O Globo
A alta do dólar e a erosão da popularidade do
governo fecharam a primeira metade de Lula 3.0. Prenuncia-se uma segunda metade
cinzenta, na qual acumulam-se dificuldades do calendário, como o ano eleitoral,
e imprevistos, como a incerteza em relação à saúde do presidente. Uma coisa era
certa: a mágica verbal com a economia teria um limite e se esgotou.
Desde sua posse, Lula alternou malabares. Nos
dias pares, culpava Roberto Campos Neto por uma economia que patinava. Nos
ímpares, buscava, sem sucesso, um protagonismo internacional. Gastou dois anos
tentando trocar êxitos, como a reforma tributária, enquanto escondia que seu
governo não cortava despesas. Portanto, não cumpriria a meta do equilíbrio
fiscal prometido durante a campanha eleitoral.
O golpe final na mágica veio do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, esvaziando a teoria segundo a qual o real desvalorizou-se por causa de um ataque especulativo. Nas suas palavras:
—Eu acho que não é correto tentar tratar o
mercado como um bloco monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa
só, que está coordenada, andando em um único sentido.
Galípolo cortou o caminho para a criação de
um novo bode. O dólar estaria onde está porque a Faria Lima, essa eterna
malvada, moveu-lhe um ataque especulativo. Tudo culpa da ganância. Se a Faria
Lima especulou, fez isso enquanto fingia acreditar no Lula 3.0. Muita gente boa
perdeu dinheiro porque fingiu demais.
Há especulação na alta do dólar, mas na
essência ela reflete falta de confiança no governo. O “mercado” fingiu por dois
anos que acreditava nas promessas. Como em todos os piripaques da economia, num
determinado momento ele para de fingir. No Brasil, essa dissimulação ocorre com
grandes empresários elogiando o governo no atacado, com entrevistas ou eventos,
enquanto bicam no varejo, no escurinho de Brasília.
Na segunda metade do mandato, essa esperteza
estará congelada. Com a chegada do verão na vida real, começou o inverno na
economia.
Múcio desembarca
Estava escrito nas estrelas: como revelou a
repórter Mônica Bergamo, o ministro da Defesa, José Múcio, quer ir embora.
Múcio desembarcará em silêncio, como em
silêncio deu a Lula e ao Brasil a retirada dos militares da ribalta. Depois de
quatro anos de Bolsonaro, isso não foi pouca coisa.
Se a infantaria petista não se acalmar e se a
Casa Civil de Rui Costa não calçar as sandálias da humildade, Ricardo
Lewandowski será o próximo a pedir para sair.
Lula tem dois tipos de ministros: os que
querem ficar e os que não precisam ficar.
Quando um ministro que não precisa ficar quer
desembarcar, é bom que se preste atenção.
Justiça militar
Por 8x6, o Superior Tribunal Militar, última
instância dessa modalidade de Justiça, reduziu de 28 anos para menos de 4 anos
a pena dos oito integrantes da patrulha que em 2019 deu 257 tiros no carro em
que viajava o músico Evaldo Rosa, com a família. Sessenta e dois tiros
acertaram. Evaldo morreu e seu sogro foi ferido. O catador Luciano Macedo, que
tentou socorrê-los, também foi morto.
As penas foram reduzidas no tamanho e,
sobretudo, na qualidade. Todas serão cumpridas em regime aberto.
Evaldo e sua família nada tinham a ver com
nada. Foram confundidos por um oficial inepto.
O STM tem 15 juízes, dez dos quais são
militares que chegaram ao topo de suas carreiras.
Tamanha audácia surpreendeu, porém apenas
confirmou a lição do presidente francês Georges Clemenceau (1841-1929):
— A Justiça Militar está para a justiça assim
como a música militar está para a música.
Clemenceau foi injusto com a música militar.
Ela produziu umas poucas boas peças.
O processo dos golpistas
Pelo andar da carruagem, se algum réu do
inquérito do golpe conseguir ser julgado pela Justiça Militar, o desfecho será
previsível: Lula será condenado por ter vencido a eleição.
A Sete Brasil foi a pique
Foi decretada a falência da Sete Brasil, a
empresa inventada no final do Lula 2.0 com a missão de produzir sondas e navios
para a Petrobras. Segundo o depoimento do ex-ministro da Fazenda Antonio
Palocci, os empreiteiros das sondas alimentariam uma caixinha que ele
gerenciaria.
A Sete Brasil gerou roubalheiras e um rombo
de R$ 5,6 bilhões.
Projetos megalomaníacos acontecem, assim como
desastres financeiros. Os empresários que entraram no negócio tinham duas
intenções, a boa e a má. Já os bancos que micaram em alguns bilhões, entraram
para agradar o Planalto.
Se as malfeitorias dos gestores da Sete
Brasil tivessem sido honestamente expostas, seria possível dizer que casos como
esse não se repetirão. Varreram-se este, y otros casos, para baixo de um tapete
onde está escrito que Sergio Moro foi um juiz parcial.
Angela Merkel
Saíram as memórias de Angela Merkel,
primeira-ministra da Alemanha de 2005 a 2021. Quem se lembra de sua figura
seca, não se surpreende com a falta de senso de humor, mas talvez se assuste
com sua egolatria germânica, sem firulas.
Como seria de esperar, ela começa contando o
dia 10 de novembro de 1989 quando o Muro de Berlim foi derrubado. Vivendo no
lado comunista, ela foi ao lado ocidental, tomou uma cerveja e, à noite, voltou
para casa, porque tinha o que fazer.
Para políticos de todo o mundo, um capítulo
serve como lição. Ela só se meteu em política depois de 1989, teve protetores e
o imenso Helmut Kohl deu-lhe um ministério. Chamava-a de “minha menina”.
Como a Alemanha é a Alemanha, no dia 5 de
novembro de 1999 o tesoureiro do partido do governo foi para a cadeia. (O
tesoureiro do PT seria preso em 2015.) Dias depois começou a colaborar com o
Ministério Público. (O similar nacional ralou a cana em silêncio e emplacou um
companheiro para a diretoria do fundo de pensão Petros.)
No dia 16 de dezembro Kohl reconheceu que
havia recebido doações ilegais.
A “menina” viveu dias de agonia até que seis
dias depois, surpreendeu a Alemanha com um artigo dizendo que Kohl estava
prejudicando o partido e o país.
No dia 18 de janeiro, Kohl renunciou à
presidência do partido Democrata-Cristão e, aos poucos, afastou-se da vida
pública, até sua morte, em 2017.
Jogatina
A charanga da jogatina orgulha-se de um
eventual financiamento dos clubes de futebol. Se tudo correr como as casas de
apostas dizem, e o governo acredita, em 2025, o futebol receberá R$ 2 bilhões.
Esse mundo de fantasia ainda não existe, mas
já se sabe que o presidente do Ceará Sporting Club emitiu R$ 45 milhões em
notas frias para simular solidez financeira, iludindo investidores de fundos
interessados em botar dinheiro numa casa de apostas.
Isso tudo está acontecendo quando o Sol da
nova era mal amanheceu.
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