2024, foram
negociados, em apenas um dia, em taxa de juros futura de DI, 28 bilhões de
dólares e de dólar futuro, 35 bilhões.
“A usura centraliza a riqueza monetária”,
elaborou Marx. “Não altera o modo de produção, mas se liga a ele como um
parasita e o torna miserável. Ele suga seu sangue, mata seu nervo e obriga a
reprodução a prosseguir em condições ainda mais desanimadoras. O capital do
usurário não confronta o trabalhador como capital industrial, mas ‘empobrece
esse modo de produção, paralisa as forças produtivas em vez de
desenvolvê-las’.”
Os derivativos não têm importância?
É o desequilíbrio perfeito. Porque ninguém sabe o futuro. Só os economistas.
Publicado na edição n° 1335 de CartaCapital,
em 06 de novembro de 2024.
Excelente! Os especialistas do mercado compram e vendem soja, boi, petróleo, sem nada produzir. Especulação é a norma! E os colunistas econômicos são os PETs desse pessoal.
ResponderExcluirSugiro a leitura de Fernando Nogueira da Costa, professor titular de Economia na Unicamp, " Equívocos da crítica à financeirização ", no site A Terra é Redonda.
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