Folha de S. Paulo
Novo livro de Mark Lilla destrincha os
mecanismos pelos quais pessoas optam ativamente por não saber
Aristóteles escreveu que o ser humano busca o
conhecimento. Acho até que dá para avançar um pouco mais e afirmar que quase
tudo de bom que a civilização nos proporciona se deve ao fato de termos esse
impulso natural pelo conhecimento e sermos capazes de acumulá-lo coletivamente
e transmiti-lo às próximas gerações.
Se cada pessoa que chega ao mundo tivesse de reinventar a roda e recriar a escrita por conta própria, a história de nossa espécie seria muito diferente. Talvez nem houvesse História.
Mark Lilla mostra em "Ignorance and Bliss"
(ignorância e contentamento) que Aristóteles capturou apenas parte do quadro.
Existem situações em que humanos fazemos uma opção preferencial pela
ignorância. E existem períodos históricos em que essa tendência assume
proporções epidêmicas. Vivemos numa dessas épocas.
A ignorância voluntária se manifesta das mais
variadas formas. Ela pode vir como crença em falsos profetas, em rumores
infundados, em pensamento mágico e outras formas de fanatismo. Em muitas dessas
situações, optamos por não saber porque a busca pela verdade nos obrigaria a
questionar coisas que julgamos já saber e que nos dão conforto e senso de
propósito.
Lilla destrincha esse e outros mecanismos
psicológicos pró-ignorância e o faz recorrendo a não apenas a situações do
mundo real como também da literatura. Sófocles, Dostoiévski e Freud são grandes contribuidores do livro, o que torna
sua leitura um smorgasbord intelectual.
O autor reserva palavras especialmente duras
para Paulo de Tarso. Segundo Lilla, foi este santo católico que criou e deu lustro a uma ideologia
anti-intelectualista que se fixou no pensamento cristão e depois vazou para
sociedades seculares.
O curioso é que o próprio Paulo não era um ignorante, muito pelo contrário. Ele conhecia bem a filosofia grega e era versado na lei judaica. Mas, imbuído do espírito prosélito dos fanáticos, pensava que uma verdadeira conversão ao cristianismo passava pela destruição de crenças anteriores. Foi Paulo de Tarso que deu respeitabilidade à ignorância.
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