O Globo
Aos 90 anos, deputada diz que Congresso nunca
foi tão ruim e que esquerda precisa recuperar utopias: ‘A esperança é revolucionária
Aos 8 anos de idade, Luiza Erundina foi
acomodada no lombo de um jegue para fugir da seca em Uiraúna, no interior da
Paraíba. A menina teve vontade de chorar, mas segurou as lágrimas para não
agravar o sofrimento dos pais. “Minha família era pobre e numerosa. Quando não
vinha chuva, tinha que arribar para escapar da fome”, lembra.
A pequena retirante aprendeu cedo a se
indignar com as injustiças. Batalhou para estudar, chegou à universidade, virou
assistente social. Entrou para a juventude católica e se envolveu na luta pela
reforma agrária. “Gostaria de ter feito política na minha terra, mas fui
perseguida pela ditadura ”, conta. Tachada de subversiva, ela teve que mudar de
ares. Por vias tortas, a repressão dava um impulso à sua trajetória.
Erundina migrou para São Paulo, onde passou a
militar em movimentos por moradia. Com a redemocratização, ajudou a fundar o PT
e se elegeu vereadora e deputada estadual. Em 1988, tornou-se a primeira mulher
a conquistar a prefeitura da maior cidade do país.
“Minha vitória foi absolutamente inesperada. Nem meu partido acreditava”, recorda. “Enfrentei preconceito por ser mulher, por ser nordestina, por ser solteira. E por ousar disputar o poder com a burguesia paulistana. Mas nunca me intimidei”, orgulha-se.
Neste sábado, Erundina completa 90 anos. É a
mais idosa entre os 593 parlamentares em Brasília. Em junho, ela passou mal ao
ser provocada por bolsonaristas que se opunham a um projeto para identificar
locais da repressão. Chegou a ser internada na UTI, mas logo voltou à ativa com
o mesmo espírito combativo.
“As coisas estão difíceis. Este é o pior
Congresso que já peguei”, critica a deputada, que exerce o sétimo mandato. “Não
há mais civilidade nas relações. Vivemos um clima de confronto permanente. Há
uma tropa que intimida, ameaça, põe o celular na nossa cara. Está
insuportável”, desabafa.
Erundina se diz preocupada com as revelações
sobre a tentativa de golpe. “É um momento muito delicado, de risco de
retrocesso”, avalia. Ela considera que a ameaça autoritária não foi debelada.
“Vejo o prenúncio de situações imprevisíveis daqui para a frente”, alerta.
A veterana não economiza críticas a seu campo
político. Diz que os partidos de esquerda se institucionalizaram e perderam
conexão com o povo. “Muitas lideranças foram para os gabinetes e se
distanciaram da realidade dos trabalhadores na periferia”, afirma.
Para ela, é preciso voltar às bases e
recuperar a utopia de transformação da sociedade. “Luta política não é só
correr atrás de voto. É ajudar a população a se organizar e buscar seus
direitos.”
Na quarta-feira, Erundina discursou por quase
meia hora no Conselho de Ética. Ao rebater acusações contra o deputado Glauber
Braga, colega de PSOL que teria idade para ser seu neto, disse que os deputados
não são donos do poder. “Nós só exercemos o mandato. O soberano é o povo, que
lamentavelmente não sabe disso”, afirmou. Foi aplaudida de pé, numa cena rara
de se ver no Câmara.
No dia seguinte, perguntei como ela mantém o
ânimo para enfrentar a rotina pesada de voos, reuniões e debates intermináveis.
“Os sonhos não envelhecem”, brincou Erundina, que continua no mesmo apartamento
modesto onde morava quando era prefeita. “A idade não tem peso nenhum para mim.
Não me acomodo. Vivi e ainda vivo pelo compromisso com mudança. A esperança é
revolucionária”, afirmou.
Ela diz que não disputará mais eleições, mas
promete lutar “até o último dia”. “O sonho não cabe numa vida. Você parte e ele
continua com as novas gerações.”
Todo respeito à Erundina. Apesar de ser uma parlamentar exemplar, não fez uma boa prefeitura. No entanto, não foi por falta de ideias e boa vontade de sua parte.
ResponderExcluirLuiza Erundina,grande mulher!
ResponderExcluirExecutivo e Legislativo necessitam de capacidades pessoais diferentes. Provavelmente ela seja mais adaptada ao Legislativo.
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