terça-feira, 19 de novembro de 2024

O futuro e a Ordem dos Advogados do Brasil - Luiz Antonio Sampaio Gouveia

O Estado de S. Paulo

A OAB deve impor-se em prol da cidadania, do Estado de Direito e da liberdade, porque ela não pode ser uma ONG, um clube de serviços ou um sindicato

Advocacia dever-se-ia grafar com “a” maiúsculo por ser uma instituição constitucional, essencial à concretização da justiça. Equivocam-se os que a redigem com “a” minúsculo porque diminuem sua expressão simbólica no quadro em que concorre para efetivação da Constituição com instituições públicas, como a magistratura, o Ministério Público e a Defensoria Pública, e a reflexão que se pode extrair desse contexto é própria do momento em que se realizam eleições para os quadros dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

As primeiras instituições de ensino do Direito formavam bacharéis a atender à demanda do Estado, como, por exemplo, as escolas de São Paulo e do Recife. A Advocacia enquanto instituição privada não se personificava juridicamente e fora parceira menor da magistratura e da promotoria, enquanto a maior parte dos bacharéis não integrantes do serviço estatal dirigiam-se à política. As entidades de congregação da Advocacia (do século 18 ao início do século 20) nem eram de representação ou disciplina legais para os advogados. Mas eram associações que denominados institutos mais se dedicavam à reunião de seus pares objetivando a cultura jurídica sobretudo livremente do poder.

Advogados, ligando-se a movimentos políticos que inspiravam e impulsionavam ideologicamente mudanças sociais, fizeram a abolição, a República, a Revolução de 1930, e esta última, enquanto governo provisório da República, organizou a Advocacia e outras profissões liberais em corporações de ofício, à semelhança de guildas medievais, com forte conotação fascista, mas sem tolher a Advocacia em sua liberdade, como fizera com organizações de outros profissionais liberais, o que constituiu a Ordem dos Advogados do Brasil, órgão público independente do poder e dotado de autonomia administrativa e financeira ampla e total.

Instaurado o Estado Novo, em 1937, foi a Advocacia o grande impulso da democratização, dando causa civil à queda da ditadura e, a partir daí, lideranças da Advocacia, incorporadas à OAB, foram protagonistas da redemocratização, após o golpe de 1964, e do impeachment do presidente Fernando Collor, e fora ela a fautora da Constituição de 1988, em que se deu contemporaneidade ao Direito brasileiro alinhando-o aos mais avançados sistemas constitucionais e de Justiça.

O desenvolvimento brasileiro e a tecnização da Advocacia, concomitantes à massificação da profissão, fizeram surgir miríades de associações à margem da OAB, voltadas à defesa de interesses segmentados das múltiplas especializações jurídicas, desligando de sua militância expressivo contingente de advogados, que a tem apenas como órgão de inscrição profissional e excepcionalmente de disciplina e ética; passando a entidade a congregar tão somente uma Advocacia de exercício tradicional, com muitas questões relacionadas a dificuldades de formação de seus recéminscritos e sobrevivência financeira deles, em que a Ordem dos Advogados do Brasil desempenha papel social de grande envergadura pedagógica e de educação continuada, preparando para a sociedade algo entre 1 milhão de advogados atualmente.

Acontece que a grandeza da Ordem dos Advogados do Brasil vem do papel da Advocacia, na ordem judiciária brasileira, e muito de sua função de guardiã da ordem democrática e constitucional, em que, nos últimos anos, processa-se um afastamento da entidade das lides cívicas, com expressiva perda de prestígio no cenário nacional, que não nos faz lembrar as grandes campanhas do passado, voltada à construção de uma nação, pelo Estado de Direito sem cujas liberdades a Advocacia não se realiza. Em face da pandemia, a atividade do Poder Judiciário tornou-se restritiva à cidadania e o extraordinário da peste tornouse o ordinário da Justiça. Cabe à ordem cumprir o seu papel constitucional ante a desagregação desse Poder que afrontoso ao direito de defesa e ao contraditório sobrepõe-se à Advocacia, em sistemas de operação que afastam de seus préstimos o acesso presencial a seus juízos, e age restritivamente à função constitucional dos advogados por conseguinte. Com o misterioso julgamento virtual que sonega participação à defesa técnica da Advocacia e em alguns tribunais, jamais se sabe onde ele começa e muito menos quando termina. A Ordem dos Advogados do Brasil deve impor-se em prol da cidadania, do Estado de Direito e da liberdade, porque ela não pode ser uma ONG, um clube de serviços ou simplesmente um sindicato, a ela cabe grafar Advocacia com “a” maiúsculo eternamente.

Por isso somos instituição constitucional e agentes legitimados à arguição de constitucionalidade das leis e outros atos do poder. Propugnar eleições diretas para a presidência nacional da ordem, por exemplo, pode ser pouco em função de nossas missões constitucionais que não se resumem à aprovação do quinto constitucional dos advogados, que sempre merece qualificada e efetiva representação da Advocacia, a qual quase nunca se realiza nos tribunais.

 

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