quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Acordão podre das emendas – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Congresso faz chantagem, governo se vira para driblar decisão do STF, também uma gambiarra

Congresso, Supremo e governo organizam um acordão de Natal que deve nos dar de presente outro pacote de apodrecimento da República. Isto é, outro passo na institucionalização progressiva de espécie de feudalismo orçamentário, parte daquilo que por vezes se chama de "semiparlamentarismo", um exagero para uma degradação para a qual ainda não temos nome melhor. É também mais um aspecto da deterioração fiscal que vai nos levar a alguma crise econômica, social e política.

O Supremo definiu umas regras razoáveis para a elaboração de emendas parlamentares ao Orçamento federal. Muito melhores do que as regras definidas pelo Congresso faz pouco, que apenas passam um óleo de peroba na cara de pau da farra antirrepublicana e antieconômica com dinheiros públicos. É aquela lei para inglês ver, que fingia atender a exigências do STF, do ministro Flávio Dino.

O "projeto de lei" do Supremo é melhor, mas é ruim. Além de tratar de inconstitucionalidades, função do tribunal, o STF define, por exemplo, critérios de reajuste anual do pacotão de emendas. Assim, o STF, como em tanto mais, legisla, para nem mencionar que se dá a negociações e debates políticos. A separação de Poderes vai para o vinagre.

O pau nasce torto no Congresso. Lá se havia estabelecido, faz tempo, que o valor total de duas categorias gordas de emendas seria vinculado ao crescimento da receita do governo. Era um modo de institucionalizar mais um dos feudos que dividem dinheiros públicos entre interessados poderosos (há benefícios tributários para empresas, setores, regiões, categorias profissionais ricas, reserva de verbas para currais eleitorais etc.).

Não há racionalidade econômica em vinculação orçamentária quase alguma, ainda menos para emendas parlamentares. As emendas levam cerca de um terço do todos os dinheiros ainda livres (e minguantes) do Orçamento —a depender da conta, de 92% a 95% da despesa do governo federal é obrigatória e crescente de modo inviável (Previdência, salários, educação, saúde etc.).

Para piorar, para dizer o óbvio já muito sabido, as emendas são destinações de dinheiro para fins definidos sem projeto e sem prioridade, criadas de resto de modo a esconder a sua autoria, sem controle de qualidade e aplicação do gasto. Não é bandalheira criminosa em geral, embora bandalheira exista, como se suspeita a cada operação da polícia. Muita vez, é desordem orçamentária, apropriação do poder de definir despesas sem responsabilidade pelo gasto. É dinheiro para o campo de futebol society, picotagem de impostos em projetos sem impacto econômico ou social maior, para o qual não há dinheiro.

O governo Lula precisa aprovar ao menos esse remendo fiscal que acaba de propor. Sem o remendo, o caldo do futuro econômico vai entornar ainda mais (inflação a 6% ao ano? Taxa básica de juros a 14%?). Para tanto, pretende inventar gambiarras legais a fim de driblar a decisão do Supremo sobre emendas parlamentares, ela mesma uma gambiarra. Sem a gambiarra nova, o governo não consegue convencer nem a alta burocracia federal a assinar documentos que liberem os dinheiros para os parlamentares —os servidores temem processos. A lei, para não dizer a Constituição, é uma gelatina que vão ajeitando em uns potinhos de formato fantasia.

A elite empurra o Brasil com a barriga, na ladeira.

 

 

 

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