O Estado de S. Paulo
Por mais generalizadas e cruéis que sejam
nossas desigualdades, é possível enfrentá-las com a oferta de verdades
relevantes
A desordem política em que o Brasil vive há
mais de duas décadas decorre de três fatores: o pequeno número de pessoas
genuinamente vocacionadas para a vida pública, deformações grotescas em nosso
sistema institucional e, mais importante, a obscena desigualdade de nossa
sociedade.
Aos fatores acima haveria que acrescentar o
quadro mundial, no qual despontam ditadores como Nicolás Maduro, um presidente
condenado eleito para a presidência dos Estados Unidos e ditaduras totalitárias
como as da Rússia, China e Coreia do Norte. Vladimir Putin chega a ameaçar o
mundo abertamente com o recurso a seu gigantesco arsenal nuclear.
Quanto ao Brasil, a escassez de vocações políticas a que me refiro diz respeito ao excesso de indivíduos ávidos por viver “da política” e não “para a política”. O quase total desaparecimento da geração de líderes do Congresso constituinte (1987-1988) deixou aberto o espaço para o discurso ideológico vazio do PT, o populismo de Lula da Silva e um Congresso no qual, com as exceções de praxe, pululam larápios e trapaceiros. Essa “oferta” molda a “demanda”, ou seja, aprofunda o descrédito da instituição legislativa, que afugenta possíveis bons candidatos e assim por diante, num círculo vicioso cujo fim não está à vista.
As deformações do sistema
político-institucional têm sido amplamente discutidas, sem que apareçam
lideranças lúcidas, dispostas a agarrar pela unha o touro da reforma política.
Sabemos que o sistema presidencialista de governo é ruim mesmo onde haja partidos
políticos; onde não os há, como é o nosso caso, é péssimo. Associado a
contínuas rixas entre os Três Poderes, na contramão do que a Constituição
estipula, não há como visualizar um panorama diferente desse que Brasília nos
oferece dia sim, outro também.
Contudo, para avaliar a hipótese da descida
aos infernos, como ocorreu na Argentina, é preciso repisar o óbvio: somos uma
das sociedades mais desiguais do planeta. Uma minoria inferior a 10% açambarca
metade da riqueza nacional e não assume o que deveria ser sua cota de
responsabilidade na arrumação do País. Na parte inferior da pirâmide social,
podemos dizer sem medo de errar que 30% dos cidadãos são incapazes de
transmitir num simples bilhete o que tenham ouvido pelo telefone. São
infracidadãos. Na última eleição municipal, o alto índice de abstenção resultou
deste conjunto de elementos: candidaturas em sua maioria inexpressivas,
ausência de propostas realistas para a melhoria da vida nas cidades, desânimo
geral.
Sendo a realidade o que acima resumidamente
se expôs, nada há a estranhar no desinteresse generalizado pela atividade
política. Menos ainda quando se considera que a pequena parte capacitada da
elite não tem sabido como motivar os eleitores e reverter tais tendências.
Menos ainda a estranhar que o desinteresse se agudize entre os jovens, se a
eles não se oferece o que mais lhes interessa: um mínimo de esperança. Esta,
outrora, se consubstanciava nas ideologias, hoje moribundas, fato que só não
enxergam os que não querem enxergar, ou que se valem de mitos ideológicos a fim
de organizar partidos de araque, através dos quais assegurem acesso ao erário,
a empregos públicos e prebendas, que são seus meios de vida.
Mas, exultai, uma luz começou a reluzir no
fim do túnel. Ainda Estou Aqui, o já celebrado filme de Walter Salles,
despertou os corações e mentes, notadamente no seio da juventude. Mostrou que
os cidadãos, de todas as idades, não viraram as costas à vida pública. Desde
que verdades relevantes lhes sejam ditas, com franqueza, clareza e competência,
seus corações despertam. O filme vai fundo num dos episódios mais macabros do
período dos governos militares, o desaparecimento do deputado Rubens Paiva,
narrado em livro por seu filho Marcelo Rubens Paiva. Esse fato não ocorreu na
pré-história, ocorreu algumas décadas atrás, mas só agora chega com toda a sua
força dramática aos jovens, seja porque a informação lhes tenha sido sonegada,
seja porque só agora surgiu um grupo de artistas com competência para relatá-lo
como deve ser relatado: em sua simples verdade.
O êxito do trabalho de Walter Salles suscita
uma questão muito mais ampla. Nós, brasileiros, não conhecemos nossa história.
Não a conhecemos em seus momentos horrendos, que foram muitos, nem nos
relativamente promissores, que foram poucos e curtos, mas existiram.
Essa constatação permite-nos ousar mais um
pouco, ampliando esta reflexão: por maior que seja o descrédito das
instituições, por mais generalizadas e cruéis que sejam nossas desigualdades
sociais, é possível enfrentá-las com esta arma simples: a oferta de verdades
relevantes.
A mudança de atitude sugerida no parágrafo
anterior vai muito além do sempre desejável adensamento da cidadania. Diz
respeito à prevenção da grave crise que já nos espreita. Sabemos todos que um
ajuste fiscal sério é a condição sine qua non para a retomada do
desenvolvimento econômico e social. Mas a bússola pela qual se pretende
orientar o País é ainda a polarização idiota que temos vivido desde 2016.
Um filme,só pode ser esclarecedor,pra quem não tem,ainda,uma opinião formada sobre o período militar,quem já tem,como a família do ex-presidente,não muda nada,infelizmente!
ResponderExcluir