terça-feira, 26 de novembro de 2024

Revisão do 6x1 é inevitável, mais cedo ou mais tarde - Pedro Cafardo

Valor Econômico

Discussão sobre a semana de trabalho pegou de surpresa a esquerda e a direita no país e tende a ignorar a atual polarização política

A redução da jornada de trabalho é um tema antigo, bastante discutido e vem sendo implementada em países há décadas. Voltou à discussão no Brasil, porém, com a apresentação da PEC da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), propondo diminuição da escala de dias de trabalho e descanso de 6x1 para 4x3.

O tema remete à memória do sociólogo italiano Domenico De Masi (1938-2013), que em 1995 lançou na Europa o livro “O Ócio Criativo”, traduzido para o português quatro ou cinco anos mais tarde. De Masi combatia a ideia de que o ócio seria associado à preguiça e à improdutividade e o considerava essencial para o florescimento da criatividade e do bem-estar das pessoas. Assim como já teria ocorrido no passado, o ócio contribuiria para avanços na ciência, na arte, na tecnologia e na própria economia em geral.

O livro de De Masi foi um best seller mundial - era revolucionário naquele fim de século XX. No Brasil, a obra também fez sucesso, e o sociólogo “adotou” o país, a ponto de lançar um novo livro primeiramente em português.

No início de 2013, o Brasil vivia uma euforia econômica, enquanto a Europa e outros países desenvolvidos passavam por momentos difíceis. De Masi, em visita ao país, disse acreditar que o Brasil seria um grande protagonista no novo modo de vida que propunha, porque estava em crescimento, reduzindo distâncias sociais e distante de guerras. A previsão nunca se confirmou.

Segundo reportagem da época, da jornalista Marília Arantes, ele fazia apenas um alerta, sobre o desemprego. Lembrava que as novas tecnologias e inovações reduziam a necessidade do trabalho e, por isso, seria necessário reduzir também as horas de trabalho para todos: “Se não, o pai vai trabalhar dez horas por dia e o filho vai ficar desempregado”.

O sociólogo foi criticado por duas razões. Primeiro, porque a proposta do ócio criativo parecia elitista, atendendo mais às classes de renda alta e menos ao operariado. Segundo, porque o autor não avançava em propostas de reestruturação do trabalho na sociedade capitalista para que as mudanças não provocassem grandes danos à produção e à produtividade.

Os defensores da escala do 6x1 argumentam que ao reduzir a semana de trabalho para 4x3 haveria queda de produtividade, aumento de custos para os negócios, elevação de preços para os consumidores, prejuízo para as empresas e trabalhadores e, em consequência, redução de empregos e salários.

Em artigo no Valor na semana passada (21/11), o professor Pedro Gomes, da University of London, sugeriu que, em função da abrangência da discussão da escala 4x3, a análise da questão deveria ser mais profunda.

De fato, dadas as mudanças estruturais na economia e na sociedade, com seguidos avanços tecnológicos, os benefícios de uma semana de quatro dias de trabalho parecem ser maiores hoje do que 50 anos atrás, quando o prêmio Nobel Paul Samuelson a considerou uma “invenção social decisiva”. Gomes lembra que graças ao espírito empreendedor associado ao tempo livre nasceram empresas como Ford, Apple e Nike.

É oportuno lembrar também a capacidade de adaptação da sociedade capitalista, recentemente testada na pandemia da covid-19. Diante da morte de milhões de pessoas pelo mundo e do isolamento forçado de funcionários, as corporações perceberam que muitos tipos de trabalho à distância (on-line) traziam ganhos de produtividade. E o home office, em várias dimensões, parece ter vindo para ficar.

Os defensores do fim do 6x1 argumentam que o aumento do tempo para lazer, família, educação e cuidados pessoais amplia o bem-estar físico e mental dos indivíduos. O que pode até resultar em aumento de produtividade, uma vez que os funcionários estariam mais descansados e aptos ao trabalho. Junte-se a isso a contribuição para combater o estresse e a “moderna” síndrome de burnout, o esgotamento profissional provocado por situações de trabalho desgastantes, muito comum atualmente nas empresas e com impacto importante na produtividade.

Dados do INSS, de 2022, mostram que quase 210 mil pessoas foram afastadas do trabalho em razão de transtornos mentais no país. No mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente por esse problema, com custos estimados em US$ 1 trilhão para a economia.

A discussão reavivada da semana de trabalho no país pegou de surpresa a esquerda e a direita e tende a ignorar a atual polarização política.

A rejeição à mudança não pode ser guiada apenas com base em um “modelo básico de introdução à economia”, utilizando os mesmos argumentos dos economistas que criticaram a redução de jornada para oito horas no século XIX, escreveu Pedro Gomes.

Também não parece razoável a adoção, por imposição constitucional, de uma redução abrupta para o 4x3, pegando empresas e sociedade despreparadas. Mesmo considerando que o impacto nos custos seria pontual e não se repetiria no momento seguinte.

Talvez seja possível caminhar para uma alteração gradual, com tempo para a sociedade se adaptar aos poucos à nova regra. Não se pode negar, porém, que é desumano trabalhar seis dias por semana e folgar apenas um, nem sempre em um domingo. Mais cedo ou mais tarde, o país terá de enfrentar essa questão.

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