O Estado de S. Paulo
Presidente ignora o efeito do salário mínimo na ampliação do mercado de trabalho informal
Escrevi este texto na última terça-feira e ainda não havia sido divulgado o pacote fiscal que o governo federal pretende anunciar. Mas já havia uma novidade, pois vieram várias notícias, inclusive num editorial deste jornal na segunda-feira passada, de que o governo desta vez pretende estabelecer alguma restrição sobre a regra de reajuste anual do salário mínimo, que é a de um aumento pela inflação passada mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Essa segunda parte da regra foi instituída por Lula da Silva, mas tem um custo muito alto. Nesse editorial é apontado que “cada R$ 1 a mais no salário mínimo gera um aumento de despesas de R$ 422 milhões no Orçamento”. Lembro-me de ter lido em algum lugar que essa segunda parte teria anulado boa parte da poupança obtida com a reforma previdenciária de 2019.
Mas Lula e seu partido são adeptos da linha
do “gasto é vida” e sabe-se que um alívio do impacto da regra atual de reajuste
do mínimo era um dos pontos mais difíceis de se conseguir o apoio do
presidente. Vamos ver o que virá, se é que virá alguma coisa a respeito.
Ele e outros petistas só parecem ver o
primeiro impacto do salário mínimo nos salários, mas não seus desdobramentos.
Um deles é que muitos empregadores entendem que não podem pagar esse mínimo –
que vem acrescido de custosos encargos sociais –, e optam pelo mercado de
trabalho informal. Em artigo neste espaço em 19/9/2024, mostrei que um texto
escrito por Rafael Machado Parente, que trabalha para o Fundo Monetário
Internacional (FMI), veio em julho e me atraiu interesse em face de seu título,
Minimum wages, inequality, and the informal sector, e também pelo fato de que
versa sobre o Brasil, onde os três aspectos de seu título estão presentes. O
estudo é longo, de 84 páginas, e vem com esta advertência (tradução minha): “As
opiniões expressas nos working papers do FMI são as do(s) autor(es) e não
representam necessariamente as opiniões do FMI, de seu Board Executivo, ou de
sua gerência”. O texto pode ser acessado no site do
FMI. A versão em PDF pode ser baixada
gratuitamente.
Quanto às várias conclusões do estudo,
destaco esta que diz respeito ao aumento da informalidade e da concentração de
rendimentos (tradução minha): “Encontro que, no contexto brasileiro, o aumento
do salário mínimo nos anos 2000 na verdade aumentou a desigualdade como um
todo, destacando as consequências não desejadas do salário mínimo. Isto é,
políticas que buscam reduzir desigualdade podem terminar aumentando-a devido às
fortes margens de ajustamento informais”.
Depois disso soube de um amplo e interessante
estudo intitulado Mapeamento do trabalho informal no Brasil, produzido pelo
Fundo Brasil (fundobrasil.org.br), de 69 páginas. Na internet, pode ser
encontrado no Google digitando-se o seu título.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) do primeiro trimestre de 2022, a proporção dos
informais sobre o total de pessoas ocupadas de 14 anos ou mais de idade é
grande: 40,1%, segundo a metodologia IBGE, e 50,4% segundo a chamada
metodologia ampla, também adotada. Ou seja, é importante analisar o mercado
informal de trabalho, o que as conclusões de Lula vêm ignorando.
Outro aspecto são os dados dos Estados e sua
porcentagem de pessoas no mercado de trabalho informal. Primeiro grupo (acima
de 60%(!)): Pará (70,0%), Maranhão (69,5%), Piauí (68,0%), Amazonas (66,4%),
Paraíba (64,7%), Bahia (64,6%), Ceará (63,0%), Sergipe (61,4%), Pernambuco
(61,0%) e Tocantins (60,4%).
Terceiro grupo (abaixo de 50%): Distrito
Federal (38,9%), Santa Catarina (39,4%), São Paulo (40,9%), Paraná (43,1%),
Mato Grosso do Sul (45,6%), Rio Grande do Sul (45,8%), Rio de Janeiro (46,9%),
Mato Grosso (47,7%) e Minas Gerais (49,8%).
No segundo grupo estão os demais Estados cuja
participação ficou entre mais de 50% e até 60%. Portanto, em geral as taxas do
mercado de trabalho informal são elevadas e fica claro o contraste entre o
primeiro grupo, onde predominam os Estados mais pobres, e o terceiro grupo,
onde estão os mais ricos, mas mesmo aí as taxas de informalidade são muito
altas.
Entendo que o salário mínimo nacional deveria
ser eliminado. Todos os Estados deveriam ter seu mínimo obrigatoriamente e as
regiões mais pobres deveriam adotar um salário mínimo menor para evitar maior
informalidade. Isso sempre pensando também nos encargos trabalhistas, que são
altos.
Portanto, Lula ignora o mercado informal na
sua visão do efeito do salário mínimo, a qual também se estende à sua visão no
caso da Previdência Social. Ele deveria circular pelas ruas e estradas dos
Estados onde o mercado informal é maior e indagar dos empregadores por que não
pagam o salário mínimo nacional. O segundo estudo citado também revela que no
primeiro trimestre de 2022 a média de rendimento nominal mensal era de R$
2.885,14 no mercado formal e de R$ 1.847,68 no informal.
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