quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Descontrole da polícia ao atirar faz de todos vítimas indefesas

O Globo

Agentes da PRF balearam na cabeça jovem que estava com a família a caminho da ceia de Natal

O descontrole com que policiais têm agido nas ruas e estradas brasileiras causou mais uma tragédia. Desta vez, na véspera do Natal. Juliana Leite Rangel, de 26 anos, foi baleada na cabeça durante abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na Rodovia Washington Luís (BR-040) em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A jovem estava a caminho de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, para cear com a família. Seu pai, Alexandre Rangel, baleado na mão esquerda, contou ter dado sinal com o pisca-pisca de que encostaria o carro depois de ouvir a sirene da viatura, mas, segundo afirmou, os policiais já saíram atirando. A Corregedoria-Geral da PRF determinou o afastamento preventivo dos agentes envolvidos na ação.

Casos como o de Juliana têm se tornado uma rotina frequente, que não pode ser tolerada num país civilizado. No dia 6 de outubro, Francisca Marcela da Silva Ribeiro, de 33 anos, foi morta no Ipiranga, Zona Sul de São Paulo, numa troca de tiros. Um policial de folga chegou no momento em que bandidos roubavam a motocicleta em que ela estava com o noivo e também atiraram quando não deviam. Francisca tinha casamento marcado para 20 dias depois e foi velada com o vestido de noiva.

Em busca de ministério eficiente - Merval Pereira

O Globo

Câmara e Senado impõem suas condições para votar os temas importantes para o governo

A reforma ministerial prometida por Lula tem o objetivo de dar ao governo uma eficiência que o país exige, mas não alcançará o objetivo principal, construir uma maioria parlamentar que permita a ele governar com mais tranquilidade. A tarefa de criar uma maioria no Congresso já foi mais fácil e foi ganhando mais complexidade à medida que o Congresso foi ganhando maior autonomia.

As emendas parlamentares, hoje objeto de crises institucionais que envolvem os três Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário —, já foram instrumentos de negociação política que beneficiavam o governo. Tínhamos um sistema de hiperpresidencialismo em que o Executivo dava as cartas, liberava as emendas a seu bel-prazer, contingenciava valores necessários para equilibrar suas contas.

Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente da redemocratização que usou as emendas como moeda de troca com o Congresso, mas nunca perdeu o controle. Lula, em seus primeiros governos, também usou o presidencialismo de coalizão para tirar votos do Congresso, mas fazia mais favores do que pagava direitos dos partidos políticos. Os parlamentares, por seu lado, não queriam poder além das benesses governamentais.

Sintomas mórbidos no impasse das emendas – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Lula não foi capaz de resgatar o controle do Orçamento da União pelo Executivo, porque o volume de emendas impositivas passou a ser ditado pelo Congresso

Desde 2013, por razões conhecidas, entre as quais a crise de liderança moral dos partidos e das instituições políticas do país, há um processo de degeneração das relações entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que provocou uma sucessão de crises, até a tentativa fracassada de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. Esse processo reproduz uma crise de representação política que ocorre em outras democracias do Ocidente, porém, que aqui se manifesta desde os protestos de junho daquele ano.

Seu caldo de cultura é uma “malaise” da sociedade pós-moderna, cujo imaginário social é complexo e incorpora grandes expectativas em relação ao Estado, a maioria das quais acaba frustrada pela realidade. Instabilidade, mutabilidade, fragmentação e fugacidade, no tempo e no espaço, geram perplexidade e angústia existencial na sociedade, que encontra muito mais facilidade de expressão nas redes sociais e seus influenciadores do que nas estruturas político-partidárias e meios de comunicação tradicionais.

A colheita que não veio - Malu Gaspar

O Globo

O horizonte parecia limpo para o governo ao final de 2023. O Congresso tinha aprovado a reforma tributária, e o Brasil recebido um upgrade na classificação da agência de risco S&P. O dólar, em queda, valia R$ 4,86. A Bolsa estava em alta. Os parlamentares aprovaram o Orçamento com valor recorde para emendas.

O Supremo, que ainda não havia tentado dar um freio nessa ousadia, ajudou o Executivo em temas cruciais. Entre outras coisas, manteve o drible na Lei das Estatais para que políticos ocupassem cargos de confiança e abriu uma arbitragem empurrando com a barriga a briga entre União e Eletrobras que poderia desfazer parte do contrato de privatização — mas causar estrago na imagem do governo no mercado.

A boa resposta às ameaças de Trump - Míriam Leitão

O Globo

Rever o comércio exterior, expor mais cadeias produtivas à competição global, integrar mais o Brasil ao mundo é um projeto a ser perseguido

O Brasil terá que ter estratégia e repensar a sua política comercial, industrial e agrícola diante do novo desafio que representa as ameaças do presidente eleito dos EUA, Donald Trump. Nossos melhores negociadores terão que entrar em ação, mas será preciso também buscar novos mercados e adotar nova atitude em relação à integração com o mundo. A ameaça de Trump é o presente, a perspectiva que se abre, por exemplo, pelo acordo comercial Mercosul-União Europeia é uma possibilidade futura. O que há diante de nós é que nosso segundo maior mercado entrará numa era protecionista e nos ameaça diretamente.

País tradicionalmente fechado, o Brasil tem tarifas altas e barreiras não tarifárias. No caso dos Estados Unidos, curiosamente, o Brasil mais importa do que exporta. Tem déficit, portanto. Nos últimos anos, o déficit tem caído. No acumulado até novembro, as exportações para os Estados Unidos cresceram 9,3% e as importações aumentaram 6,9%, em relação ao ano anterior. O comércio supera US$ 73 bilhões, mas permanece deficitário para o Brasil em US$ 790 milhões. O menor há mais de uma década.

Tão longe e tão perto de 2026 - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O que está em jogo no biênio porvir é a mudança na estrutura societária do Brasil S.A.

A suspensão pelo ministro Flávio Dino da execução das emendas parlamentares com as quais o governo acertou a votação do ajuste fiscal e da regulamentação da reforma tributária antecipou a encruzilhada de 2026. O crescente volume de emendas parlamentares não é apenas a fiança do Congresso a sucessivos inquilinos do Palácio do Planalto dos últimos dez anos. É o símbolo mais vistoso do adiamento dos embates que tem condenado o país a voos de galinha. A enfrentá-los, os parlamentares preferiram deles se tornarem sócios. O que estará em jogo no biênio porvir é a mudança na estrutura societária do Brasil S.A.

Virou lugar comum associar os entraves à governabilidade às diferenças ideológicas entre Executivo e Congresso. A abertura de inquérito da Polícia Federal determinada pelo ministro Flávio Dino, porém, sinaliza uma ponte com esta metade à direita do país que diverge das pretensões dos sócios congressuais que estão a caminho de se tornarem majoritários no condomínio do poder. A determinação atendeu a denúncias feitas por três parlamentares de direita (Flávio Rocha (União-BA), Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), Adriana Ventura (Novo-SP), e apenas um da esquerda, Glauber Braga (Psol-RJ).

Dívida dos Estados e correção de distorções na educação - Eduardo Belo

Valor Econômico

Especialistas entendem que “juros por educação” é positivo, mas medida requer mais ação dos governos regionais

A renegociação da dívida dos Estados com a União, iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi aprovada no dia 17 de dezembro pelos senadores. Muitos governos regionais que herdaram ou cavaram seus buracos fiscais começam a se beneficiar das bondades do programa, chamado Propag, ao aderirem a ele. O prazo de adesão vai até o fim de 2025. São cerca de R$ 765 bilhões renegociados por 30 anos com juro de 4% ao ano mais a variação do IPCA.

Distorcida desde o início, devido ao tratamento generoso dado ao descaso de muitos governos regionais com suas contas, a medida pode ser a ferramenta que vai corrigir distorções do gasto público com educação no país. A lei traz a possibilidade de investimento em ensino por meio do mecanismo conhecido como “juros por educação”.

Estados e Distrito Federal poderão reverter parte dos juros de suas dívidas com a União em áreas como educação profissional e técnica de nível médio, universidades estaduais, infraestrutura para a universalização do ensino infantil e educação em tempo integral, além de ações voltadas para outras áreas.

Ensaio do trio Trump, Musk e Vance - Bradford DeLong*

Valor Econômico

Para Paul Krugman, “os camelôs de desinformação estão ficando muito doidos com seu próprio estoque de drogas”

A ameaça de uma paralisação do governo no Natal, provocada pelos principais sovinas dos Estados Unidos, Elon Musk, Donald Trump e J.D. Vance, foi evitada por pouco. No entanto, vale a pena rever o que aconteceu, porque o episódio prenuncia perfeitamente a governança disfuncional que aguarda os Estados Unidos (e o mundo) quando Trump assumir o cargo em janeiro.

Na véspera do prazo de 20 de dezembro para a aprovação de um projeto de lei para manter o governo federal financiado, a liderança da Câmara e do Senado dos EUA chegou a um acordo que lhes daria mais três meses. Nenhuma das partes estava particularmente satisfeita com o acordo, mas todas podiam viver com ele. Eles tinham os votos para aprová-lo, e a equipe do presidente Joe Biden estava disposta a apresentá-lo para sua assinatura.

Da ‘Carta ao Povo Brasileiro’ ao vídeo ao povo brasileiro - José Serra

O Estado de S. Paulo

Vídeo de 2024 é quase uma confissão de impotência ante o mercado, assim como a carta de 2002 era a mensagem de que o PT não faria nada do que sempre propôs

Em 2002, quando disputei a minha primeira eleição a presidente da República, na sucessão de Fernando Henrique Cardoso, deparei-me com um PT que jurava que não era o PT. A Carta ao Povo Brasileiro, urdida nos porões da burocracia petista, vendia a alma em troca da aceitação do mercado financeiro de um governo de esquerda.

E aí já começava a ópera bufa. Aqueles ativistas radicais que pregavam o “fora FHC” em manifestações estridentes, os que saíram em caravana pelo dito “Brasil real” para apontar as mazelas do governo capitalista pareciam não existir mais. Já dos que haviam criticado e se posicionado contra o Plano Real, nem uma sombra restou.

Lula passara a ser o comandante de um partido pronto a dar garantias de que seria perfeitamente adequado ao establishment. A Carta ao Povo Brasileiro expressava um cavalo de pau ideológico desavergonhado. Ela dizia que sim, os contratos seriam respeitados, mas queria dizer mais: que o mercado financeiro podia confiar que o governo petista manteria tudo como dantes. A Carta sepultou as palavras de ordem e mudou a forma de o Partido dos Trabalhadores compreender a realidade. Antigos inimigos execráveis passaram, rapidamente, à condição de parceiros.

Bagunça institucional - William Waack

O Estado de S. Paulo

A estagnação política está à espera de alguma grande crise, talvez a fiscal

O conflito entre STF e Câmara dos Deputados não é recente nem tem solução. É mais fácil criar uma nova Assembleia Constituinte do que tentar resolver via Judiciário nosso sistema de governo.

Essa geringonça que não funciona é, ao mesmo tempo, causa e consequência da deterioração da ordem institucional. As raízes são históricas e culturais em sentido amplo, mas sua face mais evidente é a da profunda distorção no equilíbrio entre os Poderes.

Não é algo que possa ser resolvido pelo que pensam ministros do Supremo. E o que um bom número deles pensa foi escancarado pelo ministro Flávio Dino ao mandar a Polícia Federal investigar a liberação de emendas parlamentares.

Em conversas particulares vários ministros qualificam a direção coletiva da Câmara como “caso de polícia”. E, ao comentar a queda de braço política entre os Poderes, afirmam que não se trata de disputa por “princípios republicanos”. “É apenas pela grana”, diz um deles, sem rodeios.

Trump ameaça mundo com porrete grande - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Nova política americana do porrete grande pode causar também mais tumulto financeiro

Donald Trump ameaça recriar a Zona do Canal do Panamá, território ocupado pelos Estados Unidos de 1903 a 1979, entregue de fato e finalmente aos panamenhos apenas em 1999. Diz que a administração do canal cobra taxas caras dos navios americanos. Se não derem um jeito, Trump diz que vai exigir o canal de volta.

O Panamá foi extraído de vez da Colômbia em 1903. O então presidente Theodore Roosevelt mandou os fuzileiros navais "apoiarem" uma revolta de secessão panamenha. Naquela época, os americanos tentavam, mas não conseguiam, arrancar um acordo dos colombianos a fim de construírem e mandarem no futuro Canal do Panamá.

Uma estrutura em situação precária - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Loteamento de órgãos técnicos e apetite por emendas expande uma feira livre cada vez mais pobre

A lei que criou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, em 2001, autorizou a instalação de superintendências regionais para facilitar o trabalho do órgão. Hoje, essas unidades atuam em todos os estados na administração do sistema viário do país, envolvendo "sua operação, manutenção, restauração ou reposição".

desabamento de uma ponte que liga Tocantins ao Maranhão é uma prova de que essa rede não funciona —ao menos não para o que deveria. O departamento sabe há anos que a estrutura estava em condições precárias. Se as autoridades dos dois lados da divisa foram incapazes de tomar alguma providência, é o caso de procurar saber o que elas fazem ali.

Assim se fez a democracia - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Um filme, um show e um livro ajudam a memória coletiva da ditadura e da construção democrática

Nos últimos meses, a arte nos trouxe de volta o que de pior e melhor aconteceu ao longo dos sombrios 20 anos da ditadura militar. Guiados pela sensibilidade e inteligência do cineasta Walter Salles, entramos nos porões da tirania, onde opositores eram presos, torturados e, não raro, mortos. O filme "Ainda Estou Aqui" —um êxito de bilheteria— conta a história de Eunice, viúva de Rubens Paiva, ex-deputado do PTB, preso e torturado até a morte por agentes da repressão.

Já em um show visto por multidões, as vozes ainda poderosas de Caetano Veloso e Maria Bethânia rememoram a explosão de rebeldia e criatividade da música popular brasileira dos anos 1970 e que o regime autoritário tentou calar —em vão.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Nova vacina contra dengue exige análise veloz da Anvisa

O Globo

Desenvolvida pelo Instituto Butantan, ela traz vantagens logísticas, pode ser produzida em escala e deter epidemia

Até o início deste mês já havia 6,6 milhões de casos de dengue notificados no Brasil, o quádruplo do total registrado em 2023. As mortes chegavam a 5.922 até o último dia 14, quase o quíntuplo. Para combater a doença, é necessária ação em duas frentes. A primeira, bastante conhecida, embora nem sempre executada de modo eficaz, consiste em erradicar os focos onde prolifera o mosquito Aedes aegypti, transmissor da moléstia. A segunda é a vacinação — e o Brasil acaba de dar um passo fundamental com o desenvolvimento de uma nova vacina pelo Instituto Butantan, de São Paulo.

Dino, o Xandão das emendas? - Vera Magalhães

O Globo

Insistência do ministro do STF em regular a liberação das emendas adquire um potencial de paralisia do governo

Já havia entre deputados e senadores o temor de que Flávio Dino se eternizasse como uma espécie de xerife das emendas parlamentares, mantendo a relatoria de toda e qualquer ação que ingressar no Supremo Tribunal Federal a respeito do tema e solicitando à Polícia Federal a abertura de inquéritos em série para fiscalizar a destinação dos recursos orçamentários. A nova decisão do ministro, suspendendo novamente a destinação dos recursos, reforçou essa percepção.

Emendas são foco de corrupção desde que o mundo é mundo. Com o alargamento, a partir do governo Jair Bolsonaro, do quinhão do Orçamento da União a que os congressistas têm acesso, a partir de diferentes rubricas e de expedientes de pouca transparência, as denúncias de desvios de recursos explodiram.

O golpe final de Arthur Lira: cambalacho, sigilo e deboche - Breno Pires

Revista piauí

A derradeira manobra do presidente da Câmara captura as emendas das comissões, privilegia Alagoas mais uma vez, descumpre lei e zomba das decisões do STF

Poucas vezes, talvez apenas no regime de exceção, uma autoridade nacional fez tão pouco caso de decisões do Supremo Tribunal Federal – e tripudiou sobre determinações legais. Como golpe final de seu quadriênio como presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) acaba de comandar uma operação ilegal que anula os poderes das comissões permanentes e promove desvio do destino previamente determinado para as emendas, redirecionando os recursos para o estado que o elegeu, e inaugura uma nova fase do orçamento secreto. Dessa forma, acaba de ser criado um novo mecanismo: as “emendas dos líderes”, cujo objetivo é o de sempre: esconder quem é quem nas planilhas de bilhões de reais.

O cambalacho é liderado por Lira, mas tem como cúmplices dezessete líderes partidários da Câmara, incluindo seu probabilíssimo sucessor, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o líder do governo Lula, José Guimarães (PT-CE).

O esquema começou a ser gestado na tramitação da Lei Complementar nº 210, sancionada em 25 de novembro deste ano, quando os legisladores estabeleceram que as emendas de comissão poderiam ser indicadas pelos líderes partidários. Até aí, embora a medida não favorecesse muito a transparência, não havia irregularidades. A lei deixava claro que as trinta comissões permanentes da Câmara deveriam analisar as indicações recebidas de seus integrantes, aprovar as que coubessem e então fazer esses valores “constar de atas, que serão publicadas e encaminhadas aos órgãos executores” – ou seja, os ministérios.

Drummond em três tempos - Bernardo Mello Franco

O Globo

Em agosto de 1954, Getúlio Vargas puxou o gatilho e saiu da vida para entrar na História. Ao ouvir a notícia, Carlos Drummond de Andrade pôs papel na máquina e começou a bater a crônica do dia seguinte. “Súbito, a pessoa do presidente deixou de interessar ao debate político. As queixas contra ele desaparecem, e a paixão se cala, como vazia de seu objeto”, escreveu.

Após meditar sobre o respeito aos mortos, o poeta anotou que a carta-testamento dividia a nação “em dois grupos que guerreiam: o dos pobres e humilhados e o dos ricos e opressores”. “Entre os que, de consciência limpa, divergiam do presidente, estavam muitos dos melhores e mais puros homens do país, e não mereciam ser tratados como inimigos do povo”, protestou.

O novo ministério de Lula 3.0 – Elio Gaspari

O Globo

Com os maus ventos da economia, Lula. preencheu o vazio do período de Festas e o início do recesso com a novidade de uma reforma ministerial. Como ela acabará, não se sabe, mas começou mal.

Paulo Pimenta, o ministro-chefe da Secom, deverá ser substituído pelo marqueteiro Sidônio Palmeira. Essa mudança parte da premissa de que o governo se comunica mal. É uma meia verdade. A outra metade está na falta de ações e de criatividade que marcaram o Lula 1.0. O pacote de contenção de gastos foi envenenado por bruxarias da ekipekonômika plantando as virtudes do confisco de parte do seguro-desemprego, sem ouvir o ministro do Trabalho.

No mundo da comunicação, a única novidade, com que Pimenta nada teve a ver, foi a constatação de que as fotografias postadas pelo Planalto sofrem uma discreta manipulação. Com a ajuda de filtros, Lula aparece sempre corado e fagueiro. Seus visitantes acabam cobertos por uma velatura cinzenta. Disso resultou que Fernanda Torres e Chico Buarque ficaram com uma aura vampiresca. Malvadeza.

Pausa para DR – Zeina Latif

O Globo

Respostas são necessárias para desatar os nós, tempestivamente, por meio de discursos e ações fiscalmente responsáveis, para assim evitar a materialização das altas de juros sinalizadas

O estresse dos mercados decorre apenas do tímido pacote fiscal? Sem dúvida, ele foi o gatilho, mas há agravantes.

O contexto externo importa. O risco de uma política monetária mais restritiva nos EUA, aliado à desaceleração em curso na China, tem levado ao fortalecimento do dólar. Seu nível atual contra uma cesta de moedas de países emergentes é superior aos dos primeiros meses da pandemia, quando bateu recordes.

Claro que não é só isso. Estivéssemos nas mesmas condições internas das de dezembro de 2023, a cotação do dólar estaria na casa de R$ 5,30, e não acima de R$ 6.

A "sombra de futuro" de um Natal memorável – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O mundo desaprendeu e continua sendo palco de guerras sangrentas. A crise humanitária é significativa, com 76 milhões de deslocados, a maioria por causa desses

O filme Joyeux Noël (Feliz Natal), de 2005, dirigido por Christian Carion, é um auto de Natal no contexto histórico da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A coprodução reuniu cinco nações europeias (França, Alemanha, Reino Unido, Bélgica e Romênia) para uma ode à paz em quatro idiomas: francês, alemão, inglês e romeno. Diane Kriger (Anna Sorensen), Benno Fürmann (Tenente Nicolau Sprink), Guilhaume Canete (Tenente Audebert), Daniel Brühl (Hostmayer) e Gary Lewis (Padre Palmer) brilham nos papéis principais.

Em defesa da democracia, Justiça foi protagonista em 2024 - Luana Patriolino

Correio Braziliense

Judiciário lidou com questões sensíveis na política brasileira, com destaque para o avanço das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado, com conclusão prevista para o início de 2025, e das regras de transparência das emendas parlamentares

No centro das discussões mais importantes da política brasileira, o Poder Judiciário teve, em mãos, questões essenciais para o funcionamento da democracia do país. O Supremo Tribunal Federal (STF) se debruçou em regras de transparência e rastreabilidade das emendas parlamentares, além de avançar na investigação sobre tentativa de golpe de Estado e debater a responsabilidade das plataformas digitais no combate às notícias falsas. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o desafio foi o enfrentamento do uso malicioso da inteligência artificial (IA) nas eleições municipais de 2024.

O agro e a fome: dilema brasileiro - Lea Vidigal*

Correio Braziliense

Somos uma potência na produção agrícola e alimentar convivendo com o drama da fome e dos altos preços dos alimentos. Podemos alimentar o mundo, mas devemos alimentar os brasileiros

A fome é o maior dilema brasileiro. Dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, até o fim do ano de 2023, pouco mais de 4% da população do país estava em estado de insegurança alimentar grave. Em números absolutos, 3,2 milhões de pessoas. Bem menos que os 19,1 milhões que sofreram de insegurança alimentar grave em 2020, durante a pandemia da covid-19. Ainda assim, continuamos no Mapa da Fome da ONU (2024), e o contingente de 21,6 milhões (27,6%) de brasileiros sob algum tipo de insegurança alimentar em 2023 é imenso. 

Feliz 2015, ops, 2025! - Fábio Alves

O Estado de S. Paulo

Sem correção de rumos nas contas do governo em 2025, o que aconteceu em 2015 será fichinha

O mercado brasileiro encerra 2024 sob um estresse agudo, com o governo Lula no meio de uma grave crise de credibilidade fiscal, mas o pior é que ninguém afasta o risco de 2025 ser ainda mais turbulento, numa repetição de 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff.

Naquela ocasião, o ambiente econômico se deteriorou de tal forma e velocidade que acabou contribuindo para o processo político de impeachment da ex-presidente no ano seguinte. Só para lembrar: a inflação subiu 10,67% em 2015, mas a projeção do mercado no início daquele ano era de uma alta de 6,56%. Já o PIB registrou queda de 3,8%, enquanto o consenso das projeções, no início do ano, apontava um crescimento de 0,5%. E o dólar, que fechou 2014 cotado a R$ 2,6550, encerrou 2015 a R$ 3,9601, alta de 48,9%.

Erros e ilusões na comunicação - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Presidente Lula ignora o mundo ao pedir que a Secom se restrinja a divulgação de feitos

No início do mês, Lula criticou duramente a comunicação do governo. Disse com todas as letras que "há um erro no governo na questão da comunicação" e se declarou obrigado a "fazer as correções necessárias". Esperem mudanças, portanto.

Que a comunicação governamental nunca tenha funcionado perfeitamente não é um diagnóstico difícil. A questão, contudo, é se a sua falha está nas causas que Lula aponta. Acho que não. Lula entende a comunicação governamental essencialmente como "divulgação das ações do governo". Faz, então, um cálculo simples: se sua administração está indo bem, mas uma parcela significativa dos brasileiros continua desconfiada ou insatisfeita, a informação não está chegando.

Síria, do júbilo à realidade - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Quedas de ditaduras devem ser celebradas, mas é preciso estar atento para os riscos futuros

Quedas de ditaduras geram sempre justificado júbilo para os povos libertados. O regozijo, contudo, não deve nos cegar para os perigos futuros. Não foram poucas as transições que acabaram dando lugar a ditaduras até piores que a original ou a cenários de mortífera anomia.

HTS (sigla árabe para Organização para a Libertação do Levante), o grupo que parece estar no comando da Síria, até vem dando as declarações certas. Fala em organizar eleições em breve e promete respeitar direitos de todas as facções políticas e religiosas.

A surpresa natalina de Dino para o centrão - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Ordem para investigar sistema de partilha de emendas vai incomodar líderes do Congresso

Flávio Dino preparou uma surpresa natalina para o centrão. Na segunda (23), em pleno recesso de fim de ano, o ministro do STF mandou suspender o pagamento das emendas que representam a principal moeda do balcão de negócios do grupo. Foram bloqueados mais de R$ 4 bilhões. Como brinde, a Polícia Federal deve abrir uma investigação sobre o uso político do dinheiro.

O congelamento das emendas era uma questão de tempo. O tribunal já havia suspendido os pagamentos mais de uma vez, exigindo o mínimo de transparência na distribuição da verba. Os parlamentares descumpriram quase todas as decisões da corte, muitas vezes com apoio do governo e sempre à luz do dia.

É o melhor Natal desde 2013, mas não parece - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pesquisas indicam mal-estar, economia não explica pessimismo, que cresce

A leitora diria que o clima no país está bom? É pergunta vaga, que suscita respostas impressionistas. Mas é apenas de um jogo, um exercício mental. Desconsidere, por ora, avaliação mais objetiva sobre condições materiais de vida ou sobre o estado da política, por exemplo. Como parece o humor de seus concidadãos?

Vivemos o "melhor Natal" desde 2013. A expressão vai entre aspas porque costuma apenas descrever balanços de vendas do comércio ou de indicadores como salário médio ou renda per capita. As pessoas podem estar insatisfeitas com sua situação econômica ainda que tenham melhorado de vida. Podem ter insatisfações gerais mesmo que reconheçam melhoras na economia.

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula sujeita a uso político as agências reguladoras

O Globo

Ao negociar escolha de diretores com Alcolumbre, ele mina a independência essencial para o sucesso do modelo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu a prática do antecessor, Jair Bolsonaro, de dar ao Congresso a prerrogativa de indicar nomes para as diretorias das agências reguladoras. Para prestigiar o senador Davi Alcolumbre (União-AP), favorito para comandar o Senado a partir de fevereiro, o governo antecipou a negociação das indicações. Há 17 vagas a preencher, e mais dez serão abertas em 2025. Com a decisão, Lula tenta melhorar o relacionamento com o Parlamento, mas os efeitos da tentativa de pacificação política serão deletérios.

As agências foram criadas na década de 90, na esteira da reforma do Estado nos governos de Fernando Henrique Cardoso. Privatizações, concessões e parcerias entre os setores público e privado exigiam independência nas instituições de regulação, tanto em relação ao governo quanto aos interesses empresariais. Dotados de mandatos fixos e não coincidentes com o calendário eleitoral, os diretores das agências têm a missão de assegurar a estabilidade nas regras em todos os mercados, sobretudo para os consumidores. Devem garantir que contratos, muitos deles de longo prazo e envolvendo cifras bilionárias, sejam cumpridos, independentemente de quem esteja no poder. Não chegou a ser surpresa que os investimentos e as chances de sucesso de políticas públicas aumentaram, desestimulando a prática de começar tudo do zero a cada quatro anos.

Esta não é uma comédia natalina – Pedro Doria

O Globo

A história de como se deu uma operação de ataque virtual maciça contra a atriz Blake Lively, revelada na edição de domingo do New York Times, ensina muito sobre como funciona a comunicação na internet. Sobre como as redes sociais são facilmente manipuláveis. Custa algum dinheiro construir o consenso a respeito de um tema, mas não é difícil. Por tabela, somos todos também presas fáceis dessa manipulação. As táticas usadas contra ela também não se limitam ao mundo do entretenimento. Fazem parte do arsenal de incontáveis grupos políticos pelo mundo.

Dino acaba com a farra de Natal - Merval Pereira

O Globo

O ministro do Supremo mostra que não tem nenhum tipo de amarras, nem mesmo com o governo

Muitos parlamentares passarão o fim de ano sem os presentes que prepararam para si próprios e para os seus. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino acabou com a festa das emendas parlamentares antes do Natal, e fez muito bem. Suas decisões não foram seguidas pelo Congresso. O Parlamento achou que podia dar um jeito, driblar as exigências de transparência, de definição clara de quem envia o dinheiro, para quem e por quê. Exatamente para evitar o que acontecia — o dinheiro ir para municípios sem destinação prévia e sem obrigação de prestação de contas —, uma farra com o dinheiro público que tinha de ser controlada.

Emendas em nova frente de conflitos - Míriam Leitão

O Globo

Decisão de Dino vai na mesma direção de todas as outras que têm buscado ao longo do tempo garantir transparência ao uso do dinheiro público

O ano estava terminando quando houve novo evento na conflagrada relação entre Congresso e Judiciário. Ontem, dia 23, antevéspera de Natal, o ministro Flávio Dino mandou suspender a execução de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissões. O problema é que parte das emendas havia sido remanejada exatamente quando o funcionamento de todas as comissões havia sido suspenso. Ao serem remanejadas, 40% delas passaram a beneficiar Alagoas, terra natal do presidente da Câmara, Arthur Lira. Esse é mais um capítulo da mesma luta travada durante o ano todo para desmontar o orçamento secreto. Ele sempre reaparece e se refaz, de outra forma, com novo nome.

Flávio Dino suspende pagamento das emendas de Arthur Lira - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A partir de 2025, as bancadas e as comissões da Câmara e do Senado deverão registrar, em ata, o nome do parlamentar que sugeriu cada emenda ao Orçamento

Estava escrito nas estrelas que as emendas do “orçamento secreto” se tornariam casos de polícia. Nas últimas semanas, várias operações de busca e apreensão e ordens de prisão foram executadas pela Polícia Federal (PF) em razão de desvios de recursos dessas emendas, por meio de obras e serviços superfaturados, com objetivo de engordar o caixa dois eleitoral e o patrimônio de políticos, servidores e empresários envolvidos. Ontem, o vice-prefeito de Lauro de Freitas, Vidigal Cafezeiro (Republicanos), e outras três pessoas foram presas por suspeita de desvio de dinheiro de emendas parlamentares.

Lula destaca respeito e harmonia entre poderes em discurso de Natal - Raphael Pati

Correio Braziliense

Presidente agradeceu às orações por cirurgia e disse que está "mais firme e forte para continuar a fazer o Brasil dar certo"

Em tradicional discurso da véspera de Natal, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), destacou a relação entre os Três Poderes e os governos estaduais e municipais. No pronunciamento realizado em cadeia nacional nesta segunda-feira (23/12), o chefe do Executivo disse que o diálogo e trabalho conjunto com outras esferas do poder público é a “base de tudo o que fazemos”.

Admirável mundo novo - Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo

Estão governo e empresas brasileiras conscientes das mudanças e preparados para defender os interesses nacionais neste novo cenário mundial?

No meio de grandes transformações na economia e na ordem internacional, estamos entrando numa nova etapa histórica pela interação de diversos fatores de grande intensidade.

Em primeiro lugar, a supremacia ocidental econômica, financeira e militar dos últimos 200 anos está sendo questionada e, na visão de muitos, está sendo reduzida. O mundo começa a se dividir em um grupo de nações ocidentais (sem definição geográfica) – EUA, Europa, Japão, Austrália e outras – e, de outro, um crescente grupo de nações, liderado pela China, tendo como base o Brics, formado por dez países, com 13 nações convidadas como associadas e mais de uma dezena pedindo para integrá-lo. A influência dos EUA, como a nação mais poderosa do mundo, parece estar em declínio, como se vê na tentativa de conter o conflito no Oriente Médio.

‘La nave va’ - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Violência, provas do golpe, crise fiscal, dólar, juros e emendas parlamentares… Feliz Natal!

As expressões que dominaram o debate e as preocupações de 2024 no Brasil vão ficar de herança para 2025: violência, tentativa de golpe, crise fiscal, juros, dólar e emendas parlamentares, que infernizam a vida dos brasileiros, azedam o humor nacional e respingam no governo, mesmo quando ele não tem nada a ver diretamente com isso.

No escândalo das emendas, pode-se até dizer que este governo (mais um…) é refém do Congresso e, simultaneamente, corréu e vítima da enxurrada de dinheiro público que sai de planilhas de Câmara e Senado, passa pelo Planalto e chega sabe-se lá onde – e se devidamente como a lei, a ordem e os princípios básicos de gestão pública mandam.

Lula brigou com o mercado e perdeu - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Falas contra a responsabilidade fiscal não criaram o problema, mas dificultam a solução

Até quando Lula vai brigar com "o mercado"? Diz-se que o mercado —ou seja, os investidores profissionais— é contra o presidente. Pode até ser. Óbvio que não se trata de profissionais fazendo apostas ruins intencionalmente para derrubar o governo; esse tipo de discurso beira a insanidade. Mas não me parece absurdo ver uma sensibilidade maior do mercado com Lula do que com outros atores.

Quando o Congresso aprova a prorrogação de isenção fiscal a vários setores econômicos, não me consta que os investidores tenham reagido com a mesma sensibilidade com que reagem a uma tirada do presidente.