Investigação da PF foi técnica, ampla e detalhista
O Globo
Inquérito traz evidências robustas contra os
envolvidos na tentativa de golpe de Estado
É ao mesmo tempo profunda, robusta e
assustadora a investigação que resultou no relatório da Polícia
Federal (PF) descrevendo, ao longo de 884 páginas, a trama
urdida nos bastidores do governo Jair
Bolsonaro para dar um golpe de Estado e impedir a posse do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Baseado não só em depoimentos, mas sobretudo em cruzamentos de
informações colhidas ou recuperadas de celulares, computadores e anotações dos
acusados, o inquérito traz um farto e consistente material à disposição da
Procuradoria-Geral da República para apresentar denúncia.
A PF pediu o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros 36 envolvidos, entre eles o general Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa, da Casa Civil e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022), o general da reserva Augusto Heleno (ex-chefe do GSI), o general da reserva Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), o almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e o general da reserva Mário Fernandes (ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, preso na semana passada).
No documento, tornado público pelo
ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a PF narra pela primeira
vez em detalhes aterradores a participação de Bolsonaro na trama. Afirma haver
provas inequívocas de que ele “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e
efetiva” no plano de golpe. Descreve situações e apresenta evidências para
corroborar que Bolsonaro sabia e participou de tudo. Uma delas é a reunião
convocada por ele em dezembro de 2022 com os comandantes militares para
apresentar-lhes a minuta de um decreto que abriria espaço ao golpe de Estado e
pedir-lhes apoio para a empreitada. Apenas Garnier assentiu. O comandante do
Exército, general Freire Gomes,
e o da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Júnior, rechaçaram firmemente o
golpe— e voltariam a rechaçar. No entender da PF, a intentona só não vingou
porque chefes militares resistiram.
Embora muitas das informações já tivessem
vindo a público, como o plano estarrecedor para matar Lula, o vice Geraldo
Alckmin e Moraes, o relatório traz fatos surpreendentes. É o
caso de uma agenda apreendida na casa do general Augusto Heleno. em que ele
sugere estratégias para não cumprir decisões judiciais e impedir a PF de
executar mandados considerados “ilegais”, ainda que emitidos por juízes. Uma
apresentação de 2021 já trazia planos para tirar Bolsonaro do país em caso de
fracasso. Há ainda mensagens do então diretor da Abin, Alexandre Ramagem,
insuflando Bolsonaro a aderir à ruptura ao longo de 2022. Outra evidência do
alcance do golpismo é o documento “Operação 142”, encontrado com um assessor de
Braga Netto, que traçava o roteiro do golpe com base numa interpretação
estapafúrdia do artigo 142 da Constituição. A ação seria seguida de
pronunciamento em cadeia nacional, “anulação de atos arbitrários do STF”,
“anulação das eleições”, “substituição de todo o TSE” e outras barbaridades.
A PGR deve
agora se debruçar com afinco sobre o relatório para apresentar as denúncias que
julgar pertinentes ou pedir mais investigações. É fundamental unir agilidade e
correção no trabalho. Os fatos descritos pela PF são de extrema gravidade.
Merecem resposta firme e, ao mesmo tempo, justa. Não só para que não se
repitam, mas também para o país recobrar um clima de normalidade democrática.
Congressistas fariam bem em assumir
protagonismo no programa de cortes
O Globo
Proposta anunciada pelo Executivo só tem a
ganhar se incorporar ideias de PEC sugerida por deputados
Em pronunciamento em rede nacional, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou enfim o tão adiado pacote de
corte de gastos do governo. Não entrou em detalhes, mas pelas informações
disponíveis é razoável concluir que as medidas ficarão aquém do ajuste fiscal
necessário para conter a explosão da dívida pública. O governo anunciou a
intenção de economizar R$ 70 bilhões em dois anos. Só que, entre benesses, como
isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e promessas de cunho
social, não deixou claro como a meta será atingida. Melhor faria se buscasse
inspiração nas ideias da Proposta de Emenda Constitucional dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP)
e Julio Lopes (PP-RJ).
Ela estabelece mudanças capazes de resgatar, de forma duradoura, o equilíbrio
das contas
públicas.
A questão a resolver é conhecida: o governo
gasta mais que arrecada e precisa se endividar para pagar as contas. Com o fim
do teto de gastos, o novo arcabouço fiscal criou armadilhas que, ao longo do
tempo, farão as despesas crescer sem sustentabilidade. Quebrar esse ciclo de
irresponsabilidade fiscal é urgente. Infelizmente, até o momento, todas as
medidas tomadas para deter o crescimento da dívida têm sido tímidas. Em vez de
mudanças estruturais, a opção tem sido privilegiar cortes paliativos para fechar
as contas no curto prazo. A proposta de Pedro Paulo, Kataguiri e Lopes tenta
romper essa lógica.
O texto busca desindexar e desvincular várias
rubricas do Orçamento, com o objetivo de criar regras razoáveis e obter uma
economia de R$ 1,5 trilhão ao longo de dez anos. A começar pela desvinculação
dos benefícios previdenciários do salário mínimo, cuja política de reajuste
permite, desde o ano passado, aumentos acima da inflação. Não faz sentido
aposentados, cujos gastos são inferiores aos de quem trabalha, obterem ganhos
reais. O mesmo vale para os benefícios assistenciais. Para corrigir isso, a PEC
determina que o critério de correção entre 2026 e 2031 será a inflação,
suficiente para manter o poder de compra dos beneficiários. Depois, uma nova
definição deverá ser feita a cada quatro anos.
O texto também tenta reduzir o engessamento
do Orçamento. Mais de 90% da receita tem destino obrigatório: salários de
servidores, Previdência e despesas com Saúde e Educação. Nos Estados Unidos, os
gastos obrigatórios equivalem a 62% da receita. Na Coreia do Sul, 53%. A PEC dá
ao governo a prerrogativa de definir prioridades ao revogar os pisos de Saúde e
Educação. Em alguns anos, as despesas poderiam ficar acima da atual. Em
conjunturas mais difíceis, abaixo.
A proposta ainda procura corrigir outras
incongruências. O texto da PEC merece toda atenção do Parlamento. Os gastos no
Brasil carecem de racionalidade, e o Executivo, como se depreendeu do
pronunciamento de ontem, não tem demonstrado a vontade política necessária para
encarar esse desafio com a devida determinação.
Planos fiscais de deputados e governo têm de
andar juntos
Valor Econômico
Proposta apresentada na Câmara contém conjunto de boas ideias que deveriam ser discutidas junto com a PEC que o governo vai enviar ao Congresso com medidas para sustentar o regime fiscal
No vácuo deixado pela interminável discussão
no governo sobre o pacote de ajuste fiscal - anunciado em linhas gerais ontem à
noite e a ser detalhado hoje -, três deputados apresentaram uma proposta de PEC
na Câmara dos Deputados que levariam a uma economia de gastos de pelo menos R$
1,1 trilhão em dez anos. O projeto dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Júlio
Lopes (PP-RJ) e Kim Kataguiri (União-SP) toca em vários pontos que o governo
está avaliando, mas pelo visto tomam um caminho diferente. A parte central da
proposta se baseia em ideias sugeridas por Paulo Bijos, ex-secretário-adjunto
da Secretaria de Orçamento Federal, do Ministério do Planejamento.
As ideias de Bijos estão em um estudo da
Consultoria de Orçamento da Câmara, e seu ponto de partida é que o caminho mais
viável para se obter a redução da velocidade da dívida pública, e depois sua
estabilização, não seria um corte de despesas, mas um freio em seu ritmo de
expansão, hoje insustentável. Seria um caminho “gradualista de reequilíbrio
fiscal” via controle da despesa. Difere do novo regime fiscal na premissa de
que “não há margem substantiva para novos aumentos de receita”. A carga
tributária brasileira, de 33%, é a mais alta da América Latina e está próxima
dos 34% da média dos países ricos da OCDE.
A meta das medidas propostas por Bijos é
chegar a um superávit primário estrutural de 1,5% do PIB, capaz de estabilizar
a dívida ao longo do tempo. O tamanho da dívida brasileira é maior do que a dos
países emergentes e traz preocupação. O Brasil gasta fatia maior do orçamento
com juros quanto mais elevada ela for, e torna maior a dependência dos credores
em sua rolagem. Se os financiadores considerarem a dívida muito alta, os juros
terão de subir mais, agravando a percepção de insolvência e aumentando o déficit.
O final do processo é mais inflação.
A proposta da PEC de maior impacto, e de
provável maior dificuldade política e jurídica, é a desvinculação do salário
mínimo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e do
Benefício de Prestação Continuada (BPC). A vinculação dessas duas rubricas ao
mínimo já representa 50% das despesas primárias e 9,8% do PIB. Bijos, em seu
estudo, considera que a vinculação ao mínimo carece de “lógica atuarial”. Para
ele, o aposentado tem direito a valores referentes a remunerações passadas e,
uma vez na inatividade, “deve ter sua aposentadoria protegida contra a corrosão
inflacionária”.
Além de os dois benefícios, em especial o do
RGPS, puxarem o aumento das despesas obrigatórias, eles escapam ao limite de
aumento de gastos do regime fiscal. O motivo é que eles acompanham a evolução
demográfica, que se tornou desfavorável ao Brasil. “As despesas do RGPS e do
BPC são impulsionadas pelo envelhecimento populacional e adicionalmente
impactadas pela política de valorização do salário mínimo. Essa dupla propulsão
é fator crítico para o aumento do gasto público no Brasil”.
A proposta de PEC tornaria constitucional sua
correção pela inflação, para manter seu poder aquisitivo. Qualquer ganho real
deveria ser avaliado periodicamente, levando em consideração a situação
atuarial do RGPS, do estado fiscal do país e da economia como um todo. Na
simulação feita no estudo de Bijos, a indexação desses gastos à inflação traria
uma economia de R$ 1,1 trilhão. Caso se concedesse aumento real no piso de
elevação das despesas permitido (0,6%), a economia ainda seria expressiva, de
R$ 890 bilhões.
Outra sugestão da PEC dos deputados é
desvincular das receitas os pisos de saúde, educação e do Fundo de
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) por três anos (de 2026 a 2028). O
governo estudou incluir a medida em seu pacote, ligando-a ao aumento permitido
pelas despesas em geral (0,6% a 2,5%), mas não se sabe se ela será adotada. A
proposta da PEC é voltar ao esquema do antigo teto de gastos, de colocar
obrigação constitucional de corrigi-las pela inflação. Não haveria corte de
gastos.
A vinculação dos pisos de saúde e educação às
receitas desequilibrou o regime fiscal, pois sua expansão tem ocorrido a um
ritmo muito superior ao instituído às demais despesas pelas regras fiscais. Ela
traz em si gastos maiores e, segundo estudo de Bijos, “torna o gasto público
mais volátil, pró-cíclico e acrítico, e desacompanhado de critérios de
desempenho”. Corrigi-los pela inflação permitiria uma economia de R$ 97 bilhões
em três anos.
Outras ideias da PEC são dos próprios
deputados. Eles propõem suspender os aumentos acima da inflação para o salário
mínimo e um corte de 10% nos gastos tributários, hoje de 4,8% do PIB, até 2031.
O abono salarial seria limitado a quem ganha um salário mínimo e não até dois
mínimos, como é hoje. Ele seria extinto em 2031, e até lá a economia seria de
R$ 15 bilhões.
Não se sabe se os parlamentares conseguirão
apoio de 168 deputados para a proposta tramitar. Mas é um conjunto de boas
ideias que deveriam ser discutidas junto com a PEC que o governo vai enviar ao
Congresso com as medidas para sustentar o regime fiscal. Como atrativo ao apoio
dos governistas, elas não tratam de corte drástico de despesas.
O que Bolsonaro admite na trama golpista já é
gravíssimo
Folha de S. Paulo
Ex-mandatário confirma que debateu estado de
sítio, negado por chefes de Forças; medida extrema se basearia em mentiras
Jair
Bolsonaro (PL) só não levou adiante
um golpe de Estado "em
razão de circunstâncias alheias à sua vontade" —eis uma
afirmação incontestável do inquérito da Polícia
Federal acerca das tratativas do então presidente e de
auxiliares, a maioria do meio militar, para não entregar o poder após a derrota
eleitoral de outubro de 2022.
O próprio Bolsonaro, afinal, já desistiu de
negar sua participação em um episódio central e bem esmiuçado nas investigações
da PF: as discussões internas para a decretação de estado de sítio e de defesa
ou operação de Garantia da Lei e da Ordem antes da posse do eleito, Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT).
Argumenta o ex-mandatário que tais
instrumentos estão previstos na Constituição,
o que descaracterizaria golpismo. A linha de defesa formalista não dá conta,
porém, do absurdo que teria sido adotar alguma dessas providências extremas sem
nada que as justificasse além de mentiras grosseiras sobre as urnas eletrônicas
e o processo eleitoral.
Para tal obviedade chamaram a atenção, na
época, os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica,
brigadeiro Baptista Júnior, que relataram ter barrado a quartelada. O então
chefe da Marinha, Almir Garnier Santos, preferiu o silêncio ao ser ouvido pela
PF.
São fatos gravíssimos e não sujeitos a
especulações. Restará, num muito provável processo mais à frente, examiná-los à
luz da legislação de defesa do Estado democrático de Direito.
Menos documentado, até o momento, é o papel
de Bolsonaro em um plano ainda mais tresloucado e macabro para assassinar Lula,
seu vice, Geraldo
Alckmin (PSB), e o
ministro Alexandre de
Moraes, então à frente da Justiça
Eleitoral —que, segundo o inquérito da PF, corria em paralelo
aos debates sobre o decreto golpista.
Nesse caso, as conclusões da investigação se
amparam nos contatos entre o então mandatário e militares envolvidos na
conspiração, datas e horários de reuniões.
É notório que, após o segundo turno da
eleição, Bolsonaro mergulhou em silêncio de mais de um mês, só quebrado em 9 de
dezembro por um discurso improvisado e dúbio a apoiadores. Ali, em vez de algum
gesto de grandeza no reconhecimento da derrota, saiu-se com a declaração de que
"as Forças
Armadas são o último obstáculo para o socialismo".
No penúltimo dia daquele ano, embarcou para
os EUA, onde ficaria até 30 de março. Em 8 de janeiro de 2023, bolsonaristas
ensandecidos invadiram as sedes dos três Poderes esvaziadas num
domingo em Brasília.
A PF busca traçar
um fio condutor entre todos esses acontecimentos, o que ainda
passará pelo crivo da Procuradoria-Geral da República e, após a esperada
apresentação de denúncia, pelo Supremo Tribunal Federal. Sobram evidências da
hostilidade de Bolsonaro à democracia, o que não pode ser pretexto para
negligenciar o rigor e o equilíbrio no julgamento de seus atos.
Não é papel do Supremo agir como fiscal de
preços
Folha de S. Paulo
Decisão de Dino, que muda valores cobrados
por cemitérios em SP gera insegurança jurídica; STF deve buscar autocontenção
Numa canetada, o ministro Flávio Dino, do
Supremo Tribunal Federal, determinou que os cemitérios paulistanos
privatizados voltem a
cobrar as tarifas vigentes antes da concessão, em março de 2023,
reajustadas pelo IPCA. A decisão vale até que o plenário da corte julgue a
constitucionalidade da lei que permitiu a privatização.
Há de fato uma espécie de crise nos
cemitérios da cidade. O número de queixas contra o serviço subiu
significativamente. Até novembro deste ano, o Procon registrava 442
reclamações; em 2023, foram 272. Boa parte delas está relacionada a preços.
Segundo reportagens de diversos veículos,
funcionários das empresas gestoras tentam induzir clientes a contratar os
serviços mais custosos, além de esconder a possibilidade de desconto, e mesmo
de gratuidade, para a população mais pobre.
Foi nesse contexto que o PC do B propôs a
ação de descumprimento de preceito fundamental, que Dino acatou em parte.
O problema começa na imparcialidade. Como a
proverbial mulher de César, que deve ser e parecer honesta, o ministro
eliminaria dúvidas se tivesse se recusado a relatar ação do partido que
integrou por muitos anos.
Em sua decisão, afirma haver violações ao
princípio da dignidade humana, o que seria suficiente para justificar a
intervenção. Faltou, contudo, um tanto de autocontenção, mercadoria
que anda escassa no STF, como demonstram decisões recentes do
próprio magistrado.
No começo deste mês, contrariando a
Constituição, Dino ordenou
recolhimento e destruição de livros jurídicos; em setembro,
interveio no Orçamento ao determinar que despesas de combate às queimadas
ficassem fora do teto de gastos. No caso agora em tela, não cabe à mais alta
corte do país tornar-se fiscal de preços.
Ademais, o ministro recorreu a argumento
perigosamente amplo. Com boa retórica, não há norma que não possa ser descrita
como violação à dignidade humana ou à moralidade pública.
Esses princípios, quando não consubstanciados
em dispositivos legais mais concretos, convertem-se num coringa judicial.
Precisam, portanto, ser utilizados com extrema parcimônia.
Note-se ainda que, ao imiscuir-se em preços de serviços privatizados, Dino emite sinal negativo ao setor de parcerias público-privadas —tão necessário para o desenvolvimento do país, principalmente em infraestrutura. Por receio quanto à segurança jurídica dos contratos, empresários pensarão duas vezes antes de participar dos processos de licitação.
Bolsonaro nu
O Estado de S. Paulo
Ninguém precisava da PF para saber que
Bolsonaro é golpista. Mas as investigações são úteis porque o despem de vez dos
trapos retóricos com os quais ele tentou se travestir de democrata
O relatório final da Polícia Federal (PF)
sobre a tentativa de golpe de Estado que teria sido urdida no seio do governo
de Jair Bolsonaro para aferrá-lo ao poder decerto não surpreendeu quem
acompanhou minimamente a vida pública do ex-presidente. Desde quando saiu do
Exército em desonra, passando por uma frívola carreira parlamentar – que, se
prestou para alguma coisa, foi para enriquecê-lo, além de sua família – até
chegar à Presidência da República, Bolsonaro jamais traiu seu espírito
golpista. De mau militar e mau deputado a mau presidente, foram quase 40 anos
de exploração da insurreição e da infâmia como ativos políticos.
Este jornal, seguramente, não está surpreso
com o que veio a público após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), levantar o sigilo sobre o referido relatório. Afinal,
faz quase 25 anos que já sublinhávamos nesta página o vezo parasitário de
Bolsonaro no Brasil pós-redemocratização, chamando-o pelo que é: um
desqualificado que se serve das mesmas liberdades democráticas que sempre quis
obliterar (ver o editorial Dejetos da democracia, 8/1/2000).
A rigor, ninguém precisava de um relatório
policial de mais de 800 páginas para saber que Bolsonaro é um golpista
inveterado. Quem já votou nele ao longo da vida pode alegar tudo, menos
desconhecimento de sua índole destrutiva. Mas, para quem quiser, aí está o
portentoso material reunido pela PF a encadear fatos e personagens com notável
robustez, além de desnudar o espírito insurreto que jamais deixou de guiar o
ex-presidente ao longo de sua trajetória.
Segundo a PF, Bolsonaro “planejou, atuou e
teve domínio de forma direta e efetiva” das tramoias para impedir a posse do
presidente Lula da Silva, o que teria incluído até um suposto plano para
assassiná-lo, entre outras autoridades. E não só entre novembro e dezembro de
2022, mas durante todo o mandato – que, recorde-se, começou com a disseminação
de mentiras sobre a suposta “fragilidade” das urnas eletrônicas. Ainda de
acordo com a PF, essa desabrida campanha de desqualificação do sistema
eleitoral já era parte do plano golpista de Bolsonaro para se insurgir contra
um resultado nas urnas que não fosse a sua reeleição, contando que a
desconfiança que semeou entre milhões de brasileiros poderia lhe ser útil no
futuro.
É fundamental frisar que ainda se está em
fase de inquérito policial. De modo que o contraditório e a ampla defesa só
estarão plenamente garantidos aos 37 indiciados, como é próprio do Estado
Democrático de Direito, mais à frente, vale dizer, se e quando a
Procuradoria-Geral da República (i) oferecer denúncia contra eles, (ii) as
acusações forem aceitas pelo STF e (iii) o caso, então, entrar na fase judicial
propriamente dita. Entretanto, as eventuais provas que poderão ser apresentadas
à Justiça pelo parquet, obviamente, serão decisivas apenas, por assim
dizer, para o destino penal de Bolsonaro. Já sobre seu golpismo não há prova
mais cabal de que se trata de um inimigo figadal da democracia do que seu
próprio passado.
Nesse sentido, é estarrecedor ainda haver no
seio de uma sociedade que se pretende livre e democrática quem admita a
presença de alguém como Bolsonaro na vida política. Ou pior, que enxergue como
“democrata”, “patriota”, “vítima do sistema” ou baboseira que o valha um
sujeito de quinta categoria que já defendeu o fechamento do Congresso, lamentou
o “baixo número” de concidadãos torturados e mortos nos porões da ditadura
militar, pregou o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e trata
adversários políticos como inimigos a serem eliminados, inclusive fisicamente.
Ademais, Bolsonaro jamais desestimulou as manifestações de teor golpista
realizadas em seu nome, como os acampamentos na frente de quartéis País afora.
Tudo indica que não o fez para falsear um “clamor popular” pelo golpe e, assim,
pressionar as Forças Armadas a apoiá-lo na intentona – o que, para o bem do
Brasil, não ocorreu.
A Justiça, primeiro, e a História, depois,
hão de ser implacáveis com Bolsonaro e todos os que flertaram com a destruição
da democracia no Brasil.
Mais uma ‘mudança segura’ no Uruguai
O Estado de S. Paulo
Nas eleições prevaleceram mais uma vez a
moderação e o consenso, frutos de uma política partidária bem
institucionalizada. Mas cultura democrática do país será testada por novos
desafios
Álvaro Delgado, candidato à presidência
uruguaia da Coalizão Republicana de centro-direita apoiado pelo incumbente Luis
Lacalle Pou, perdeu para Yamandú Orsi, da Frente Ampla de centro-esquerda. Após
governar de 2005 a 2019, a esquerda volta ao poder – suavemente. “Uma mudança
segura” foi o slogan de campanha.
“Serei o presidente que convocará de novo o
diálogo nacional”, disse Orsi. “A mensagem não pode ser outra senão abraçar o
debate de ideias. Assim se constrói uma república democrática. Longa vida aos
partidos políticos no Uruguai. Triunfa mais uma vez o país da liberdade, da
igualdade e também da fraternidade, que não é nada mais nada menos que a
tolerância e o respeito pelos demais. Sigamos por esse caminho.” Tal exibição
de conciliação da parte dos vencedores não costuma ser mais que hipocrisia. Uma
das provas de que no Uruguai é genuína, foi a resposta de Delgado. “Se é
necessária uma mão em prol do país, esta coalizão está disposta a lhe dar as
duas.”
É motivo de orgulho local fazer as
coisas a la uruguaya: devagar, gradualmente e deliberadamente – como a
preparação e a degustação do chimarrão. Traduzido para a política, isso implica
um quadro institucional de poucos partidos, disciplinados, com conteúdos
programáticos claros e, sobretudo, moderados. A participação dos uruguaios em
partidos, sindicatos e associações é alta. Os eleitores votam mais por
fidelidade a legendas que a personalidades. Reformas às vezes tomam anos e só
são ratificadas após plebiscitos ou referendos. Mas, uma vez pactuadas, a
população segue em frente, sem revanchismos.
Em índices de democracia, como o da Economist
Intelligence Unit, o Uruguai figura como a única democracia “plena” da América
do Sul e uma das mais sólidas do mundo. Estudos apontam o país como o menos
corrupto da região. O resultado é uma disputa bem delineada entre esquerda e
direita, mas sem extremismos; uma cultura centrista consolidada, mas sem o
fisiologismo endêmico de um “Centrão”.
A estabilidade política, por sua vez, se
traduz em prosperidade econômica. O país tem a maior renda per capita da
América Latina, a menor taxa de pobreza, um dos menores níveis de desigualdade.
Sua matriz energética é a mais limpa e seu Estado de Bem-Estar Social é, por
algumas medidas, o mais antigo e generoso do Cone Sul. Inflação, juros e
impostos baixos magnetizam investimentos e imigrantes.
Um exemplo de consenso político e
responsabilidade econômica foi dado no referendo recente que propunha reduzir a
idade e aumentar o valor das aposentadorias – música para ouvidos populistas.
Mas os dois principais candidatos rechaçaram a proposta, assim como a
população.
O espaço para a retórica inflamada sobre
“socialismo” e “neoliberalismo” é diminuto. Fiel aos ideais progressistas, Orsi
prometeu ampliar gastos sociais. “Mas para isso a economia precisa crescer”,
disse seu chefe de campanha, Alejandro Sánchez, “e, para crescer, a economia
precisa ser muito mais aberta.” Orsi também prometeu não elevar impostos e
reduzir a burocracia para atrair investimentos.
Não cabem idealizações. Se se pode dizer que
o Uruguai é a “Cingapura” ou a “Suíça” da América Latina, há uma longa jornada
até se aproximar dos níveis de desenvolvimento de Cingapura ou da Suíça. Desde
o fim do boom das commodities, o crescimento se desacelerou. A
educação segue estagnada. O narcotráfico cresce e as taxas de violência
superaram as de vizinhos como Argentina, Chile, Paraguai e Peru. Tudo isso
ameaça a coesão social e é um convite às aventuras populistas.
A alternância no poder se deu de maneira
tranquila, como em todas as vezes desde o fim do regime militar, em 1985. Mas,
para que as outras eleições continuem assim, os representantes eleitos
precisarão combinar sua velha moderação com novas ambições; promover reformas
radicais, sem radicalismos. A estabilidade é condição necessária para o
crescimento, mas não suficiente. Tudo somado, no entanto, o Uruguai está bem
equipado para enfrentar seus desafios, e as últimas eleições deixaram, mais uma
vez, lições valiosas para a América Latina.
Uma janela para a paz
O Estado de S. Paulo
Ao reduzir o poder de fogo dos aliados do
Irã, Israel cria chance para a diplomacia
Após quase 14 meses de hostilidades contínuas
e crescentes entre Israel e o Hezbollah, ontem as armas amanheceram em
silêncio. A anunciada trégua pode até se provar tênue, mas é uma boa e
relativamente inesperada notícia: quando o mundo inteiro temia uma conflagração
regional, pela primeira vez desde 7 de outubro de 2023, data do ataque do Hamas
a Israel, há uma perspectiva de redução das hostilidades no Oriente Médio.
O acordo entre Israel e Líbano prevê um
cessar-fogo de 60 dias. O Hezbollah deve manter-se a 30 km da fronteira,
enquanto Israel gradualmente removerá suas tropas do sul do Líbano, que será
ocupado pelas forças libanesas com a missão de desmantelar estruturas militares
do Hezbollah e impedir seu rearmamento. Um comitê de cinco países liderados por
EUA, França e uma unidade de observação da ONU monitorará o cumprimento do
acordo.
No primeiro dia após o ataque bárbaro do
Hamas, o Hezbollah lançou foguetes contra Israel, prometendo que o combate não
terminaria até um cessar-fogo em Gaza. Quase 70 mil israelenses foram retirados
e por meses a troca de hostilidades seguiu num ritmo calculado para não
escalar, até Israel lançar uma ofensiva em setembro. A liderança do Hezbollah
foi decapitada e seu estoque de munição foi imensamente degradado. Destruir
totalmente a organização militar do Hezbollah nunca foi o objetivo. Mas as
operações foram bem-sucedidas em quebrar o elo entre o Hezbollah e o Hamas. O
teste final será a reinstalação dos israelenses que tiveram que sair de suas
casas.
Israel deixou a maior força militar não
estatal do mundo numa posição muito mais vulnerável que em 2006 – quando Israel
e Hezbollah se enfrentaram –, e expôs a superioridade tática da inteligência e
da tecnologia israelenses em relação ao Irã. Em dois meses, apesar das
condenações das boas almas da ONU e do mantra da “desescalada” em Washington,
Israel conseguiu a paz pela força, afastou o risco de uma guerra aberta com
Teerã, restaurou as condições que a ONU estabeleceu em 2006, mas nunca
implementou, e abriu janelas para a diplomacia. Para não repetir os erros de
2006, Israel impôs uma cláusula que lhe permite reagir a “ameaças iminentes”
caso o Hezbollah quebre as condições do acordo. Os deslocamentos e a destruição
no Líbano foram terríveis. Mas o governo libanês tem uma chance de impor
limites aos domínios de um Hezbollah debilitado.
A dois meses da inauguração do mandato de
Donald Trump nos EUA, Israel está numa posição estratégica de força. Trump
provavelmente dará ao premiê Benjamin Netanyahu muito mais licença para agir.
Mas isso não é necessariamente uma má notícia para os palestinos. Os sinais
ainda são ambivalentes. Por um lado, Trump nomeou Mike Huckabee, apologista da
anexação dos territórios palestinos, como embaixador em Jerusalém. Mas foi
Trump, em seu primeiro mandato, quem elaborou o plano mais detalhado para uma
solução de dois Estados desde os Acordos de Oslo e lançou as bases dos Acordos
de Abraão para normalizar as relações entre Israel e Estados árabes.
O cessar-fogo está apenas começando. Ninguém pode subestimar a volatilidade do Oriente Médio. Mas há razões para um moderado otimismo.
Condição das rodovias ameaça vidas e economia
Correio Braziliense
Precisa perder força o argumento de que a
dimensão continental do país dificulta a realização e a percepção das melhorias
na infraestrutura das estradas
Trafegar por 25% das rodovias brasileiras é
conduta de risco, indica novo levantamento da Confederação Nacional dos
Transportes (CNT), a partir da análise de 111,8 mil quilômetros de vias
pavimentadas no país, entre federais (67,8 mil) e municipais (44 mil). Uma em
cada quatro está com o estado geral ruim (20,8%) ou péssimo (5,8%). Cenário
praticamente igual ao de anos anteriores — 20,3% ruim e 5,8% péssimo em 2023,
18,8% ruim e 6,5% péssimo em 2022, e 16,3% ruim e 6,9% péssimo em 2021 — e que
sinaliza ao menos uma despreocupação de gestores públicos em promover
melhorias em uma área tão estruturante para o país.
Pela malha rodoviária brasileira trafegam
cerca de 65% das cargas e 95% dos passageiros, estima a CNT. Também nela
milhares de pessoas perdem a vida cotidianamente — no primeiro semestre
deste ano, só nas rodovias federais foram 35.153 acidentes e 2.906 mortes, o
equivalente a 15 óbitos por dia. Sobram evidências, portanto, de que economias
e vidas são ameaçadas por uma rede que não está à altura.
E pode piorar. O mesmo levantamento indica
que os trechos classificados como regulares — que equivalem a 43,7% das
rodovias — correm o risco de migrar para ruim ou péssimo se não forem feitas
"intervenções adequadas e tempestivas de manutenção". Na análise, são
consideradas as condições do pavimento, da sinalização e da geometria das vias.
O último critério tem as piores avaliações — 23% ruim e 16,9% péssimo — e diz
respeito a características ligadas à ocorrência de acidentes graves, como segurança
nas ultrapassagens.
Tendo como base dados do Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), o governo federal anunciou,
também neste mês, que o país atingiu a melhor marca histórica da qualidade da
estrutura viária federal: 75% em classificação boa e 25% em classificações
regular, ruim ou péssimo. Os dados da CNT, porém, a partir de levantamento
próprio, indicam que apenas 33% das rodovias podem ser consideradas boas ou
ótimas. Dos trechos analisados pelos técnicos, 60% são federais.
A CNT diz reconhecer "os esforços que
vêm sendo realizados para transformar o cenário rodoviário
nacional", mas, corretamente, enfatiza a necessidade de ampliação de
recursos. Ainda que trabalhando com resultado divergente, o governo federal
também.
Nesse sentido, precisa perder força o
argumento de que a dimensão continental do país dificulta a realização e a
percepção das melhorias na infraestrutura das estradas. Se apenas 12,4% da
malha nacional são pavimentadas, conclui-se que o país deixa de cuidar bem até
do pouco que oferece para o tráfego adequado de veículos.
Há de se considerar neste debate o
compromisso de condutores e donos de veículos com a segurança no trânsito. O
Brasil enfrenta um fenômeno de envelhecimento da frota, o que demanda cuidados
frequentes com manutenção. Além disso, a ingestão de álcool e o excesso de
velocidade estão entre as principais causas de acidente nas rodovias. Todos
esses fatores, porém, são passíveis de fiscalização.
Diante da proximidade das férias escolares e das festas de fim de ano com mais uma malha rodoviária cheia de perigos, espera-se, no mínimo, a adoção de medidas imediatas para amenizar os riscos à população. Reforço nas blitzes e sinalização de curvas perigosas — 30,9% delas não têm esse alerta, segundo o levantamento da CNT — são um começo.
Tem algum documento escrito à mão, assinado e devidamente registrado e autenticado em cartório por parte do Bolsonaro no qual ele declare peremptoriamente que desejou, participou e articulou algum golpe de Estado no Brasil ? Sim ou não ?
ResponderExcluirSe não tiver, é tudo narrativas criadas por essa esquerda comunista nojenta aliada a mídias vendidas.
Talkey ?
Chooorem esquerdopatas malditos.
#Bolsonaromito2026
😎😎😎
kkkkkkkkkkkkkk! Perfeito! Estes são todos os "argumentos" do bolsonarismo... O papagaio bolsonarista pensa assim, mas não consegue escrever corretamente o que pensa... Bolsonaro agora se diz "PERSEGUIDO"... Tadinho!
ExcluirVocê já viu um golpe registrado em Cartório na Vida ? Só o seu. A Burrice deveria doer. Foi o grande erro da Criação !
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