STF deve invalidar artigo 19 do Marco Civil da Internet
O Globo
Trecho que exime plataformas de
responsabilidade por conteúdo viola direitos constitucionais
Está marcado para quarta-feira o início do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da constitucionalidade da regra que estabelece quando as plataformas digitais devem ter responsabilidade por conteúdos publicados por seus usuários. O artigo 19 do Marco Civil da Internet prevê que elas são passíveis de punição somente se receberem decisão judicial determinando a remoção e se negarem a obedecer. Passados dez anos da criação da lei, tal critério se revelou inadequado. As evidências estão por todos os lados: dos danos causados pela disseminação de racismo e discurso de ódio aos atentados contra a saúde pública, a privacidade ou a democracia. O salvo-conduto proporcionado pelo artigo 19 é inconstitucional por um motivo simples: fere o direito fundamental dos brasileiros, incapazes de buscar ou de obter reparação na Justiça, pois o estrago já está feito quando sai a decisão.
Não há caminho do meio: o STF deve considerar
inconstitucional o artigo 19. No lugar dele, deve ser estabelecido um sistema
de retirada do ar mediante notificação das partes afetadas (“notice and take
down”). Era o que estipulava a versão original do Marco Civil, infelizmente
modificada. Qualquer um deveria poder notificar conteúdo ilícito diretamente às
plataformas digitais. A partir desse momento, caso comprovassem a denúncia e
nada fizessem, elas deveriam ser responsáveis juridicamente pela omissão criminosa.
O argumento dos defensores do artigo 19 é que
as plataformas, temendo o custo de processos na Justiça, passarão a remover
conteúdo preventivamente, cerceando a liberdade de expressão. Tal suposição
carece de lógica. A existência de um espaço de livre expressão não pode ser
confundida com a existência de um espaço sem lei. “As plataformas digitais se
tornaram o escoadouro de terríveis características humanas: desinformam,
disseminam ódio e promovem divisão social. É como se a lei tivesse permitido
que, em ambientes específicos, diversas atividades ilícitas pudessem ser
praticadas livremente e sem qualquer consequência legal”, escreveu em
artigo recente no GLOBO o jurista Gustavo Binenbojm. Do jeito
como está, o artigo 19 atribui o ônus de responsabilização à vítima. É o alvo
de racismo, homofobia ou outras violações que tem de perder tempo e dinheiro em
busca de ajuda legal sabidamente lenta, enquanto as plataformas, coniventes com
o crime cometido, continuam faturando com audiência e engajamento.
Se o Brasil adotar um sistema de retirada do
ar mediante notificação, as plataformas certamente terão plena capacidade de se
adaptar. Recentemente, a União Europeia (UE) adotou regra semelhante, e não há
queixas relevantes sobre cerceamento da liberdade de expressão. A maior parte
delas tem se mostrado eficiente na retirada de conteúdo protegido por direito
autoral ou pornográfico sem consentimento — ou de qualquer outro que viole seus
termos de uso. Não se trata, portanto, de dificuldade técnica.
Deixar tudo como está não é opção. O Brasil é
exemplo das consequências negativas da falta de um sistema adequado de
atribuição de responsabilidades. A assimetria da responsabilidade que cabe a
cidadãos ou organizações nos mundos on-line e off-line precisa ser corrigida.
Na ausência de iniciativa do Congresso, onde o Projeto de Lei das Redes Sociais
continua parado, um primeiro passo é o Supremo invalidar o artigo 19 do Marco
Civil.
Ucrânia será o primeiro teste internacional
para governo Trump
O Globo
Ao se comprometer a acabar com a guerra
rápido, o presidente eleito criou uma armadilha para si mesmo
Na campanha eleitoral, Donald Trump prometeu
acabar “em 24 horas” com a guerra na
Ucrânia. O conflito será o primeiro teste para sua política externa
depois da volta à Casa Branca em janeiro. É conhecida a admiração que ele tem
pelo autocrata Vladimir
Putin, que desencadeou a guerra com a invasão do território
ucraniano. Trump se recusou a afirmar desejar que a Ucrânia vencesse, e algumas
indicações suas para postos no governo têm sido aplaudidas por Putin. Do
palanque, seu vice, J.D. Vance, chegou a dizer que não tinha nenhuma
preocupação com o que poderia acontecer com a Ucrânia. Mas não está claro como
— nem se — esses discursos de campanha se converterão em decisões de governo.
Parece evidente que a estratégia americana
adotada até agora em relação ao conflito não tem funcionado. Apesar de todo o
apoio declarado, o presidente Joe Biden tem sido comedido na ajuda militar aos
ucranianos, até agora insuficiente para recuperar o território invadido. Apenas
depois da vitória de Trump, ele os autorizou a usar mísseis de longo alcance
contra a Rússia. Em resposta, Putin passou a atacar o território ucraniano com
mísseis balísticos. Dias antes, afrouxara a regra de uso de armas nucleares, de
modo a autorizar ataques contra adversários apoiados por potências nucleares,
caso da Ucrânia. Às vésperas da posse de Trump, a tensão na região tem
crescido, como se todos tentassem consolidar vantagens no terreno.
O presidente ucraniano, Volodymyr
Zelensky, conviveu com Trump no primeiro mandato e, apesar das
demonstrações de simpatia a Putin, os Estados Unidos enviaram na ocasião armas
a Kiev, depois vitais para conter o avanço russo. Zelensky vem há tempos se
aproximando dos republicanos, cujo apoio no Congresso é essencial para liberar
recursos para a guerra. Depois da convenção que sacramentou sua candidatura,
Trump manteve uma conversa amistosa com Zelensky. “Foi um telefonema muito
bom”, disse.
Em qualquer cenário, as perspectivas não são
animadoras para a Ucrânia. A duração da guerra e as dezenas de bilhões de
dólares já gastos pelos Estados Unidos no apoio aos ucranianos sensibilizam o
eleitor republicano. Quando estava no governo, Trump se recusou intervir no
ataque russo a um navio ucraniano no Mar Negro, mais tarde cancelou manobras
navais conjuntas das marinhas dos Estados Unidos e da Ucrânia. É provável que
seu isolacionismo favoreça algum tipo de negociação em favor de concessões
ucranianas e da posição russa.
Ao se comprometer a acabar com a guerra tão
rápido, porém, Trump criou uma armadilha para si mesmo. Não faz sentido, dada a
posição anti-russa da maioria do Congresso, um presidente americano ser agente
de um acordo de paz que signifique apenas a capitulação da Ucrânia às condições
de Moscou. E há até dúvidas se Putin aceitará essa mediação. Trump precisa
encontrar a melhor solução possível para o desafio que ele próprio se impôs. E
não pode demorar.
COP29 legará a Belém problema do
subfinanciamento climático
Valor Econômico
Por sua governança, as COPs só têm produzido
resultados muito aquém do que seria necessário pela gravidade da situação
climática e, ademais, com atraso exasperante
Financiamento ao combate e à adaptação às
mudanças climáticas tem sido um dos temas mais divisivos das Conferências do
Clima das Nações Unidas. Tornou-se praticamente tema único da COP29, em Baku,
com resultados previsíveis. Houve um enorme cisma entre países desenvolvidos e
em desenvolvimento, que consumiu 33 horas além dos 14 dias de duração oficial,
até se encontrar uma solução tirada da cartola que desagradou a todos. Os
países ricos se comprometeram a “tomar a dianteira” para mobilizar US$ 300 bilhões
anuais até 2035, para os países em desenvolvimento encontrarem formas de
diminuir e conviver com os efeitos do aquecimento global. Foi a primeira COP a
rever o compromisso dos países ricos de colocarem na mesa US$ 100 bilhões por
ano para essas finalidades - eles só cumpriram a meta 13 anos depois, em 2022,
segundo a OCDE.
A COP29 começou com os melhores auspícios,
pois em um par de dias foi sacramentada a criação de mercado de carbono, sob
supervisão da ONU, um dos meios de se obter parte dos enormes recursos
necessários para evitar que a temperatura da Terra ultrapasse 1,5º C em relação
à da era industrial. Economistas da Comissão de Alto Nível do Grupo de
Especialistas em Mudanças Climáticas estimaram em US$ 1,3 trilhão ao ano até
2035 o financiamento suficiente para os países em desenvolvimento. Há também
previsões de que enfrentar a catástrofe climática em todos os níveis exigiria
US$ 6,7 trilhões ao ano até 2030.
Todos esses números foram assumidos por
grupos de países distintos na COP de Baku, mas, para descontentamento geral,
nenhum deles foi aprovado. O Brasil foi um dos mediadores para encontrar uma
solução de compromisso. Ao final, em uma votação de poucos segundos, foi
decidida quase que por exclusão a cifra de US$ 300 bilhões. Mesmo assim, a
questão foi decidida pela metade. O financiamento oferecido pelos países ricos
tem hoje fatia significativa de empréstimos, com juros, uma fonte inviável para
muitos países pobres já severamente endividados ao redor do mundo.
As demandas mais altas por recursos não foram
assumidas pelos países desenvolvidos e provavelmente não serão. Os 24 países
que se comprometeram com o financiamento climáticos na Convenção Quadro de 1992
têm hoje um PIB de cerca de US$ 57 trilhões. O US$ 1,3 trilhão sugerido
corresponde a 2,2% do total das riquezas produzidas por eles, e os US$ 6,7
trilhões, a 11% do PIB dos ricos, cujos déficits fiscais e endividamento estão
crescendo.
O resultado é que foi jogado o problema
crônico do subfinanciamento para a reunião seguinte, a se realizar em Belém em
novembro de 2025 (COP30). Criou-se um “mapa do caminho” Baku-Belém, no qual
Azerbaijão e Brasil procurarão propor meios e formas para que se chegue ao US$
1,3 trilhão almejado. A discussão vai vazar para uma COP que tem outros
problemas difíceis pela frente. O Brasil e o mundo esperam que até Belém os
países aumentem muito suas ambições de redução das emissões de CO2. Até
fevereiro, espera-se que os países participantes façam uma revisão de suas
metas e as tornem compatíveis com o objetivo do Acordo de Paris, de impedir um
aquecimento superior a 1,5º C.
Nessa missão, as COPs têm falhado em grande
estilo. Segundo o mais recente relatório da ONU, as emissões teriam de cair 42%
até 2030, mas continuam aumentando. Até 2035, será preciso um corte de 57% em
relação ao nível de 2019 para que ainda seja possível atingir a meta. Mas mesmo
para evitar que a temperatura suba 2º C será preciso agora cortes nada triviais
de 37% até lá.
Os países ricos pedem que alguns emergentes
entrem na roda como financiadores. O argumento correto de que os países
industrializados são os maiores responsáveis pelo maior volume de CO2 lançado
na atmosfera e de que por isso lhes cabe o maior encargo financeiro de limpar o
planeta agora passou a valer também para a China. No inventário das emissões
históricas, de 1850 a 2022, a China já se igualou às 300 gigatoneladas dos 27
membros da União Europeia.
Além disso, as emissões estão crescendo
apenas nos emergentes e caindo nos países desenvolvidos. Segundo a ONU, a China
aumentou em 5,2% suas emissões em 2023 - o total somado lançado por Estados
Unidos, União Europeia, Rússia e Brasil. No ano passado, os países que mais
poluíram a atmosfera foram China, Índia (+ 6,1%) e Rússia (+ 2%). As emissões
dos EUA caíram 1,4% e as da UE, 7,5%.
Ainda que sejam o único fórum global de
discussão e tomada de decisões (por consenso) existente, as COPs, pela sua
governança, só têm produzido resultados muito aquém do que seria necessário
pela gravidade da situação climática e, ademais, com atraso exasperante. Os
países do G20 emitem 77% do total, e a eles caberia a iniciativa principal em
decidir como fazer para deter o aquecimento global e mobilizar recursos.
Decisões focadas pelos atores mais relevantes poderiam ser mais eficazes do que
195 países se reunirem e aguardarem um consenso que se arrasta pelo mínimo
divisor comum, insuficiente diante da catástrofe climática a caminho.
A exemplar eleição tediosa no Uruguai
Folha de S. Paulo
Vencida pela esquerda, disputa se deu com
convívio democrático e sensatez de propostas, destoando do populismo na região
"Façam com que a política seja tediosa
novamente". Esse mote, criado como resposta à onda populista global do
último decênio, foi seguido pelos uruguaios nas eleições encerradas no domingo
(24). Felizmente.
Com 51,22% dos votos válidos, o vencedor
foi Yamandú Orsi, candidato
da coalizão de esquerda e centro-esquerda Frente Ampla, que voltará
ao poder após cinco anos do governo de centro-direita de Luis Lacalle Pou —a
legislação não permite reeleição. Tal alteração do espectro ideológico na
gestão, contudo, não representa mudança brusca de rota.
Tanto Orsi quanto seu oponente, o governista
Álvaro Delgado (Partido Nacional), que obteve 47,13% dos votos, apresentaram
programas ausentes de radicalismos em setores cruciais, como a política
econômica, e sem apelos sensacionalistas a temas polêmicos na seara do
comportamento.
Um confronto talvez enfadonho, mas virtuoso
na América
Latina plena de populismos.
No México, Claudia
Sheinbaum venceu numa campanha cheia de violência, que incluiu
assassinatos de candidatos, e após medidas extremas contra os sistemas
eleitoral e jurídico instituídas por seu padrinho, o presidente Andrés Manuel
López Obrador.
Em El Salvador, Nayib Bukele foi reeleito
apesar de a Constituição vetar esse procedimento. Ademais, infringe
liberdades civis e, desde 2022, governa sob estado de exceção. Nicolás Maduro,
na Venezuela, mantém sua ditadura brutal
após eleições descaradamente fraudadas.
O ultraliberal argentino Javier Milei incita
a intolerância a adversários e se alinha a outro populista disruptivo, o
americano Donald Trump,
reeleito para comandar a maior potência econômica e militar do planeta.
No Brasil a polarização se acirrou com a
ascensão do bolsonarismo, que levou a
tramas golpistas ora sob apuração, enquanto a esquerda liderada
pelo PT,
embora fiel à democracia, não abandona teses econômicas obsoletas nem
autocratas do mesmo credo.
O Uruguai destoa
desse cenário de excessos. Exemplo disso foi a recusa, por cerca de 60% dos
votantes, de uma reforma que propunha diminuir a idade mínima da aposentadoria
para 60 anos.
A consulta foi feita por plebiscito no
primeiro turno do pleito, e até na Frente Ampla só alas radicais minoritárias
defendiam a ideia, oriunda de uma central sindical, capaz de causar um rombo no
sistema previdenciário.
A moderação faz parte da história recente do
Uruguai —um país com cerca de 3,5 milhões de habitantes que tem o maior PIB per
capita da América do
Sul e o segundo melhor Índice de Desenvolvimento Humano da
região, atrás apenas do Chile.
Obviamente o vizinho não está livre de
mazelas, que vão do avanço da violência ligada ao narcotráfico a uma longa
crise demográfica com envelhecimento e queda da população. Mas sua experiência
de civilidade e bom convívio democrático deveria servir de exemplo para a
região.
Política fiscal perdeu o benefício da dúvida
Folha de S. Paulo
Governo Lula mina credibilidade com vícios
como subestimar gasto previdenciário, cuja projeção subiu R$ 31 bi no ano
No que diz respeito à saúde das contas
públicas, as atenções da sociedade estão compreensivelmente concentradas no
prometido pacote de medidas destinadas a conter a expansão dos gastos do
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Não pode passar em branco, porém, a permanência alarmante de vícios da
administração petista no trato do Orçamento.
Um caso vexatório se dá na subestimação
escancarada das despesas do Tesouro nas projeções oficiais —que contribui para
a corrosão da credibilidade da política econômica. Nos últimos dias, vieram à
tona novos e vultosos números sobre o tema.
Com a divulgação protocolar do quinto
relatório bimestral de reavaliação orçamentária, os ministérios da área
econômica fizeram saber que os desembolsos do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS)
foram mais uma vez reestimados para cima, desta vez em R$ 8,2 bilhões ante o
cálculo de apenas dois meses antes.
Desde o início do ano, essa rubrica —a maior
do governo federal— já foi
reajustada em desmesurados R$ 31 bilhões, chegando agora a R$ 939,6
bilhões.
É pouco plausível que uma diferença dessa
magnitude decorra de mero erro de cálculo, ainda mais porque analistas diversos
apontavam há meses que os valores da lei orçamentária pareciam irrealistas.
Como tampouco houve alguma corrida inesperada por aposentadorias e outros
benefícios, o mais provável é que o governo tenha se amparado em otimismo
excessivo.
Não terá sido a primeira vez —e já sobram
dúvidas quanto ao Orçamento do próximo ano.
Espanta, de todo modo, que a gestão petista
não tenha aprendido que tal prática gera, quando muito, vantagens efêmeras como
adiar ajustes de gastos. Cedo ou tarde, a realidade se impõe.
A meta para o saldo do Tesouro neste ano
poderá ser cumprida, graças à margem de tolerância e às brechas previstas em
lei, mais a ajuda de um crescimento da economia e
da arrecadação acima do esperado. Entretanto há e haverá um preço elevado a
pagar pelo descrédito das promessas e das projeções de Brasília.
Cotações do dólar, inflação e juros estão
em alta devido à percepção
de que as atuais regras fiscais são insustentáveis, e em prazos nem
tão longos. O governo Lula precisa apresentar providências imediatas e indicar
que elas serão suficientes para estancar a escalada da dívida pública.
Fazê-lo quando não há confiança em números e
compromissos é muito difícil. Por mais de um motivo, a política fiscal perdeu o
benefício da dúvida.
O resultado possível da conferência do clima
O Estado de S. Paulo
COP-29 gerou frustração no financiamento para
os países mais pobres enfrentarem as mudanças climáticas e impôs desafios
extras à COP-30, no Brasil. Mas isso não significa desesperança
A Conferência das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas (COP-29) deste ano, realizada em Baku, no Azerbaijão,
definiu uma nova meta de financiamento climático: US$ 300 bilhões anuais, até
2035, será o valor pago pelas nações ricas para os países em desenvolvimento
enfrentarem as mudanças climáticas. A cifra não é muito maior do que a meta
anterior (de US$ 100 bilhões) e está muito aquém do necessário, segundo
projeções internacionais. O pessimismo já era evidente, mas o desfecho foi
considerado frustrante e inspirou análises sombrias sobre a falta de vontade
política, a ausência de uma liderança central que promovesse uma concertação
eficaz e a indefinição de como virão os recursos e como serão aplicados.
Apesar disso, convém cautela para que o mundo
não embarque nem no catastrofismo nem no desespero, não só porque um impasse
favoreceria a inércia dos negacionistas, mas também porque há avanços em curso
que precisam ser registrados. É o caso dos movimentos regulatórios do mercado
de carbono, do estímulo crescente à descarbonização, dos novos mecanismos
pensados para reduzir o risco climático em países em desenvolvimento e até
mesmo as mudanças na arquitetura financeira global, de modo a fazê-la suportar a
pressão que a emergência climática trará nas próximas décadas.
Previsivelmente, ambientalistas consideraram
a COP-29 um fracasso, uma “sentença de morte para inúmeras pessoas”, segundo
palavras da ativista Greta Thumberg. Um impotente secretário-geral da ONU,
António Guterres, disse que esperava um resultado “mais ambicioso”, enquanto
alguns dos principais arquitetos do multilateralismo climático – como Ban
Ki-moon, ex-secretário-geral da ONU, e Christiana Figueres, ex-secretária
executiva da organização guarda-chuva da COP, a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima – chegaram a criticar o processo, pedindo uma
reforma para uma governança que seja “mais adequada ao propósito”.
As críticas acabaram amplificadas pela
simbologia de 2024, que deve ser o ano mais quente já registrado. Mas não dá
para avaliar a COP-29 desconsiderando o seu contexto. As negociações em Baku
começaram afetadas pela eleição de Donald Trump nos EUA. Ele, afinal, promete
iniciar seu mandato tirando o país do Acordo de Paris e até da Convenção do
Clima. Com isso, o peso das finanças recaiu sobre a União Europeia, que não
quer arcar sozinha com o financiamento climático do mundo em desenvolvimento,
sobretudo diante das crises que o bloco enfrenta, como a ascensão de forças de
direita explicitamente hostis à pauta climática, a instabilidade política e
econômica na Alemanha e uma França em crise orçamentária.
E há a China, cuja responsabilidade pelas
mudanças climáticas tornou-se incontroversa. O modelo, desenhado em 1992, é
hoje um contrassenso. O financiamento caberia aos países ricos e
industrializados, enquanto países como China, Índia e Arábia Saudita ainda são
classificados como “em desenvolvimento” pela Convenção-Quadro das Nações
Unidas, todos protegidos sob o manto do tal “Sul Global”. Hoje, no entanto,
essa distinção não faz mais sentido. Primeiro pela potência que a China é.
Segundo porque os chineses geram hoje praticamente o dobro de emissões dos EUA
e é responsável por 90% do crescimento das emissões de carbono desde 2015.
Ainda que a China tenha fornecido dinheiro para outros países em
desenvolvimento e seja um líder global em investimento e expansão de energia
limpa, faltam-lhe compromisso e transparência.
Esse é um dos vespeiros com os quais o Brasil
e os outros países precisarão lidar até a COP-30, que ocorrerá em Belém (PA),
em 2025. A palidez da COP-29 exigirá mais da COP-30, com a presidência
brasileira, não só para ajudar a restaurar as negociações climáticas, como
também para retomar a confiança no regime multilateral, que saiu de Baku com
mais fraturas. No Azerbaijão, o ditador local, Ilham Aliyev, elogiou o petróleo
como um “presente de Deus”. No Brasil, o presidente Lula da Silva e a ministra
Marina Silva precisarão mostrar que o País tem mais a oferecer do que belas
palavras em favor da transição. Não haverá vida fácil até lá, mas ainda assim
os prognósticos estão longe de resumir-se a um horizonte sombrio e
desesperançado.
O insustentável vício lulopetista
O Estado de S. Paulo
O MEC promete oferecer bolsa para incentivar
docentes, nos moldes do Pé-de-Meia. Um efeito direto da confusão que Lula faz
entre estímulo financeiro imediato com solução estrutural
O Ministério da Educação (MEC) promete lançar
um pacote de benefícios para valorização de professores, incluindo um programa
de transferência de renda destinado a estimular estudantes a ingressar em
cursos de licenciatura e uma bolsa adicional para o professor que queira ir
para determinada região onde hoje há menos professores. Para o primeiro caso, a
inspiração do ministro Camilo Santana é o Mais Médicos, programa criado para
tentar suprir a carência de médicos no interior do Brasil. Para o segundo, o
MEC inspira-se no Pé-de-Meia, sucesso de público e de crítica que funciona como
uma poupança para estudantes do Ensino Médio, incentivando-os financeiramente à
permanência e à conclusão. A inspiração é louvável, e o problema diagnosticado,
real. Mas o projeto ainda em gestação revela um vício irrefreável do governo de
Lula da Silva: a convicção de que boa parte dos problemas nacionais será
resolvida com bolsas.
É um dinheiro fácil e rápido que se converte
num fim em si mesmo. E assim o incentivo financeiro emergencial se torna
sinônimo de solução estrutural. Há uma pletora de iniciativas do gênero: no
próprio MEC, estuda-se a extensão do Pé-de-Meia para estudantes universitários
de baixa renda matriculados em instituições públicas e privadas,
incorporando-se aos benefícios já concedidos hoje via ProUni e Fies, em que o
governo paga parte ou toda a mensalidade para os alunos, e eles ficam com uma
dívida com o governo. No passado recente, a explosão de bolsas no setor
educacional fez fortunas e gerou calotes. Há outros exemplos, em que se
misturam iniciativas temporárias – como o Auxílio Construção, destinado à
população do Rio Grande do Sul afetada pelas enchentes – e outras transformadas
em benefícios permanentes, como o seguro-defeso, destinado ao pescador
artesanal, e o Benefício de Prestação Continuada, voltado para os idosos e
pessoas com deficiência.
Desde que os programas de transferência de
renda, consumados e simbolizados no Bolsa Família, se tornaram patrimônio
nacional, os governos lulopetistas levaram a medida ao paroxismo. A onda
transformou-se em obsessão de Lula e seus exegetas, invariavelmente preocupados
com os índices de aprovação do governo e do presidente, além de ansiosos por
assegurar dividendos políticos imediatos – o que costuma levar ministros a
constantemente pensar em soluções do gênero, como o abortado “estudo” para a
criação do vale-carne, uma ideia burlesca atribuída ao ministro Paulo Teixeira,
do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
O professor e ex-ministro Mario Henrique
Simonsen ensinava: “O problema mais difícil do mundo, bem enunciado, um dia
será resolvido. O problema mais fácil do mundo, mal enunciado, jamais será
resolvido”. Bem enunciados, problemas como o desinteresse dos estudantes pelo
Ensino Médio ou a baixa valorização de professores (e a reduzida qualificação
em sua formação em áreas básicas) podem ser resolvidos com políticas que
atinjam as causas, e não apenas as consequências. O ministro Camilo Santana é
reconhecido especialista na arte de executar boas políticas públicas
educacionais de longo prazo. Como, porém, é parte da cultura “bolsista” do
governo Lula, pode acabar tisnado pela busca incessante de resultados
imediatos.
Recentemente, um dos criadores do Bolsa
Família, o economista Ricardo Paes de Barros, publicou um artigo no site do
Insper com diretrizes para o desenho de uma política de superação da pobreza.
Escreveu: “Uma efetiva e duradoura superação da pobreza só ocorre quando há
geração de renda pelo trabalho de forma autônoma. Portanto, a superação da
pobreza requer um processo de inclusão produtiva bem-sucedido”. Ou seja, um bom
modelo pressupõe transferência de renda focalizada, com o acompanhamento
individualizado de famílias vulneráveis, para identificar serviços e
oportunidades que visem à geração de renda autônoma.
Essa lição deveria inspirar as respostas aos
desafios da educação. Mas, sob a influência lulista, o risco é o governo tentar
resolver um problema difícil com soluções demasiadamente fáceis, isto é, ceder
à insustentável tentação de mais e mais bolsas e deixar em segundo plano as
condições para avanços autônomos e de longo prazo.
Cheiro de inflação no ar
O Estado de S. Paulo
Expectativa piora rapidamente e fica cada vez
mais próxima de se tornar fato consumado
O mercado elevou sua previsão para a inflação
do ano que vem de 4,12% para 4,34%, segundo a mais recente edição do Boletim
Focus, divulgado pelo Banco Central (BC). Foi uma pancada e tanto em um
curtíssimo espaço de tempo, ainda mais quando se considera que o BC não divulga
a média, mas a mediana das expectativas, uma medida que reduz a chance de
distorções que poderiam ser ocasionadas por poucas projeções muito altas ou
muito baixas.
Foi a sexta semana consecutiva de piora em
expectativas para o IPCA de 2025, e o mercado já projeta que a inflação ficará
acima do teto da meta, de 4,5%, ao longo de todo o primeiro semestre do ano que
vem. Dólar em elevação, alimentos mais caros, consumo das famílias em alta e
desemprego em nível historicamente baixo têm feito muitos bancos e corretoras
ajustarem suas expectativas a uma conjuntura mais desafiadora nos próximos
meses.
Também no Boletim Focus, a previsão para
a inflação para 2026 passou de 3,70% para 3,78%, e a de 2027, de 3,50% para
3,51%, após 72 semanas seguidas sem registrar qualquer variação. O dólar para o
fim de 2024 passou de R$ 5,60 para R$ 5,70 e, com isso, a expectativa para o
IGP-M, índice usado como referência para o reajuste de aluguéis e que sofre
mais influência do câmbio, subiu de 5,45% para 5,98% para o fim deste ano.
O reconhecimento desse cenário mais adverso
já não é mais exclusividade do mercado. Na semana passada, o Ministério da
Fazenda elevou sua estimativa para a inflação deste ano de 4,25% para 4,4%, e,
para a de 2025, de 3,4% para 3,6%. As previsões da Fazenda são mais modestas
que as calculadas por analistas de bancos e corretoras, mas avançam na mesma
direção.
O governo, por óbvio, preferiu destacar suas
projeções para o crescimento do PIB, de 3,3% neste ano e de 2,5% em 2025,
melhores que as do mercado, de 3,17% e 1,95%, respectivamente. Mas o que
realmente tem chamado a atenção são a rapidez e a intensidade com que as
expectativas têm piorado, um cenário que as deixa cada vez mais próximas de se
tornarem um fato consumado, alertou o economista José Roberto Mendonça de
Barros.
Em recente entrevista ao Estadão, Mendonça de
Barros ressaltou que a inflação voltou a entrar no radar dos investidores. “O
que mais preocupa é que a inflação encostou em 5%. Não é que ela encostou no
teto da meta; ela encostou em 5%”, afirmou. “É muito mais perigoso o negócio da
inflação do que parece”, acrescentou.
Tudo isso torna ainda mais incompreensível a
demora do governo Lula da Silva em anunciar de uma vez o ajuste fiscal, única
maneira de interromper a piora das expectativas. O mercado está preocupado com
o cenário, mas tem como se proteger.
Já o Executivo não parece compreender a
gravidade da situação, age como se estivesse imune a esses riscos e ignora que
os preços mais elevados em breve chegarão aos preços dos itens nas gôndolas dos
supermercados. Negar essa realidade não fará com que ela desapareça e, como
lembrou Mendonça de Barros, uma inflação elevada derruba a avaliação de
qualquer governo.
Urge um combate mais eficaz ao feminicídio
Correio Braziliense
É hora de rever estratégias e ações, até
agora inócuas, e construir políticas públicas que, realmente, protejam a vida
das mulheres
Uma mulher morre a cada 10 minutos vítima do
parceiro ou de familiares, revela o relatório da ONU Mulheres divulgado ontem.
Ao longo do ano passado, 85 mil foram assassinadas intencionalmente. Pelo menos
60% desses crimes ocorreram dentro do ambiente familiar, cometidos pelo marido
ou pelo ex-companheiro. O feminicídio não tem nacionalidade. Ocorre em todo o
planeta e em quaisquer camadas sociais ou faixas etárias.
No Brasil, em 2023, foram registradas 1.463
vítimas, um aumento de 1,6% na comparação com 2022, conforme levantamento do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Na série histórica do FBSP, esse foi o
maior número desde a entrada em vigor da Lei nº 3.104/2015, a Lei do
Feminicídio. Entre 2015 e 2023, 10.655 perderam a vida em razão dessa hedionda
covardia dos homens — marido, namorado ou ex-companheiro, casado ou não com a
vítima.
O Centro-Oeste aparece como a região mais
violenta para as mulheres, com uma taxa de 2 mortes por 100 mil — 43% acima da
média —, seguido pela Região Norte, com taxa de 1,6/100 mil mulheres, pelo
Sudeste (1,2), Nordeste (1,4) e Sul (1,5). Em números absolutos, o Distrito
Federal registrou 34 feminicídios em 2023 — 78,9% a mais do que no ano
anterior. Em Minas Gerais, no mesmo período, ocorreram 183, contra 171 em 2022
— aumento de 7%.
Números tão expressivos no Brasil e lá fora
exigem uma reação com proporções equiparadas. Nesse sentido, a ONU Mulheres
iniciou, ontem, a campanha 16 dias de Ativismo pelo da Fim da Violência contra
as Mulheres, uma iniciativa global que começa no Dia Internacional pela
Eliminação da Violência contra as Mulheres e termina no Dia Internacional dos
Diretos Humanos. No Brasil, há campanha semelhante, mas estendida: o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) começou a mobilização de 21 dias a partir do feriado
nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro.
Essas iniciativas têm relevante importância,
sobretudo para alertar o universo feminino e, ao mesmo tempo, cobrar do poder
público políticas, programas e ações que garantam segurança às mulheres. São
demandas que se impõem, como revela a pesquisa Medo, ameaça e risco: percepções
e vivências das mulheres sobre violência doméstica e feminicídio, realizada
pelo Instituto Patrícia Galvão e Consulting do Brasil, com apoio do Ministério
das Mulheres, e também divulgada ontem.
A sondagem estima que 17 milhões de
brasileiras viveram, ou vivem, o risco de serem vítimas de feminicídio. Há
ainda uma sensação de desproteção e desamparo: 84,5% das entrevistadas
responderam que "não adianta a mulher ter uma medida protetiva se o
agressor não respeita e a polícia não garante a segurança dela". Na
compreensão de 60%, "todo feminicídio pode ser evitado se a mulher receber
proteção do Estado e da sociedade".
A cultura de que a mulher é um objeto de
propriedade do homem ainda é muito forte no país e alimentada pela
discriminação, que leva à rejeição da paridade e da igualdade de gêneros nos
mais diferentes escalões nos órgãos públicos e nas empresas privadas. A falta
de uma educação alinhada com a contemporaneidade contribui para calcificar essa
inverdade prejudicial e letal nas relações de gêneros.
Os organismos de Estado se reúnem, debatem, planejam políticas, mas não eliminam a sensação de que tais providências são ineficazes, pois a matança de mulheres por homens covardes é rotineira. É hora, portanto, de rever estratégias e ações, até agora inócuas, e construir políticas públicas que, realmente, protejam a vida das mulheres.
Independentemente do candidato que tenha sido eleito, parabéns aos uruguaios.
ResponderExcluirO grande problema do governo PT de antes e agora não é ser corrupto só , é ser incompetente e levar o nosso país a bancarrota como aconteceu em tempos recentes PT gerou uma grande crise financeira com recessão e inflação explodindo é isso que nos aguarda é o DNA dessa turma não tem jeito
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