domingo, 8 de dezembro de 2024

Acordo com UE ainda demora e tem limites - Vinicius Torres Freire

Folha de São Paulo

Lula 3 faz gol; UE terá disputa política ou até jurídica; efeito vai levar ao menos década

O Brasil, com o Mercosul, enfim deu passo importante para fechar um acordo de (quase) livre comércio relevante e, se tudo der certo, inédito (não há livre comércio nem mesmo no Mercosul).Abertura comercial não era ideia querida no Brasil, ainda menos para a esquerda. Mas é um governo de esquerda que está prestes a abrir os portos às nações amigas da União Europeia (ou "muy amigas", como a França). Além disso, ou apesar disso, Lula 3 conseguiu restringir bastante o acesso dos europeus às compras do governo.

Apesar de tanta festa, não se conhece o texto literal do acordo. Como era esperado e na prática inevitável, o Brasil conseguiu apenas aumentos de cotas (limites quantitativos de exportação) em produtos em que é muito competitivo (carnes, por exemplo). Melhor do que nada. Mas o mercado europeu continua fechadão nesse aspecto (de outro modo, poderia haver revolta ainda maior no agro da UE).

Faltam aprovações formais, claro. Politicamente, a coisa parece estar mais bem arranjada do que nunca na União Europeia, mas pode haver rolo. Dizem entendidos que o processo de revisão legal, tradução e assinatura do acordo pode levar um ano. Depois, tem voto.

Para a Comissão Europeia, uma espécie de Executivo da UE, a parte comercial do acordo por ser aprovada sem apoio unânime dos países do bloco. Interessados no bloqueio do acordo teriam de juntar votos de quatro países com população equivalente a pelo menos 35% da UE. Difícil.

Mas a França, principal adversária do acordo, e coalizões políticas e sociais em outros países, dizem que tal mecanismo (separar acordo comercial do resto, "splitting") é ilegal. Em tese, o caso poderia parar na Corte Europeia de Justiça.

Note-se ainda que a redução de impostos de importação a zero pode levar de 4 a 10 anos, a depender do grupo ("cesta") de produtos. No caso de veículos com motor de combustão, pelo menos 15 anos (o acordo de liberalização pode ser suspenso por até 5 anos em caso de excesso de importações). No caso de elétricos ou de tecnologias novas, de 18 a 30 anos.

Quanto à abertura do mercado de compras dos governos, as restrições parecem grandes, ao menos pelo resumo do acordo divulgado pelo Itamaraty. Trocando em miúdos, trata-se da possibilidade de estrangeiros participarem em condições equânimes de concorrências para o fornecimento de bens e serviços para o governo. Podem não ser equânimes se o governo der incentivos a empresas, produtos ou tecnologias nacionais por meio dessas compras. É instrumento de política industrial e desenvolvimento.

Pelo acordo, o mercado fica fechado no caso de compras do SUS. Terá restrições no caso de "encomendas tecnológicas", benefícios para micro e pequenas empresas, agricultura familiar. Compensações ("offsets") tecnológicas e comerciais não terão prazo para acabar, tópico ainda pouco claro. Do que se trata: quando se importam bens, em geral de defesa ou complexos, um governo pode requerer em troca transferência de tecnologia, investimento etc.

A frase mais interessante do texto do Itamaraty é: "[houve] a preservação de margens de preferências para produtos e serviços nacionais". Aqui, nesses termos gerais, passa boi, passa boiada: pode ser qualquer benefício para produtos nacionais em concorrências.

 

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