O Globo
Governo continua explicando as medidas
fiscais, mas dólar sobe de novo puxado também pela ameaça de Trump contra os
Brics
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, tentou explicar a lógica da negociação interna no governo para dar legitimidade política às medidas fiscais, ao falar a um banco em São Paulo. Pode ter pregado no deserto. Explicou que a demora na divulgação devido à negociação com os ministérios atingidos não é ruim nem enfraquece o ministro da Fazenda. Ruim seria anunciar tudo, exatamente como a Fazenda elaborou, e no dia seguinte receber críticas de todos os ministérios. “Até para que fique claro, a resposta política bem articulada significa que a gente não vai ter problema no governo”, disse, acrescentando que Casa Civil e a Fazenda estão mais alinhadas do que nunca.
O dólar
continuou a subir, como tem feito até antes de as medidas de corte
de gastos serem anunciadas e isso reflete a crise de confiança em relação à
política fiscal. Há também um motivo externo: o presidente eleito Donald Trump fez ameaça
direta aos países do Brics, caso avancem com o projeto de substituir o dólar
nas transações do bloco. Falou em tarifas de 100%. Mas o que
tem pesado mais no Brasil é o mau humor em relação às contas públicas.
O presidente Lula concordou
em mudar a sua própria política de valorização do salário mínimo. Agora o
salário mínimo, e todas as despesas vinculadas a ele, como as pensões,
aposentadorias e benefícios sociais, só poderão subir de acordo com a regra do
arcabouço. Isso tem um evidente impacto em disciplinar o crescimento das
despesas, e reduzir a pressão fiscal nos próximos dois anos. Segundo Durigan,
os pisos de saúde e educação não foram incluídos porque isso aumentaria muito o
custo político, tomaria tempo do debate, o que impediria que as medidas fossem
aprovadas agora. Além disso, explicou, o efeito fiscal não seria relevante nos
próximos anos.
O que provocou a primeira reação do mercado
financeiro ainda na quarta-feira passada foi o erro de misturar o anúncio dos
cortes, que vão ser discutidos de imediato no Congresso, com uma benesse
futura, que é a isenção do imposto de renda que será apresentada mesmo em 2025.
Misturar as duas coisas só deu confusão: a ideia era mostrar que o governo
estava tomando medidas amargas, só que tinha na mesa também propostas para
aumentar a justiça tributária, em que os que ganham menos não pagam imposto de
renda, os que ganham mais cobrem o custo. Por mais que isso seja explicado em
cada entrevista, em cada palestra, como ontem a de Durigan, não faz efeito em
melhorar o clima no mercado financeiro.
Parte da pressão sobre os preços dos ativos
vem também do fato de que na semana que vem será a última reunião do Copom da
atual diretoria, com o presidente Roberto
Campos Neto, e as projeções são de altas maiores da taxa de juros,
porque o quadro inflacionário piorou. O governo tem dado sinais esquisitos de
que daqui para a frente o Banco Central será outro. O ministro Rui Costa disse
recentemente que “em breve teremos uma nova direção (no BC) que vai adotar
políticas técnicas, autônomas, mas comprometidas com o Brasil”. O risco é
exatamente a nova administração ser entendida como tendo perdido, na prática, a
sua independência. Ontem, o futuro presidente Gabriel Galípolo teve que falar
que o “BC não vai segurar o câmbio no peito”, e que, como a economia está
crescendo mais do que se previa, com um desemprego menor, isso talvez torne
necessário “política monetária restritiva por mais tempo”.
O que está acontecendo na economia neste
momento é que o governo cometeu um erro de tentar açucarar um pacote que era
para ser salgado. Continua sendo salgado, é um bom pacote, e é desafiador
aprová-lo no Congresso em apenas três semanas. A conjuntura internacional
piorou muito com a eleição de Trump, porque ele tem emitido sinais cada vez
mais insanos. A inflação acima do teto da meta pressiona o Banco Central a
aumentar mais os juros. Ao mesmo tempo, o governo emite sinais de que tem a
expectativa de que a mudança na direção leve a aumentos menores nos juros e até
quedas. Tudo junto está alimentando essa piora nos preços de todos os ativos.
Apesar do ruído no mundo das finanças, a economia real continua com bons indicadores. Hoje será divulgado o PIB do terceiro trimestre. Subiu menos do que no segundo trimestre, mas o número comprovará que a economia está caminhando para mais de 3% de alta no PIB em 2024.
Ainda bem!
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