quarta-feira, 6 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É preciso alterar projeto de emendas parlamentares

O Globo

Na forma como foi aprovado, texto não impõe transparência a toda destinação de recurso

É com base nos princípios constitucionais de transparência, moralidade e publicidade que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem tentado disciplinar as emendas parlamentares. Essas linhas do Orçamento permitem aos congressistas obter em Brasília verbas para suas bases eleitorais. É verdade que os recursos são destinados segundo interesses paroquiais, e não por necessidade ou critérios técnicos. Mesmo assim, é um mecanismo comum nas democracias. Nos últimos dez anos, porém, as emendas tiveram um crescimento explosivo no Brasil, quase 550% em termos reais. Hoje representam ao redor de 20% das despesas livres da União no Orçamento, patamar sem paralelo no mundo. Os abusos ficaram evidentes no escândalo que ficou conhecido como “orçamento secreto”.

Em 2022, sob a presidência da então ministra Rosa Weber, o Supremo declarou inconstitucionais as “emendas do relator”. Elas eram opacas — por omitir o parlamentar responsável pelo destino das verbas — e permitiam às lideranças do Congresso alocar verbas bilionárias segundo interesses políticos de ocasião, abrindo flanco a desvios e corrupção. Fechada uma porta, os congressistas encontraram outra: inflaram as “emendas de comissão”, verbas destinadas pelos colegiados temáticos do Congresso, também sem identificar os responsáveis. Elas saltaram de R$ 474 milhões em 2022 para R$ 15 bilhões neste ano.

Em reação, o ministro Flávio Dino suspendeu em agosto todos os repasses de emendas, exigindo regras de transparência e rastreabilidade. Em sua justificativa, foi didático ao explicar que a mudança de rubrica não torna legal uma prática classificada como inconstitucional. Ainda que depois sua decisão tenha sido confirmada pelo plenário, ela foi tomada de modo abrupto e desencadeou uma crise desnecessária entre os Poderes. Felizmente, nas últimas semanas houve uma negociação que resultou num Projeto de Lei Complementar (PLP), cujo objetivo é corrigir práticas ilegais associadas às emendas. Depois de votado na Câmara, o PLP seguirá para o Senado.

Na forma como foi aprovado, o texto está manco. Deixa a desejar em relação aos princípios constitucionais invocados nas decisões do STF e não reflete as melhores práticas internacionais. No campo positivo, prevê comunicações regulares ao Tribunal de Contas da União (TCU), que passará a fiscalizar a execução das emendas. Também procura acabar com a prática de destinar recursos ao caixa das prefeituras sem projeto ou critério de acompanhamento definido (conhecida como “emenda Pix”). Prioriza o que chama de obras “estruturantes” e permite ao governo cortar emendas para cumprir despesas obrigatórias. Mas o texto ficou distante do mínimo desejado em transparência.

Nada impediria um município beneficiado de aplicar os recursos em projetos distintos do indicado. Nas emendas de bancada ou de comissão, criou-se um mecanismo que mantém a opacidade das indicações. A tentativa de controlar o crescimento explosivo das emendas é tímida. O texto não contém a fatia do Orçamento na mão do Congresso, uma anomalia na comparação com o resto do mundo. Na forma como está, o PLP pode até funcionar para pacificar a relação entre os Poderes, mas não para disciplinar os abusos nas emendas. Os senadores devem corrigir as deficiências antes de aprová-lo.

Caso Bruno Henrique traduz eficácia no combate a fraude nas apostas

O Globo

Bets são as principais interessadas em evitar a manipulação e o favorecimento ilícito de apostadores

A operação deflagrada ontem pela Polícia Federal, com apoio do Ministério Público, em endereços do Flamengo traduz a eficácia dos mecanismos usados para coibir as fraudes no mercado de apostas esportivas, em fase de regulamentação no Brasil. O principal alvo foi o atacante Bruno Henrique, suspeito de ter forçado um cartão amarelo em partida do Campeonato Brasileiro para beneficiar parentes e amigos. O episódio ocorreu em 1º de novembro de 2023, numa partida entre Flamengo e Santos em Brasília (a equipe paulista venceu por 2 a 1). Nos acréscimos do segundo tempo, Bruno Henrique levou amarelo depois de uma falta. Em seguida, recebeu o vermelho por ofender o árbitro, segundo a súmula do jogo.

A investigação foi iniciada a partir de uma comunicação da Unidade de Integridade da CBF, de relatórios da International Betting Integrity Association e da empresa Sportradar, que monitoram o mercado. Dados obtidos junto às casas de apostas revelam palpites suspeitos. Além do próprio Bruno Henrique, a PF investiga um irmão dele, uma cunhada, uma prima e moradores de Belo Horizonte, sua cidade natal. A operação reuniu mais de 50 agentes e cumpriu 12 mandados de busca e apreensão, não só no Flamengo, mas também na casa do jogador, na Barra da Tijuca, em empresas de que ele é sócio e em cidades como Lagoa Santa, Ribeirão das Neves, Vespasiano e Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Com a expansão das apostas em todo o mundo, suspeitas de manipulação de resultados se tornaram frequentes. O jogador Lucas Paquetá, ex-Flamengo, atualmente no West Ham, é investigado pela Federação Inglesa sob a acusação de receber cartões amarelos de forma deliberada em jogos da Premier League para beneficiar amigos. O atacante Luiz Henrique, do Botafogo, é alvo de uma investigação na Espanha que apura a manipulação de resultados para fraudar apostas esportivas.

A questão ganhou vulto no ano passado, com a descoberta de um esquema de manipulação de resultados. Jogadores eram aliciados por quadrilhas para fazer pênaltis ou levar cartões de forma intencional. As investigações do Ministério Público de Goiás (estado onde o caso foi descoberto) alcançaram não apenas clubes da Série B, mas também times da elite do futebol brasileiro. Em maio do ano passado, 16 suspeitos foram denunciados por fraudes em partidas do Brasileirão e de campeonatos estaduais.

Tanto no Brasil quanto no exterior, empresas contratadas pelas federações rastreiam as movimentações suspeitas. Embora evidentemente não peguem 100% dos casos, a mera investigação do episódio envolvendo Bruno Henrique comprova a eficácia do monitoramento. As maiores interessadas em detectar e coibir fraudes são as próprias empresas de apostas, as bets, já que são as primeiras a perder. Clubes e federações também devem se empenhar para que a prática criminosa não prospere. Será ruim para o futebol se torcedores acreditarem que pênaltis e cartões discutidos à exaustão nas resenhas esportivas não passam de teatro.

Correções do regime fiscal não podem ser cosméticas

Valor Econômico

O novo regime fiscal criou um mecanismo para conter a velocidade (não o crescimento) do endividamento público e ao mesmo tempo aumentar acima da inflação as despesas públicas. Não está dando certo

O governo prepara a segunda correção de rumos do novo regime fiscal, empurrado pela pressão da piora das contas públicas, pelo aumento dos juros futuros e pela maxidesvalorização do real. Depois de adiar as metas originais - o governo Lula não precisará apresentar um superávit até o fim do mandato, usando o piso permitido -, procura-se corrigir alguns defeitos de concepção, como a indexação dos pisos de saúde e educação à evolução das receitas. Os efeitos negativos e a deterioração das contas públicas foram magnificados por um fator estranho ao regime fiscal: a concessão de aumentos reais para o salário mínimo, que indexa as despesas previdenciárias, as mais pesadas da União. O presidente Lula reinstituiu a regra de inflação mais o PIB de dois anos anteriores e não aceita abrir mão dela. Com isso, forçou a equipe econômica a fazer contorcionismos para tentar conseguir um equilíbrio precário das contas, missão cujo sucesso está sob enorme desconfiança dos investidores.

O fim do novo sistema de reajuste real do mínimo por si só seria uma enorme ajuda à busca do superávit fiscal. Cálculos de dois economistas da ARX Investimentos, Gabriel Barros e Johann Soares, mostram que os gastos encolheriam R$ 1,2 trilhão em 10 anos e R$ 19 bilhões em 2025 com a extinção do mecanismo (Valor, ontem). Paulo Bijos, ex-secretário de Orçamento Federal e hoje consultor de orçamento da Câmara dos Deputados, tem cálculos parecidos - uma economia de R$ 1,1 trilhão em 10 anos (Valor, idem).

A equipe econômica não tem muitas saídas além das que estão sendo divulgadas. Há a possibilidade remota de restringir a correção real do mínimo à variação permitida pelo novo regime fiscal, de 0,6% a 2,5%. No primeiro caso, a economia de recursos em relação ao sistema atual seria de R$ 890 bilhões, de acordo com Bijos. No segundo, seria bem menor, porque o PIB tem crescido 3% nos últimos dois anos. De qualquer forma, a mudança afronta um veto do presidente ao assunto.

Os pisos constitucionais para educação e saúde, ao que tudo indica, perderão a indexação pelas receitas. Como o regime fiscal petista se baseia no aumento da arrecadação, seu sucesso automaticamente eleva os gastos, o que é um contrassenso para quem leva a sério a necessidade de obter superávits. Segundo os economistas da ARX, os ganhos com a mudança não seriam grandes de imediato - R$ 4,7 bilhões em 2025 -, mas expressivos a longo prazo, de R$ 54,4 bilhões em 2034. Nos cálculos de Bijos, seria possível evitar despesas de R$ 97 bilhões de 2026 a 2028 com essa medida.

Cogitados pela equipe da Fazenda estão o aumento de 30% para 60% da parcela dos recursos do Fundeb contabilizada no piso da educação, que abriria espaço de R$ 16,8 bilhões para despesas discricionárias. É desejo do governo, com projeto no Congresso, que 50% dos recursos das emendas de comissão se destinem à saúde, tornando disponíveis mais R$ 7,7 bilhões. Essas mudanças, se realizadas em conjunto, melhorariam a alocação de recursos intraorçamento em R$ 24,5 bilhões, mas não significam corte de despesas efetivo.

Uma reformulação do abono salarial, limitando o direito a recebê-lo a quem ganha um salário mínimo, e não mais dois, como é hoje, traria uma redução de gastos importante, de R$ 20,5 bilhões em 2026. A evolução dos gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que crescem muito e atingirão R$ 107 bilhões este ano, seria submetida à regra do teto, além de ser objeto de mudanças nos critérios de concessão. Barros e Soares estimam que o número de beneficiários do abono cairia de 25 milhões de trabalhadores para 5 milhões. Restringir o seguro-desemprego e utilizar recursos das multas por demissão sem justa causa do FGTS poderia encolher as despesas em mais R$ 10,4 bilhões já em 2025.

Além de tentar salvar o novo regime fiscal e cumprir as metas de 2025, que estão sob risco, as mudanças em estudo são importantes por outros motivos. A partir de 2027, os gastos com precatórios, de R$ 50 bilhões anuais, hoje fora do cálculo das despesas por acordo com o Supremo Tribunal Federal, voltam a ser contabilizados normalmente. Da mesma forma, neste ano ou no seguinte, se as regras do regime fiscal não forem logo alteradas, o governo estará ameaçado de paralisia da máquina administrativa, pela expulsão das despesas discricionárias pelo crescimento veloz dos gastos obrigatórios.

O novo regime fiscal criou um mecanismo para conter a velocidade (não o crescimento) do endividamento público e ao mesmo tempo aumentar acima da inflação as despesas públicas. Não está dando certo. A relação dívida/PIB deu um salto, e os pisos constitucionais vinculados às receitas produziram um desequilíbrio congênito e permanente. A disparada dos juros e do dólar pode ter convencido o presidente Lula de que terá de corrigir os rumos. A correção não poderá ser cosmética, sob pena de provocar uma reação dos mercados tão virulenta como a de quando as metas fiscais foram afrouxadas. Entre as formas mais rápidas de fazê-lo estão retirar o ganho real do salário mínimo e desvincular o mínimo da Previdência. O presidente não aceita caminhos como esses, mas a realidade deveria fazê-lo mudar de ideia.

Um pequeno exemplo de todos os desmandos em estatais

Folha de S. Paulo

Telebras é resíduo da privatização da telefonia às voltas com déficit, manobras de contabilidade e loteamento político

Da muito bem-sucedida privatização da telefonia, que abriu caminho para o avanço do país na era da internet, sobrou um resíduo estatal. Vinte e seis anos depois, o dinheiro público ainda sustenta uma empresa denominada Telebras, cuja existência —e mais ainda, sua serventia— é decerto desconhecida pela maioria dos contribuintes brasileiros.

Mas eis que o fantasma reapareceu no noticiário dos últimos dias, por um motivo dos menos nobres. Revelou-se que a Telebras, hoje abrigada no organograma do Ministério das Comunicações, recorreu a uma manobra de contabilidade com o objetivo de empurrar para este 2024 despesas que deveriam ter sido executadas no ano passado.

Detalhes técnicos não são o mais importante no caso —basta compreender que os gastos da dita companhia não couberam nos limites autorizados por lei, e isso pode criar problemas legais para o Executivo federal. Mais interessante é como aí estão reunidos quase todos os exemplos de desmandos possíveis em estatais.

Começa-se pela espantosa sobrevivência da empresa controlada pelo Tesouro Nacional, que após a privatização de 1998 havia sido mantida apenas para pagar dívidas e fornecer pessoal à Anatel, agência reguladora do setor. Em 2010, ela foi reativada pelo segundo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a missão de ampliar o acesso à internet no país.

Incluída no programa de desestatização sob Jair Bolsonaro (PL), não teve sua venda concretizada, provavelmente por despertar o interesse dos militares. No ano passado, mais uma vez sob Lula, foi retirada do programa.

Uma de suas utilidades para o Planalto é o loteamento político. Segundo o UOL, que trouxe à tona a pedalada orçamentária, a companhia se encontra hoje sob influência de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ora candidato mais forte ao comando do Senado e aliado do ministro Juscelino Filho, que por diversas vezes teve sua saída do posto cogitada por suspeitas de irregularidades.

Na gigantesca máquina federal, a Telebras é uma estrutura modesta —emprega cerca de 400 funcionários e dispõe de R$ 864 milhões em gastos autorizados neste ano. Um déficit de R$ 184 milhões é projetado para 2025.

Ela está há quase cinco anos entre as 17 estatais classificadas como dependentes do Orçamento da União, por não gerar receitas suficientes para bancar suas operações. Nesse rol também se encontram exemplos funestos como a Codevasf, desaguadouro de emendas parlamentares, e a EBC, que não alcança audiência para a propaganda oficial.

Os danos potenciais se multiplicam nas 27 empresas não dependentes e suas 79 subsidiárias, grupo no qual se destacam gigantes como PetrobrasBanco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Assim se tem noção de quanto ainda resta a fazer no processo de reorientação do Estado brasileiro, pelo bem da ação social e da eficiência econômica

Ao censurar livros, Flávio Dino afronta a Constituição

Folha de S. Paulo

Ministro do STF fere a liberdade de expressão ao decidir pelo banimento de obras jurídicas com passagens preconceituosas

É grave a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que determinou a retirada de circulação, o recolhimento e a destruição dos exemplares à venda de quatro livros jurídicos por conter passagens discriminatórias contra mulheres e a comunidade LGBTQIA+, inclusive com o emprego de termos chulos.

Os títulos, publicados entre 2008 e 2009, são da mesma dupla de autores, também condenada a pagar indenização de R$ 150 mil por danos morais coletivos.

A menos que se mostre um nexo causal forte entre a publicação de opiniões despropositadas e crimes reais, não cabe ao Estado agir como polícia do pensamento, nem lhe compete promover um controle de qualidade de obras de cunho técnico.

Constituição Federal dificilmente poderia ter sido mais clara quando afirma, em dois artigos distintos, o 5º, IX e o 220, que a censura não tem lugar no ordenamento jurídico nacional.

No choque entre a liberdade de expressão e outros valores mencionados na Carta, é a primeira que precisa, na maioria dos casos, prevalecer. Se não fosse assim, nem seria necessário afirmá-la como garantia fundamental. Ninguém precisa de licença para dizer o que todos querem ouvir.

A salvaguarda constitucional existe justamente para permitir que opiniões controversas e até equivocadas (se é que se pode considerar uma opinião errada) não sejam banidas do debate público. Até algumas décadas atrás, pontos de vista chocantes eram os daqueles que afirmavam não haver nada de errado com homossexuais. Felizmente, tais ideias nunca foram suprimidas.

A decisão do ministro preocupa também pelo alcance. Dino não se limitou a estabelecer uma indenização e determinar correções em edições futuras, mas autorizou o recolhimento e a destruição de todos os exemplares à venda e daqueles mantidos em bibliotecas públicas ou privadas.

Se o caso serve de precedente, não é difícil imaginar situações surreais. Feministas indignadas com o machismo de Arthur Schopenhauer poderão pedir (e obter) a exclusão de obras do filósofo alemão. Contra o preconceito, judeus poderão pleitear a destruição de pelo menos uma das peças de Shakespeare. Nem a Bíblia, com seus discursos de ódio contra homossexuais, escaparia.

Não faz muito tempo que o Supremo era considerado o último refúgio da liberdade de expressão. A corte invariavelmente invalidava ímpetos censórios de juízes e tribunais inferiores, que sempre existiram. Ao que tudo indica, não é mais assim.

A ‘mise-en-scène’ de Lula e Haddad

O Estado de S. Paulo

Lula quer fazer crer que está preocupado com o equilíbrio fiscal só porque mandou cancelar uma viagem esquisita de Haddad ao exterior no momento em que o dólar quase bateu nos R$ 6,00

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve de cancelar a viagem que faria à Europa nesta semana. O tour pegou mal – não pelo destino, mas pelo timing. Ficaria muito difícil convencer algum incauto sobre a urgência com que o governo trata o ajuste fiscal após a Fazenda ter-se limitado a divulgar as cidades por onde o ministro passaria sem informar o que ele faria e com quem se reuniria enquanto o dólar se aproximava da marca de R$ 5,90.

Cancelar essa agenda era uma decisão óbvia para conter a crise, dado que o ministro Haddad é visto como o único capaz de convencer o presidente Lula da Silva sobre a existência de um desequilíbrio fiscal. Ausentar-se do País em uma semana conturbada seria o mesmo que assumir uma derrota.

Desta vez, a comunicação funcionou, e o Ministério da Fazenda divulgou no domingo que Haddad ficaria no País “a pedido do presidente Lula” para se dedicar a “temas domésticos”. Já na segunda-feira, Haddad disse que o pacote deve ser fechado nesta semana. “As coisas estão muito adiantadas do ponto de vista técnico”, afirmou. “Penso que estamos na reta final.”

Tanta assertividade contrasta com a impaciência que o ministro demonstrou há alguns dias ao ser questionado pela imprensa sobre as medidas. Disse não haver nem prazo para divulgá-las nem estimativa de economia a ser alcançada – uma reação, no mínimo, amadora para quem ocupa o cargo há quase dois anos, como se os jornalistas tivessem feito uma pergunta sobre um assunto inédito, e não sobre um plano cujas expectativas haviam sido criadas pela própria equipe econômica em meio ao aumento de incertezas externas e internas.

No exterior, há receio sobre os próximos passos a serem tomados pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA – que tem reduzido as taxas de juros em um ritmo bem mais lento do que o imaginado pelos investidores –, e dúvidas sobre o impacto das eleições americanas, o desempenho econômico da China e o acirramento de conflitos internacionais.

No Brasil, expectativas de inflação desancoradas motivaram o Banco Central a iniciar um novo ciclo de aumento dos juros, o dólar chegou a quase R$ 6,00 e os títulos públicos estão pagando taxas próximas de 7%, acima da inflação. Segundo a Fazenda, nas reuniões ministeriais desta semana, “o quadro fiscal do País foi apresentado e compreendido, assim como as propostas em discussão”.

Não é o que parece. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ameaçou pedir demissão se o governo ousasse propor a revisão dos gastos vinculados à sua pasta. Já a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), não vê qualquer problema no descontrole de gastos, mas sim nos juros “estratosféricos” que fazem crescer a dívida pública e na chantagem do mercado que cria expectativas “falsas e irrealizáveis”.

Antes fosse um problema restrito à ala política do governo. Até hoje, a equipe econômica parece não ter compreendido os estragos causados pelas mudanças – menos de um ano após a aprovação do arcabouço pelo Congresso – das metas fiscais de 2025 e de 2026 e menospreza a relevância de perseguir o centro da meta fiscal em vez de seu limite inferior.

Os recordes de arrecadação não têm dado conta das despesas e, a despeito disso, o máximo que se viu foram bloqueios e contingenciamentos aquém da necessidade, além de pentes-finos em benefícios previdenciários e assistenciais. Tentativas de rever políticas ineficientes, como o abono salarial e o seguro-defeso, e de discutir regras mais rígidas para a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) vêm e vão há dez anos.

Até agora, o governo conseguiu postergar soluções definitivas para a questão fiscal apostando na retórica de Haddad, enquanto Lula da Silva oscilou entre a verborragia a favor da gastança, discretos acenos em apoio ao ministro e o silêncio em momentos mais críticos.

O erro foi imaginar que o cenário externo se manteria favorável e permitiria que essa dinâmica entre Lula e Haddad fosse até 2026 sem que o compromisso fiscal tivesse de ser atestado. Se o problema fosse apenas uma viagem internacional fora de hora de Haddad, seria fácil de resolver.

Luz no fim do túnel para as Santas Casas

O Estado de S. Paulo

Há décadas prestando serviços ao SUS sem devida remuneração, os hospitais filantrópicos sofrem asfixia financeira. Há uma lei para corrigir a injustiça, mas precisa ser regulamentada

A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo anunciou a venda de sete imóveis no centro de São Paulo, entre eles edifícios históricos como o Ouro para o Bem de São Paulo e o antigo Colégio São José. Segundo a Irmandade da Santa Casa, o objetivo é arrecadar R$ 200 milhões e quitar parte dos R$ 650 milhões em dívidas da instituição, criando ainda um fundo patrimonial. Trata-se de um paliativo que não estancará o sangramento sofrido não apenas pela Santa Casa de São Paulo, mas por toda a rede de hospitais filantrópicos do País em razão do subfinanciamento crônico imposto pela incúria do poder público e o oportunismo de seus agentes.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é fundamentalmente um serviço público prestado por entes privados. Hospitais estatais são, em geral, insuficientes, ineficientes e caros. As Santas Casas e os hospitais filantrópicos respondem por quase metade dos leitos do SUS. Em quase 900 municípios, essas entidades são o único serviço de saúde. Segundo a Confederação das Santas Casas (CMB), em 2023 a rede pública foi responsável por apenas 27% das internações de alta complexidade do País, enquanto os hospitais filantrópicos responderam por 61%. Mas esses hospitais são vitimados pelo próprio sucesso.

Em teoria, o SUS seria um exemplo de cooperação entre o público e o privado para outros serviços públicos do País e para sistemas de saúde de todo o mundo: o Estado recolhe o dinheiro do contribuinte e o repassa a entidades sem fins lucrativos com o alcance e a expertise que ele não tem, garantindo a prestação de serviços de qualidade a todos os cidadãos. Mas como, na prática, os repasses não cobrem os serviços, os hospitais são obrigados a pagá-los. Assim, os governantes capitalizam o prestígio do “maior serviço de saúde pública do mundo” enquanto descapitalizam seus prestadores e minam a sustentabilidade desse mesmo serviço.

Há décadas os valores de repasse da Tabela do SUS estão defasados. Desde 1994, os procedimentos da Tabela foram reajustados, em média, em 93%. No mesmo período, a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor foi de 637%. Hoje, os repasses não cobrem mais que 50% do custo dos procedimentos. Isso em média. No caso a caso, a defasagem pode ser muito maior. Para dar uma ideia, uma diária de UTI custa R$ 2,1 mil, mas o SUS nacional cobre só um terço desse valor. A retirada de um tumor maligno da próstata custa R$ 15,9 mil, mas a União paga só R$ 3,9 mil.

Com abnegação e eficiência, os hospitais filantrópicos têm garantido a prestação dos serviços, que chegam a custar oito vezes menos que nos hospitais federais. Mas, segundo a CMB, em 18 anos a dívida desses hospitais dobrou, e hoje chega a R$ 10 bilhões. Muitos não resistiram à pressão. Estima-se que entre 2017 e 2021, 500 Santas Casas fecharam as portas.

Há iniciativas regionais. Notadamente em São Paulo, a Tabela SUS Paulista, vigente desde o início de 2024, complementa a verba federal, pagando até cinco vezes mais pelos procedimentos do SUS. Mas na maior parte do País, em especial nas regiões mais carentes, o sistema está ruindo aos poucos, e a continuar assim o colapso pode ser súbito e brutal.

Há uma luz no fim do túnel. No início deste ano finalmente foi sancionada uma lei federal (14.820/24) estabelecendo a revisão periódica da tabela. No entanto, ela ainda não foi regulamentada. A proposta da CMB é que a partir de 2025 o reajuste corresponda, no mínimo, ao valor da inflação médica. Não é suficiente para recompor as perdas de anos de hemorragia financeira, mas ao menos a estancaria.

Não é hora de baixar a guarda. Em artigo no Estadão, o presidente da CMB, Mirocles Véras, instou autoridades do Executivo e Legislativo a priorizar a regulação. É uma questão de justiça para os hospitais filantrópicos e de necessidade – às vezes de vida ou morte – para os 70% dos brasileiros que dependem exclusivamente dos cuidados do SUS. Há uma luz no fim do túnel, mas dado o histórico de negligência do poder público, é preciso vigilância para garantir que não seja só mais uma miragem.

O soluço da indústria

O Estado de S. Paulo

Setor cresce puxado por demanda doméstica, mas há dúvidas sobre se esse crescimento é sustentável

A indústria brasileira vive um cenário mais animador neste ano. De acordo com a Pesquisa Industrial Mensal (PIM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor registrou crescimento de 1,1% em setembro, o melhor resultado para o mês desde 2020, e acumulou alta de 1,6% no terceiro trimestre deste ano em relação ao anterior, com quatro trimestres seguidos de expansão.

Os dados são positivos, mas a produção ainda está 14,1% abaixo do patamar recorde de produção alcançado em maio de 2011 e há dúvidas sobre até quando o setor terá fôlego para seguir em expansão de forma sustentada. Não é de hoje que o setor reage com espasmos ao processo de desindustrialização do País. Com uma economia sabidamente fechada, baixa produtividade e políticas públicas equivocadas destinadas para a área em um passado recente, sobram motivos para cautela.

Por ora, há explicações conjunturais para o quadro atual, segundo analistas de mercado, como o aumento da demanda doméstica, com o consumo das famílias e o investimento em ativos fixos crescendo acima do esperado. Na avaliação de André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE, há também mais dinamismo, com maior incorporação de trabalhadores no mercado, baixa taxa de desocupação e massa salarial em crescimento, além da queda da inadimplência e dos avanços nas condições de crédito.

Mas, quando o assunto é crédito, todo cuidado é pouco, haja vista a retomada do protagonismo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Pela primeira vez desde 2016, o total de financiamentos aprovados para a indústria (27%) superou o agronegócio (26%). Segundo o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, “houve uma mudança na qualidade do crescimento do Brasil, liderado pela indústria e pelos investimentos”, com condições macroeconômicas favoráveis e iniciativas como a Nova Indústria Brasil (NIB), programa lulopetista para estimular o setor.

Até setembro, o BNDES aprovou R$ 154 bilhões para a NIB, dos quais R$ 9 bilhões para inovação – linha para a qual as taxas são basicamente ofertadas com subsídios. E esses subsídios deveriam causar preocupação. Foram taxas camaradas praticadas por governos petistas que irrigaram grandes empresas, canibalizaram o mercado de crédito e deram pouco retorno social ao País nos últimos anos.

Com superávits financeiros de fundos públicos e privados, em manobras por fora do Orçamento, o governo Lula da Silva tem irrigado o BNDES para ampliar linhas de empréstimos. Na prática, esses recursos deixam de ser usados para abater a dívida pública, estratégia mais eficaz para reduzir a taxa básica de juros, manter a credibilidade fiscal e fomentar o crescimento econômico.

A recuperação da indústria e a retomada do protagonismo do BNDES no setor exigem vigilância. Apesar de o atual governo petista argumentar que agora tudo é diferente, nunca houve admissão de culpa pelos erros do passado. De alento, por ora, essa onda da indústria surtirá efeito no PIB, e há quem aposte em expansão de 3% do setor. Oxalá não seja mais uma marolinha.

Reforma Tributária e desigualdades sociais

Correio Braziliense

A reforma deixa de atacar um ponto fundamental da discussão acerca da tributação no país: a diminuição da desigualdade social

A Reforma Tributária aprovada na Câmara dos Deputados pode trazer mudanças significativas no funcionamento da economia brasileira, caso também passe no Senado Federal. A principal alteração se concentra na criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um texto único para substituir os complexos tributos estadual (ICMS) e municipal (ISS). A reforma cumpre com seu papel de desburocratização da relação de consumo e aumenta a transparência — facilitando o entendimento da população sobre aquilo que ela paga ao comprar um determinado produto. Porém, deixa de atacar um ponto fundamental da discussão acerca da tributação no país: a diminuição da desigualdade social.

Na semana passada, deputados federais tiveram uma nova oportunidade para mudar um pouco da realidade atual, na qual o grupo dos 1% mais ricos tem um rendimento médio 39 vezes maior do que a média daqueles incluídos nos 40% mais pobres do país: R$ 20,6 mil contra R$ 527, de acordo com o IBGE. Não o fizeram. Pela proposta de emenda do deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), fortunas entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões seriam taxadas em 0,5%. O percentual dobraria para 1% para patrimônios entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões. Quem ultrapassa a barreira dos R$ 80 milhões teria que pagar 1,5% de alíquota.

O texto precisava de 257 votos para passar, mas recebeu apenas 136 — a maior parte dos favoráveis foram parlamentares de esquerda e centro-esquerda. Além de aumentar a arrecadação do país, sobretudo em um momento de pressão por corte de gastos, a medida serviria para passar um recado à sociedade. A mensagem de que desigualdades tão volumosas não devem ter mais espaço no mundo contemporâneo.

A negação da emenda era esperada. Ainda assim, merece questionamentos. A própria Constituição Federal, em seu artigo 153, prevê que "compete à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar". Essa legislação, no entanto, nunca saiu do papel e ajuda a manter 63% da riqueza do país nas mãos de 1% da população, segundo relatório elaborado pela Oxfam Brasil.

Um contraponto é importante. Especialistas, como o ex-consultor do FMI Isaias Coelho, avaliam que a taxação das grandes fortunas não é a medida mais aconselhável para aumentar a arrecadação do país e equilibrar o caixa. Há um temor do mercado financeiro de que a medida, caso colocada em vigor, aumentasse as chances de investidores retirarem capital do país, o que pressionaria a economia interna e limitaria a efetividade do imposto.

Em uma segunda análise, vale discutir outra medida ignorada pela Reforma Tributária: a revisão da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Hoje, no Brasil, qualquer pessoa com vencimentos acima de R$ 4.664,68 paga uma alíquota de 27,5%, independentemente de ganhar R$ 5 mil por mês ou R$ 300 mil, usando uma comparação básica. Na prática, não há diferença no imposto pago entre um trabalhador de classe média ou alguém que fature milhões por ano.

Quando estava em campanha em 2022, Lula prometeu isentar do IRPF todos os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil — a medida hoje alcança quem recebe até R$ 2.259,20. É bem verdade que essa política pública não depende unicamente do governo federal, já que requer árdua articulação com o Congresso. No entanto, medidas como a adotada pelo Planalto na votação da taxação das grandes fortunas — na qual o governo liberou os partidos de sua base para definir as posições de suas bancadas — não ajudam a diminuir a reconhecida desigualdade social e soam incoerentes.

 


 

 

 

 

 

3 comentários:

  1. Laranjão eleito

    E parece que os republicanos vão fazer barba e cabelo

    Esquerdas tem que se repensar senão vão pro brejo

    😏😏😏

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  2. É isso aí eu vinha falando , fui motivo de chacota pela turma ignorante da esquerda porque agente procura se informar
    Concordo o Trump fez barba , cabelo e bigode : presidência, Senado e Câmara de deputados, tudo dominado , Deus no controle! e ganhou também no voto popular meteu mais de 5 milhões de votos à frente da democrata Harry , que fugiu deixando todo mundo pra trás sei explicar nada a ninguém , quando sentiu que ia perder, é uma destrambelhada mesmo!!

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  3. Você liga a televisão nos canais da imprensa militante , é hilário ver os jornalistas choramingando a vitória do Trump

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