sábado, 30 de novembro de 2024

Um ditador que não fez o dever de casa – Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Ex-presidente apelou à 'rataria' e esqueceu lições de Maduro e Ortega

Daniel Ortega é um ex-guerrilheiro que se tornou ditador, um Fidel Castro de segunda divisão. Líder da revolução sandinista que derrubou a dinastia Somoza, governou a Nicarágua na década de 1980 e voltou ao poder em 2007. Desde então, em sucessivas eleições mandrake, não largou mais o osso. Em novembro, o Congresso de lá aprovou por unanimidade uma reforma constitucional dando poder sem limites a Ortega e à sua mulher, Rosario Murillo, que assumiu a função de "copresidente".

Ortega não precisou voltar aos tempos de guerrilha e emboscadas nem dar um golpe de Estado clássico para alcançar seu objetivo. Mais ou menos como Nicolás Maduro na Venezuela, produziu uma autocracia populista por meio de um processo aparentemente legítimo —a eleição. Passo a passo, foi capturando as instituições, sobretudo o Judiciário. Quando necessário, usou as Forças Armadas e grupos de milicianos para eliminar adversários. Para pôr em prática essa equação antidemocrática não faz a menor diferença ter uma ideologia de esquerda ou de direita.

Nos velhos botequins havia um mandamento: quem não tem competência não se estabelece. Ao perder a reeleição —primeiro presidente a conseguir a façanha—, Bolsonaro não fez o dever de casa. Não foi um aluno tão aplicado quanto o colega Ortega.

Hidrófobo, o capitão apelou à "rataria", termo usado para se referir aos militares palacianos que planejaram o golpe que previa, entre outras atrocidades, aniquilar Lula e instalar campos de concentração para opositores — como os de Hitler.

Sem deixar de ser tosca e sanguinária, a trama revelada nas 884 páginas do documento da Polícia Federal ora lembra uma comédia macabra, com generais caducos fazendo anotações em caderninhos, ora um roteiro de Elmore Leonard, com padres esmerilhando nos diálogos: "Se ele [Bolsonaro] não fizer isso, ele vai se foder e o povo também vai se foder".

A única coisa que funcionou foi o plano de escape. Bolsonaro se vende como imbrochável, imorrível e incomível. Mas será lembrado como fujão. Nos filmes de Hollywood os bandidos vão para o Rio. Ele se mandou para Orlando, levando a cafonice até o fim.

 

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