Revista Será?
A ideia de que as eleições municipais indicam
o caminho das eleições nacionais é falsa, pelo menos parcialmente. O MDB e o
PFL controlaram por muitos anos, principalmente o primeiro, as prefeituras do
país sem jamais alçarem-se à presidência. O segundo partido chegou à
presidência como resultado do acidente com o presidente eleito Tancredo Neves,
em 1985. O primeiro chegou à Presidência graças ao impeachment que sofreu a
presidente eleita, Dilma Rousseff, em 2016. Por isso, PSD e MDB, que foram os
grandes vencedores eleitorais, se não tiverem uma liderança nacional relevante
(e aparentemente não têm), ocuparão lugar de destaque, mas na segunda fila.
A lógica que rege a motivação eleitoral no
nível local é muito distinta daquela que caracteriza as eleições estaduais ou
nacionais. E, por vezes, o poder ou engajamento dos prefeitos nessas eleições
pesa muito pouco.
A vitória da direita e do centro-direita, formada por PSD, MDB, União Brasil, Republicanos, entre outros, é insofismável. A extrema-direita, composta pelo PL, Novo e PP (que se afasta devagarinho de Bolsonaro), cresceu, mas menos do que se esperava. O partido que mais cresceu foi, de longe, o PL, mas ocupa o quinto lugar em municípios e o terceiro em eleitores.
O mais interessante neste espaço é o
distanciamento, senão confronto, que em alguns municípios ocorreu entre esses
partidos e os de centro ou centro-direita. Indícios foram emitidos de que o
espaço da direita no Brasil tende a se distanciar da extrema-direita, com certa
possibilidade de se apresentar dividida em 2026. Partidos conservadores
sinalizaram que não estão dispostos a partilhar do radicalismo dos
bolsonaristas, que perderam as eleições mesmo tendo toda a máquina do governo
federal em mãos em 2022.
Os partidos com mais vitórias municipais são
da direita e centro-direita, como o PSD (885) e o MDB (853), que governarão um
terço do território. O primeiro partido de esquerda é o PSB (309), em sétimo
lugar. O PT ficou em nono lugar, com 252 prefeituras, atrás do PSDB, com 272.
O PL, em particular, venceu e perdeu ao mesmo
tempo. Cresceu, foi o que mais cresceu, mas menos do que se esperava. E, no
segundo turno, perdeu em sete das capitais em que tinha candidato próprio.
Perdeu para a esquerda (Fortaleza), para o centro (Belém, João Pessoa) e para a
direita (Cuiabá, Belo Horizonte, Manaus e Curitiba). Venceu apenas em pequenas
capitais, como Rio Branco, Aracaju, Maceió e Cuiabá.
Nas 103 cidades com mais de 200 mil
eleitores, o PL foi o partido mais vitorioso, devendo governar, em 2025, 16
prefeituras. O PSD (15) foi o segundo partido, e o União Brasil (14), o
terceiro. O PT teve apenas seis. O PSDB recuou de 17 para cinco municípios
nesse universo. O MDB recuou de 17 para 12.
Venceram os candidatos à reeleição (com exceção do PSOL em Belém), mostrando que o sentimento de repúdio por quem está no poder, pelo menos no nível municipal, diminuiu. Isso não significa que o mesmo ocorrerá nas eleições nacionais.
A esquerda foi a grande perdedora. O PSB,
partido com melhor posição no ranking eleitoral (6º lugar), apesar da
acachapante vitória em Recife, tem hoje menos prefeituras. O PDT sofreu um
desastre, já anunciado pelas divergências e problemas internos que enfrentou na
última década. O PSOL não ganhou em nenhuma capital e teve uma derrota
vergonhosa em São Paulo, além de não se reeleger em Belém. O PT cresceu, mas de
forma decepcionante para quem detém a presidência da República. E, sobretudo,
perdeu nos grandes centros e no Nordeste. Venceu apenas em uma das 26 capitais.
No Nordeste, região conhecida como uma das principais responsáveis pela vitória
de Lula em 2022, ganhou apenas em Fortaleza. Perdeu em Salvador e Natal, onde
tem o controle dos governos estaduais. Em São Paulo, onde já teve o controle de
toda a região metropolitana, venceu apenas em três cidades com mais de 200 mil
eleitores. Perdeu em Porto Alegre, que já foi o reduto da inovação em gestão
municipal. PCdoB (19 prefeituras), Partido Verde (14) e Rede (4) foram
inexpressivos, como era de se esperar, obtendo, juntos, vitória em 37
prefeituras.
É precipitado concluir com esses resultados
que a esquerda não tem qualquer chance nas eleições de 2026, mas é
indispensável sinalizar que as eleições municipais confirmaram o movimento à
direita da sociedade brasileira. Movimento nascido no contexto do desastre do
governo Dilma Rousseff, que assumiu o país, em 2010, com um PIB de 7,5% e
concluiu o primeiro mandato, em 2014, com menos de 1%, e demonstrando total
despreparo político em face das manifestações de 2013 e do movimento da Lava
Jato, em 2014, além de praticar o maior estelionato eleitoral que este país já
viu.
Em cinco anos, de 2013 a 2018, o país sofreu
uma profunda mudança em sua cultura política. Até 2012, era politicamente
difícil, senão vergonhoso, um político afirmar-se de direita. A esmagadora
maioria declarava-se de centro, centro-esquerda e até de esquerda. Entre os
jovens, era vexaminoso proclamar-se de direita e motivo de orgulho afirmar-se
de esquerda. Na segunda década do século XXI, essa realidade se inverteu. Hoje,
pessoas afirmam-se de direita com muito orgulho, defendendo a pátria, os bons
costumes, a gestão eficiente e o empreendedorismo. Poucos se afirmam de
esquerda com o mesmo sentimento. Antes, a esquerda tinha militantes que,
voluntariamente, empunhavam a bandeira vermelha e saíam às ruas. Hoje, é a
direita que tem militância. Milhares se enrolam na bandeira nacional, invadem a
Praça dos Três Poderes, fazem acampamento em frente aos quartéis e passam horas
divulgando suas propagandas, comumente fake news.
A esquerda fenece progressivamente porque não
consegue entender as mudanças que o mundo, e o Brasil com ele, está sofrendo.
Não entende e não consegue se adaptar. Não compreende o novo sentimento das
pessoas, inseguras e ansiosas com a velocidade das mudanças, temerosas e
desejosas de segurança. O PT está esclerosado. Sua presidente defende Maduro, e
seu líder maior, Putin. Seu intelectual proclama vitória onde o bom senso vê
derrota. Sua cúpula divide-se entre as narrativas do passado e o titubeio do presente.
Ninguém, de bom senso, pode duvidar que ter uma esquerda claudicante no poder é sempre melhor do que o populismo de extrema-direita ou governos corruptos e conservadores de direita. Mas a maioria das pessoas no Brasil duvida. O país está em uma situação invejável em relação aos anos anteriores, com baixo desemprego, inflação relativamente baixa e dinamismo econômico ascendente. Porém, as pessoas não veem assim. E mais de 40% reprovam o governo. É preciso que alguém diga: “Não é a economia, estúpido”.
*Sociólogo, doutor em sociologia, professor associado II da Universidade de Brasília, ex- diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável/UnB (2007/2011).
Análise BRILHANTE, colocou todos os dedos nas feridas! Parabéns ao autor, e ao blog por divulgar texto tão verdadeiro e corajoso!
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