sexta-feira, 29 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Plano de controle de gastos é tímido e insuficiente

O Globo

Governo demorou para apresentar proposta com medidas requentadas, sem nenhuma mudança estrutural

Apresentado em detalhe nesta quinta-feira, o plano de controle de gastos do governo é paradoxal. Num destaque intitulado “Cuidar da nossa casa”, afirma que o ritmo de crescimento das despesas gera incerteza sobre a regra fiscal. Cita o cenário externo desafiador e reconhece que o real desvalorizado, a pressão inflacionária e os juros altos “impactam a renda, o emprego, o investimento e desaquecem a economia”. Diante de diagnóstico tão realista de conjuntura tão delicada, esperavam-se medidas de impacto. Mas a proposta é tímida demais, insuficiente para deter o crescimento da dívida pública. Contrariando a lógica exposta pelo próprio Ministério da Fazenda, não conterá significativamente as despesas, apenas mudará sua composição. Depois de tanto mistério e expectativa, foi uma decepção.

Como se temia, boa parte do anunciado são medidas requentadas. É conhecido o esforço do governo para aperfeiçoar a gestão de programas sociais. Para evitar fraudes no Bolsa Família, as inscrições ou atualizações de famílias com apenas um integrante passarão a ser feitas em domicílio. A concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a deficientes ou idosos em situação de vulnerabilidade, também será mais rigorosa. Tudo isso é bem-vindo, mas insuficiente.

Instado a tomar medidas estruturais, o governo bem que tentou. A linha de corte para receber o abono salarial, hoje em 2 salários mínimos, mudará de forma paulatina. Só chegará em 1,5 salário no distante ano de 2035. Nem a decisão de colocar um teto de 2,5% no aumento real do salário mínimo dá margem a otimismo. Pela regra atual, o reajuste leva em conta a inflação do ano anterior e a expansão do PIB de dois anos antes. Como a economia cresceu ao redor de 3% em 2023 e 2024, o novo teto terá impacto positivo nas contas do governo em 2025 e 2026. Com a tendência a voltar a crescer perto de 2,5%, os efeitos benéficos serão passageiros. A nova regra de reajuste do mínimo tampouco significa que os gastos com a Previdência subirão dentro do limite de 2,5% ao ano. O aumento do número de beneficiários, hoje em torno de 5%, fará a conta crescer em ritmo mais elevado.

A timidez da proposta, diz o economista Marcos Mendes, do Insper, fará com que o governo continue buscando receitas adicionais para cobrir despesas crescentes. Tal arranjo fará com que mais dinheiro continue indo para Saúde e Educação, cujo orçamento é vinculado à receita. Boa notícia? Não necessariamente. O aumento do gasto obrigatório continuará a comprimir a reduzidíssima parcela de despesas livres do governo, como investimentos. De mudança estrutural para desengessar o Orçamento, não se ouviu nada.

O governo preferiu adotar postura populista e anunciar a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, uma promessa de campanha. É uma decisão contraditória para quem afirma querer estabilizar as contas públicas. A cobrança de alíquota mínima efetiva maior para quem ganha mais de R$ 50 mil, diz a equipe econômica, deverá zerar a conta. O governo parece esquecer que o Congresso pode muito bem aprovar a isenção e barrar a alíquota mínima. O plano de atacar os supersalários no Parlamento também peca pelo otimismo. Com todas as medidas explicadas, é difícil não concluir que o governo perdeu uma ótima chance para, nas suas próprias palavras, “cuidar da nossa casa”.

Cessar-fogo entre Israel e Hezbollah traz esperança ao Oriente Médio

O Globo

Entendimento ocorreu no Líbano, pois os dois lados viram vantagens na trégua. Em Gaza, dificuldade é maior

O cessar-fogo de 60 dias entre Israel e Hezbollah, grupo extremista libanês armado pelo Irã, foi uma rara notícia positiva em meio ao morticínio que tomou conta do Oriente Médio desde os atentados do grupo terrorista palestino Hamas em 7 de outubro de 2023. Por certo, não está claro se o acordo será mantido. Em região tão volátil, qualquer imprevisto pode fazer ressurgir as hostilidades. Mas a trégua trouxe um sopro de otimismo, levantando a esperança de que abra caminho a outro cessar-fogo, entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, e ao arrefecimento da tensão com o Irã.

O entendimento aconteceu no Líbano porque os dois lados viram vantagens. Israel matou centenas de terroristas do Hezbollah e seus principais comandantes, incluindo o líder máximo Hassan Nasrallah. Destruiu armas e foguetes, desestabilizou linhas de comunicação e reduziu a presença do inimigo perto da fronteira. Como não tem pretensão a conquistar território libanês — seu objetivo é permitir o retorno a suas casas dos cerca de 60 mil israelenses fustigados pelo Hezbollah —, o governo Benjamin Netanyahu viu no acordo uma saída aceitável. Enfraquecido e desmoralizado, o Hezbollah preferiu o recuo para se reorganizar.

Com raras escaramuças, a última trégua durou de 2006 até outubro de 2023, quando o Hezbollah passou a atacar Israel, alegadamente em solidariedade ao Hamas. Os embates levaram à fuga de civis em ambos os lados da fronteira. A partir de setembro deste ano, o governo Netanyahu partiu para a ofensiva. Depois do êxito da operação inaudita que explodiu pagers e walkie-talkies do inimigo, desferiu bombardeios inclementes contra os libaneses. Não só no Sul, controlado pelo Hezbollah, mas também na capital Beirute e em áreas que se julgavam a salvo.

O Hezbollah usufrui no Líbano o status singular de partido político e milícia armada. Como o Hamas, adota a tática de esconder comandantes, tropas e arsenais em meio à população civil, usada como escudo humano. Na ofensiva, Israel eliminou o comando terrorista, mas também atingiu milhares desses civis (o saldo beira 4 mil mortos, entre eles três brasileiros). É preciso repudiar a falta de mais cuidado das forças israelenses com vítimas inocentes, algo inaceitável para uma democracia que respeita valores humanos essenciais. Morte de civis em tal quantidade não é efeito colateral — é uma tragédia.

Pelo acordo, as Forças Armadas do Líbano controlarão o Sul do país com a retirada israelense — oportunidade para o governo libanês assumir enfim controle sobre o próprio território. Se o Hezbollah voltar à região, as forças libanesas serão responsáveis por intervir, mas Israel também poderá agir. Até que ponto o cessar-fogo abrirá caminho a entendimento mais amplo é uma questão em aberto. Em Gaza, as dificuldades são maiores — dos reféns em poder do Hamas à falta de consenso no governo israelense sobre o destino do enclave. Mas também por lá os extremistas a serviço do Irã perderam força. Livre do Hamas, surgirá outra oportunidade diplomática para Gaza integrar o embrião de um Estado palestino.

Medidas não dão solidez estrutural ao regime fiscal

Valor Econômico

Propostas relevantes da Fazenda foram mitigadas em várias assembleias de ministros com Lula, um ambiente onde a austeridade do ministro Fernando Haddad não foi bem-vinda

O governo Lula discutiu durante quase um mês uma forma de conter o crescimento dos gastos, para no fim apresentar uma proposta que pode diminuir as receitas — a isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas com renda até R$ 5 mil. A união de uma proposta demagógica a um pacote desidratado a contragosto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou as expectativas ruins dos investidores, que fugiram de ações e do real e elevaram os juros futuros.

O conjunto de medidas não cumpre a promessa de dotar o regime fiscal de solidez estrutural, para além do atual mandato. Ajudará, no entanto, a sustentar as metas fiscais precariamente até o ano eleitoral de 2026, quando Lula tentará provavelmente a reeleição.

As propostas relevantes da Fazenda foram mitigadas em várias assembleias de ministros com Lula, onde a tônica foi não abrir mão de recursos, um ambiente onde a austeridade do ministro Fernando Haddad não foi bem-vinda. O presidente e a ala gastadora do governo vetaram a desvinculação dos pisos de saúde e educação da evolução das receitas da União, arranjo que desequilibrou o regime fiscal ao permitir velocidades diferentes de crescimento entre o limite de avanço das despesas e a arrecadação líquida.

Cálculos de analistas privados apontam que a adequação dessas despesas à regra geral (avanço real de 0,6% a 2,5%) seria capaz de proporcionar significativa parte da economia total pretendida pelo pacote, de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026. Foi rejeitada, apesar de a modificação proposta não significar corte de despesas em dois setores onde as carências são evidentes.

A equipe econômica conseguiu demover o presidente Lula de sua posição irredutível de não modificar o sistema de correção do salário mínimo, hoje de INPC mais o PIB de dois anos anteriores. Ao indexar quase metade das despesas primárias, a regra é incompatível com as do regime fiscal e tem expulsado rapidamente os gastos discricionários, ou seja, o custeio da máquina pública, do orçamento. A variação do mínimo continuará seguindo o PIB, porém referenciada ao mínimo e máximo estabelecidos. Ele não poderá crescer além dos 2,5% reais — menos que 3% contratado para 2025 e 2026 — nem menos que 0,6%, ainda que haja uma recessão. Dentro desse intervalo, porém, continuará valendo o desempenho do PIB. Se a permissão para aumento de gasto for de 1,8%, por exemplo, e a economia avançar 2%, valem os 2%.

Mesmo atenuada pela proposta, a correção do salário mínimo será o item que, isoladamente, trará maior poupança de recursos no próximo biênio: R$ 11,9 bilhões. Nas projeções do governo até 2030, soma quase metade do almejado — R$ 35 bilhões dos R$ 79,7 bilhões estimados.

Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) modificará o funcionamento de vários programas. O abono salarial será reduzido de dois para 1,5 salário mínimo em lenta transição até 2035. Mais relevante para as contas no curto prazo será a destinação de até 20% dos recursos do Fundeb para a educação integral, o principal item da contenção de gastos em uma lista que inclui a Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 30% (segundo item mais relevante), corte de 10% de R$ 18 bilhões de subsídios e subvenções e indexação pela inflação do Fundo Constitucional do Distrito Federal. Somadas, pouparão R$ 24,5 bilhões no biênio 2025-26. Em um projeto de lei, com economia de gastos de R$ 39,9 bilhões, além da alteração da indexação do salário mínimo, consta aperto na vigilância e regras de adesão ao BPC e ao Bolsa Família.

Todas essas medidas contribuem inegavelmente para melhorar a performance do regime fiscal e talvez permitir que se atinja a meta fiscal de déficit zero em 2025 e superávit de 0,25% do PIB em 2026. Se elas deixam muito a desejar diante do quadro frágil das contas públicas, perderam mais força diante do anúncio de isenção do IR de pessoas físicas com renda até R$ 5 mil. Ela trará conta adicional de R$ 35 bilhões a R$ 45 bilhões em 2026 — o projeto só será examinado em 2025 pelo Congresso — em um pacote que pretendia poupar R$ 40 bilhões naquele ano. O governo pretende cobrir a receita perdida com uma não detalhada taxação mínima do IR sobre quem ganha R$ 50 mil ou mais.

As preocupações do presidente Lula se voltaram para as eleições de 2026. A isenção do IR contempla a faixa relevante da população entre 2 e 5 salários mínimos, em que a popularidade de Lula não vai bem. A isenção acrescentará mais 15 milhões de pessoas aos 14,3 milhões que já não pagam IR. Restarão como pagantes cerca de 15 milhões de contribuintes.

A isenção foi promessa de campanha de Lula, que a exigiu agora como contrapartida a medidas impopulares. O presidente fez demagogia. A taxação de pessoas de maior renda poderia ser feita sem que o governo precisasse abrir mão das receitas importantes. O governo corre o risco de ver aprovada a isenção do IR e não o aumento da carga tributária, que seria o fim do regime fiscal. O Planalto quis garantir uma medida muito popular, com efeitos positivos sobre o consumo, em ano eleitoral.

O regime fiscal não ficou mais forte. Os investidores avaliaram que não há disposição de enfrentar o aumento dos gastos e do endividamento, e o governo, ao contrário do que se esperava, ratificou esse vaticínio.

Lula afunda pacote orçamentário com corte pífio

Folha de S. Paulo

Medidas incertas para despesas são ofuscadas por benefício de R$ 35 bi no IR; dólar e juros prejudicarão mais pobres

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu a proeza de decepcionar com o anúncio de um pacote de controle de gastos do qual já não se esperava grande coisa.

Em vez de indicar alguma disposição, mesmo que modesta e dissimulada, para o controle de despesas públicas, o conjunto de medidas escancarou que os interesses eleitoreiros do presidente da República estão acima de qualquer preocupação com a sustentabilidade da política econômica.

Não apenas os passos rumo à austeridade foram tímidos e incertos como a administração petista apresentou uma proposta para isentar do Imposto de Renda rendimentos de até R$ 5.000 mensais —que, embora tenha o mérito de favorecer a progressividade tributária, continua mal explicada e redundaria em perda de receita de R$ 35 bilhões anuais, a confiar na estimativa oficial.

De saída, há que ampliar a arrecadação federal no mesmo montante. A principal fonte de recursos apresentada pelo governo seriam ganhos com a tributação extra de rendimentos que superam R$ 50 mil mensais.

O Congresso apreciará a mudança do IR. É notório que os parlamentares são mais ágeis em conceder isenções do que em cobrar mais impostos. O governo não foi capaz ainda de explicar como ficará a nova tabela do tributo, sem o que é impossível estimar a perda de receita.

Como se não bastasse, o próprio pacote de contenção do aumento de gastos parece frágil. Promete-se para os próximos seis anos (de 2025 a 2030) uma economia de fantasiosos R$ 327 bilhões até 2030, mas o mandato de Lula se encerrará dentro de dois anos, em 2026.

Não estão claros os cálculos do efeito das propostas. Por meritórias que sejam as tentativas de combater fraudes e desvios em benefícios sociais com recadastramento e pentes-finos, além de mudanças em subsídios e em gastos com cultura, nada disso significa ajuste estrutural, e os resultados não são líquidos e certos.

De maior impacto a médio prazo é a mudança no reajuste do salário mínimo, que ao menos mitiga a expansão forte e contínua das despesas previdenciárias. Qualquer esforço de atenuar a crise fiscal é obviamente válido. Mas, em termos duradouros, pouco mais foi divulgado.

Lula criou para si um problema mesmo antes de tomar posse, em 2022, ao negociar um aumento de gastos para o qual não havia previsão de receita. Em seguida, aprovou-se uma regra fiscal com uma falha congênita: a elevação das despesas obrigatórias acima do ritmo da despesa total tornaria inviável o plano de equilíbrio orçamentário.

O objetivo do pacote deveria ser ao menos atenuar preocupações de desarranjo fiscal maior até 2026. O governo, porém, criou nova rodada de dúvidas e descrédito, que se materializa na disparada do dólar e dos juros, que prejudicará sobretudo a maioria pobre e remediada. Nem como estratégia eleitoreira faz sentido.

PEC retrógrada coloca em risco o direito ao aborto legal

Folha de S. Paulo

Proposta pode vir a proibir procedimento, igualando a lei do Brasil à de teocracias; Congresso precisa seguir evidências

Na quarta-feira (27), a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados deu aval a uma proposta sombria de emenda à Constituição que, se aprovada, poderia tirar de gestantes brasileiras o direito ao aborto até em casos de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal.

O objetivo é alterar o artigo 5º da Carta, de "garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida" para "direito à vida desde a concepção".

Tal acréscimo é temerário pois, embora não mude o Código Penal, serviria para questionar a constitucionalidade do aborto, gerando insegurança jurídica.

Os deputados se arvoram, com mero subterfúgio retórico, a estabelecer o início da vida humana quando não há consenso robusto entre especialistas sobre o tema. Nos países que legalizaram a interrupção da gravidez, os limites variam entre 12 e 20 semanas.

No mundo, cerca de 60% das mulheres em idade reprodutiva moram em locais onde podem realizar o procedimento sem medo de punição pelo Estado. Só 16 nações, a maioria pobres ou sob regimes autoritários, o criminalizam em qualquer caso, como EgitoIraqueNicarágua e Haiti.

OMS estima que entre 4,7% e 13,2% das mortes de grávidas no mundo são causadas por abortos inseguros —que aumentam com a ilegalidade ou difícil acesso. Países de baixa renda concentram 97% dessas práticas, e 3 de 4 interrupções são inseguras na América Latina. Mulheres e meninas pobres são as mais atingidas.

A proposta não é a única investida contra o aborto legal. Em junho, a Câmara aprovou requerimento de urgência para um projeto de lei tresloucado que equipara a pena para aborto após a 22ª semana com a de homicídio, mesmo nas situações permitidas pelo Código Penal, que não estipula limite de tempo da gestação.

Cerca de um terço dos procedimentos ocorre após esse período no Brasil, notadamente em caso de menores de idade e mulheres que vivem longe dos grandes centros e têm acesso precário à rede pública de saúde. Os 290 estabelecimentos que realizavam aborto legal no país em 2021 estavam em somente 3,6% dos municípios.

Segundo pesquisa do Datafolha deste ano, 58% dos brasileiros são contra proibir o aborto em qualquer situação: 34% apoiam a legislação atual, 17% defendem a ampliação de casos permitidos e 7% apoiam a legalização ampla.

O avanço do Legislativo contra esse direito reprodutivo tem base religiosa. Num Estado laico, não é a fé que deve pautar políticas públicas, mas evidências.

Pastel de vento

O Estado de S. Paulo

Não era crível esperar que Lula avalizasse um corte expressivo a menos de dois anos das eleições, mas o governo se superou ao anunciar, junto, isenção maior de IR. Não à toa, dólar foi a R$ 6

Aguardado com ansiedade por um mês, o pacote fiscal anunciado pelo ministro Fernando Haddad decepcionou. Até aí, nada de novo. Não era crível esperar que Lula da Silva daria aval a um corte de gastos expressivo para reequilibrar as contas públicas depois do desempenho pífio de seu partido nas eleições municipais e a menos de dois anos da disputa presidencial.

Desta vez, no entanto, o governo realmente se superou. Quando as primeiras notícias sobre as medidas do plano começaram a circular, parecia até piada ventilada pela oposição, mas o pronunciamento do ministro Haddad em cadeia nacional de rádio e TV na noite de quarta-feira confirmou a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais.

Qualquer medida que o ministro anunciasse depois disso não teria a menor relevância. Afinal, um pacote de economia de despesas cuja principal medida reduz a arrecadação do governo em R$ 35 bilhões não poderia ser levado a sério. E foi exatamente o que aconteceu. Antes mesmo do pronunciamento, o dólar, até então cotado a R$ 5,83, rompeu a barreira dos R$ 5,90 e encerrou o dia a R$ 5,91.

No início da tarde do dia seguinte, logo após o anúncio das outras medidas, a moeda norte-americana alcançou a marca de R$ 6,00, o maior valor nominal desde o início do Plano Real, mas fechou em R$ 5,9895. Os juros futuros, por sua vez, chegaram a 14% para alguns vencimentos de 2026 e 2027, enquanto o Ibovespa fechou em forte queda de 2,40%, aos 124.610,41 pontos.

Se a ideia era implodir o pacote, o governo conseguiu o que desejava. Porta-voz extraoficial de Lula da Silva, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), demonstrou sua incompreensão ao cobrar, por meio de suas redes sociais, que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, interviesse no câmbio para conter a “especulação desenfreada”.

A questão é que não se tratava de especulação, mas uma reação à quebra das expectativas alimentadas pela própria equipe econômica de Lula da Silva entre o primeiro e o segundo turnos das eleições municipais. Quem acreditou no discurso dos ministros Haddad e Simone Tebet de que havia chegado a hora de enfrentar os gastos públicos com seriedade teve de desmontar suas posições para não perder mais dinheiro no futuro.

A bem da verdade, o governo deu sinais de que o pacote seria esvaziado. O período de 30 dias entre o fim das disputas municipais e o anúncio oficial do plano deixou claro que o governo não tratava o tema com a urgência demandada e serviu para os ministérios blindarem suas pastas, desidratando as medidas que poderiam atingi-los até que restassem apenas as consensuais.

Causou incômodo que Haddad não tenha usado a palavra “corte” uma única vez em seu pronunciamento de pouco mais de sete minutos, mas o fato é que ele, a rigor, não mentiu. Num esforço para tornar o Brasil “mais justo e eficiente”, o governo atrelou o reajuste do salário mínimo ao arcabouço fiscal, o que permitirá que o piso continue a aumentar acima da inflação.

Com ajustes tímidos, o abono salarial foi mantido, e novamente se prometeu mais foco e fiscalização na concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Bolsa Família. Haverá nova tentativa de limitar os supersalários no setor público e reduzir os penduricalhos. A Desvinculação das Receitas da União (DRU) será, mais uma vez, prorrogada. Subsídios tributários de cerca de R$ 18 bilhões serão reduzidos em 10% até 2030, mas o governo não detalhou quais serão atingidos.

São, em suma, as medidas de sempre, anunciadas na expectativa de que produzam resultados diferentes desta vez. Parte delas é o mínimo que se espera de qualquer governo minimamente comprometido com as contas públicas, como a inclusão no Orçamento dos programas Pé-de-Meia e o Gás para Todos.

Taxar em até 10% quem ganha mais de R$ 50 mil pode até mobilizar apoiadores, mas certamente não salvará a arrecadação. Já a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais injetará novos recursos na economia, dando impulso a uma inflação que se aproxima perigosamente dos 5% no acumulado de 12 meses, algo que o Banco Central não poderá ignorar.

Trump não é o único problema

O Estado de S. Paulo

Convém se preparar para que Trump trabalhe incansavelmente contra a transição energética. Mas não dá para debitar apenas em sua conta o apetite global pelos combustíveis fósseis

A transição energética, que tem preocupado parte do mundo consciente dos efeitos das mudanças climáticas, parece assombrada por outra transição – a troca de comando na Casa Branca. As escolhas do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, sugerem que ele se prepara para cumprir algumas de suas promessas mais extremas na reformulação da política ambiental, como retirar o país do Acordo de Paris sobre o clima, revogar regulamentações, mudar a Agência de Proteção Ambiental e expandir a produção de petróleo e gás. Seus sinais provocaram reações extremas: de um lado, há quem preveja que o retorno de Trump à Casa Branca resultará numa versão do apocalipse sobre a Terra; outros têm se esforçado para dizer que mesmo mudanças abruptas na política ambiental dos EUA não significarão desvio de rota no caminho americano rumo à transição dos combustíveis fósseis para energia limpa.

Enquanto ambientalistas difundem prognósticos catastrofistas, autoridades dos EUA tentam informar ao mundo que não há razão para pânico. Durante a COP-29, o senador Edward Markey, do Partido Democrata, afirmou que, “assim como as mudanças climáticas não serão resolvidas por um único presidente, as ações climáticas não serão interrompidas por um único presidente”. A secretária de Energia do governo de Joe Biden, Jennifer Granholm, lembrou que o Acordo de Paris já sobreviveu antes a uma retirada dos EUA. Na reunião do G-20, o secretário-geral da ONU, António Guterres, também minimizou as consequências, dizendo-se “bem confiante” de que o dinamismo da economia e da sociedade americana vai “se mover na direção das ações climáticas”.

Não parece improvável que tais visões estejam imbuídas de doses consideráveis de wishful thinking, quando análise e desejo se confundem e contaminam as devidas conclusões. O reconhecido negacionismo de Trump torna remota a hipótese de que as políticas climáticas globais serão pouco afetadas pelas novas diretrizes da Casa Branca. Mas a realidade também desautoriza as análises mais sombrias, como se o mundo estivesse à beira do precipício climático por força exclusiva do novo presidente. Por um lado, o modelo federativo dos EUA dá liberdade aos Estados de adotar políticas próprias – e hoje, diferentemente do primeiro mandato de Trump, muitos deles ampliaram seu apoio às ações climáticas. Por outro, é preciso considerar um fator muito mais forte do que qualquer delírio trumpista, resistência democrata ou desejo da ONU: a força do dinheiro.

E o dinheiro hoje continua direcionado para os combustíveis fósseis, razão pela qual mesmo um ardoroso defensor da transição energética encontraria dificuldade para promover mudanças significativas no comando da economia dos EUA. O petróleo ainda responde por mais da metade da energia produzida no mundo e é a fonte mais barata. Dados internacionais estimam que o óleo e o gás ainda representarão em 2050 cerca de 1/3 da matriz energética global. Mesmo no cenário mais agressivo – e improvável – de descarbonização, os combustíveis fósseis ainda serão significativos. São letais no longo prazo e vitais no curto prazo.

Recente reportagem do New York Times mostrou o desempenho de empresas de petróleo e gás, comparando as que há quatro anos assumiram compromissos para reduzir emissões e transitar para energias renováveis com as que preferiram manter seus modelos tradicionais. Enquanto empresas do primeiro grupo, como BP e Shell, amargam quedas de até 19% no preço de suas ações, outras como a Exxon foram recompensadas pelo mercado financeiro, com alta de até 15%. Esse descompasso é fruto dos resultados: o retorno mediano sobre o capital entre algumas das maiores empresas privadas de petróleo do mundo, uma medida-chave da lucratividade, superou 11% no ano passado, segundo uma análise da S&P Global Commodity Insights, enquanto o retorno para as principais empresas de energia renovável permaneceu em torno de 2%.

Em outras palavras, convém se preparar para que Trump trabalhe incansavelmente contra a transição energética e em favor da negação das mudanças climáticas. Mas não dá para debitar exclusivamente em sua conta o apetite global pelos combustíveis fósseis.

A hora do acordo Mercosul-EU

O Estado de S. Paulo

Caso do Carrefour mostra que o acordo talvez esteja mais próximo do que se imaginava

A lambança empresarial protagonizada pelo CEO global do Carrefour há alguns dias deve ser lida no contexto da possível evolução nas negociações para a celebração do acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul – que se arrastam há duas décadas. Ao anunciar que a rede de supermercados deixaria de comprar carne brasileira e dos demais países do Mercosul em razão de preocupações sanitárias, Alexandre Bompard deu voz e visibilidade ao mais rasteiro protecionismo do setor agropecuário francês, preocupadíssimo com a competição de produtos sul-americanos.

As motivações e estratégias de Monsieur Bompard não têm a menor importância, a não ser para os acionistas do grupo que ele dirige. O caso, no entanto, expõe inegavelmente o nervosismo dos produtores franceses ante a hipótese cada vez mais real de terem de enfrentar gigantes do agronegócio do Mercosul sem o dique das generosas restrições comerciais. Não à toa, Monsieur Bompard, em sua manifestação deselegante, queixou-se da “inundação” do mercado francês de carne “que não atende às exigências e normas” da França – uma rematada mentira.

A escalada retórica também teve um novo capítulo no Parlamento francês, que em votação simbólica rechaçou o tratado entre os blocos. Na sessão, um parlamentar afirmou que os franceses não querem “lixo” em seus pratos. Sem tanta virulência, mas com o mesmo espírito, o presidente francês, Emmanuel Macron, premido pelo avanço do nacionalismo de extrema direita, insiste em desmoralizar o acordo.

Por se tratar de um acordo de ampla magnitude, é natural que nem todos se sintam contemplados. Mas a escolha que a UE tem diante de si é se aproveitará a oportunidade para destravar mercados para seus produtos manufaturados, o que é fundamental ante a guerra comercial entre Estados Unidos e China, ou se cederá a um punhado de barulhentos agricultores franceses, empurrando o Mercosul cada vez mais na direção da China.

Enquanto o Carrefour tentava contornar a crise – sem muita vontade, diga-se –, o governo brasileiro aproveitava para externar otimismo quanto à possibilidade de que o acordo com a União Europeia seja afinal destravado, o que pode ocorrer na próxima reunião de cúpula do Mercosul, no início de dezembro.

Mas não são poucos os obstáculos. Ainda no governo de Jair Bolsonaro, a UE impôs uma série de exigências de caráter ambiental para celebrar o acordo, usando como pretexto o avanço do desmatamento no Brasil naquela época. Do lado brasileiro, o presidente Lula da Silva quer manter a exclusividade de empresas nacionais nas licitações de compras governamentais – que, pelo acordo, passariam a ser disputadas também por empresas da Europa. Nenhuma surpresa: o cacoete nacionalista de Lula sempre fala mais alto, a despeito da perspectiva de barateamento das compras governamentais.

Seja como for, Lula esbanja otimismo. Sendo tão deselegante quanto Monsieur Bompard, o presidente declarou que os franceses “não apitam mais nada” em relação ao acordo comercial e que espera assiná-lo logo. Farpas à parte, seria uma excelente notícia.

Pele é órgão negligenciado

Correio Braziliense

O câncer de pele não melanoma é o mais frequente no Brasil, correspondendo a mais de 30% do total de casos registrados no país

Quando pensamos em câncer, geralmente atrelamos a condição a imagens pesadas, de pacientes mais comprometidos. Muitas pessoas se constrangem até em dizer o nome da doença. Com o próximo mês batendo à porta, o Dezembro Laranja trata de um câncer relativamente comum e, talvez, por isso mesmo, negligenciado pela maioria da sociedade.

O câncer de pele não melanoma é o mais frequente no Brasil, correspondendo a mais de 30% do total de casos dos tumores registrados no país, e pode ocorrer em qualquer tipo de pele e idade. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), cerca de 185 mil novos casos são diagnosticados no país todos os anos. E os raios solares são os grandes responsáveis pelos efeitos danosos à pele. 

Mesmo que produza vitamina D — que, normalmente, se apresenta em níveis abaixo do indicado —, a luz solar pode ser maléfica caso a exposição seja diária, em horários adequados (antes das 10h e após as 16h) e haja lesões na pele, como as da psoríase. Vale lembrar também que as queimaduras solares são associadas ao dobro do risco de desenvolver melanoma — outro tipo de câncer de pele, mais raro e grave. Não à toa, os especialistas costumam comparar as queimaduras solares aos prejuízos causados pelo tabagismo, por serem cumulativos. 

Por isso, um dos maiores equívocos é não levar a sério o cuidado com a pele na mesma proporção que se faz com outras partes do corpo, como o coração ou os rins, mesmo ela sendo o maior órgão do corpo humano, correspondendo a 16% do peso corporal.

 Aliado a isso, com o passar dos anos, é cada vez maior a quantidade de raios ultravioleta que chegam à superfície da Terra — fenômeno decorrente do esgotamento da camada protetora de ozônio. É essa camada que bloqueia grande parte desses raios. Sem ela, espera-se uma maior incidência de câncer de pele.

Somos um país tropical, litorâneo, em que o Sol incide diretamente. Se antes a qualidade dos protetores solares não era das melhores, com pouca oferta de tipos e marcas, hoje temos à mão produtos específicos para cada tipo de pele, com índices de proteção adequados e que garantem até mesmo proteção contra níveis de raios UV nos horários de pico — entre 10h e 16h. Para quem exagerou, há ainda produtos com efeitos antioxidantes e calmantes que reduzem os efeitos negativos do Sol.

No entanto, ainda é ínfima a quantidade de pessoas que se preocupam com a própria pele ou até mesmo em fazer uma espécie de checape dermatológico, antes de marcar uma viagem de férias para a praia ou passar o fim de semana na piscina de um clube. Na maioria das vezes, o dermatologista só é acionado quando há alguma lesão, alergia ou incômodo. Mudar esse e outros descuidos com a pele é medida que evitaria milhares de casos de câncer e até mesmo mortes provocadas pela doença grave.


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