terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A lógica política e a econômica - Míriam Leitão

O Globo

Governo continua explicando as medidas fiscais, mas dólar sobe de novo puxado também pela ameaça de Trump contra os Brics

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, tentou explicar a lógica da negociação interna no governo para dar legitimidade política às medidas fiscais, ao falar a um banco em São Paulo. Pode ter pregado no deserto. Explicou que a demora na divulgação devido à negociação com os ministérios atingidos não é ruim nem enfraquece o ministro da Fazenda. Ruim seria anunciar tudo, exatamente como a Fazenda elaborou, e no dia seguinte receber críticas de todos os ministérios. “Até para que fique claro, a resposta política bem articulada significa que a gente não vai ter problema no governo”, disse, acrescentando que Casa Civil e a Fazenda estão mais alinhadas do que nunca.

O dólar continuou a subir, como tem feito até antes de as medidas de corte de gastos serem anunciadas e isso reflete a crise de confiança em relação à política fiscal. Há também um motivo externo: o presidente eleito Donald Trump fez ameaça direta aos países do Brics, caso avancem com o projeto de substituir o dólar nas transações do bloco. Falou em tarifas de 100%. Mas o que tem pesado mais no Brasil é o mau humor em relação às contas públicas.

O presidente Lula concordou em mudar a sua própria política de valorização do salário mínimo. Agora o salário mínimo, e todas as despesas vinculadas a ele, como as pensões, aposentadorias e benefícios sociais, só poderão subir de acordo com a regra do arcabouço. Isso tem um evidente impacto em disciplinar o crescimento das despesas, e reduzir a pressão fiscal nos próximos dois anos. Segundo Durigan, os pisos de saúde e educação não foram incluídos porque isso aumentaria muito o custo político, tomaria tempo do debate, o que impediria que as medidas fossem aprovadas agora. Além disso, explicou, o efeito fiscal não seria relevante nos próximos anos.

O que provocou a primeira reação do mercado financeiro ainda na quarta-feira passada foi o erro de misturar o anúncio dos cortes, que vão ser discutidos de imediato no Congresso, com uma benesse futura, que é a isenção do imposto de renda que será apresentada mesmo em 2025. Misturar as duas coisas só deu confusão: a ideia era mostrar que o governo estava tomando medidas amargas, só que tinha na mesa também propostas para aumentar a justiça tributária, em que os que ganham menos não pagam imposto de renda, os que ganham mais cobrem o custo. Por mais que isso seja explicado em cada entrevista, em cada palestra, como ontem a de Durigan, não faz efeito em melhorar o clima no mercado financeiro.

Parte da pressão sobre os preços dos ativos vem também do fato de que na semana que vem será a última reunião do Copom da atual diretoria, com o presidente Roberto Campos Neto, e as projeções são de altas maiores da taxa de juros, porque o quadro inflacionário piorou. O governo tem dado sinais esquisitos de que daqui para a frente o Banco Central será outro. O ministro Rui Costa disse recentemente que “em breve teremos uma nova direção (no BC) que vai adotar políticas técnicas, autônomas, mas comprometidas com o Brasil”. O risco é exatamente a nova administração ser entendida como tendo perdido, na prática, a sua independência. Ontem, o futuro presidente Gabriel Galípolo teve que falar que o “BC não vai segurar o câmbio no peito”, e que, como a economia está crescendo mais do que se previa, com um desemprego menor, isso talvez torne necessário “política monetária restritiva por mais tempo”.

O que está acontecendo na economia neste momento é que o governo cometeu um erro de tentar açucarar um pacote que era para ser salgado. Continua sendo salgado, é um bom pacote, e é desafiador aprová-lo no Congresso em apenas três semanas. A conjuntura internacional piorou muito com a eleição de Trump, porque ele tem emitido sinais cada vez mais insanos. A inflação acima do teto da meta pressiona o Banco Central a aumentar mais os juros. Ao mesmo tempo, o governo emite sinais de que tem a expectativa de que a mudança na direção leve a aumentos menores nos juros e até quedas. Tudo junto está alimentando essa piora nos preços de todos os ativos.

Apesar do ruído no mundo das finanças, a economia real continua com bons indicadores. Hoje será divulgado o PIB do terceiro trimestre. Subiu menos do que no segundo trimestre, mas o número comprovará que a economia está caminhando para mais de 3% de alta no PIB em 2024.

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