O Globo
Não é uma crise fiscal baseada em números.
Basta ver as projeções do mercado para a dívida e o déficit no começo e no fim
do ano
O país vive uma crise de credibilidade, com erros de análise do mercado, alguns momentos de pura especulação e falhas de comunicação do governo. Não da comunicação oficial, mas sim das falas que reforçam percepções mais pessimistas. Em geral, como tenho escrito aqui, não há razões concretas para tanta deterioração de expectativas. Não é uma crise fiscal em si, baseada em números. Basta comparar o que o mercado esperava dos indicadores fiscais e de dívida pública no começo e no fim dos dois últimos anos. Ainda que haja estruturalmente necessidade de ajuste fiscal.
Ontem, foi o pior dia
dessa disparada porque os problemas internos se somaram
ao comunicado do
Fed de que vai fazer apenas mais dois cortes de juros. O debate
nacional se trava como se o país estivesse em meio a uma crise fiscal
gravíssima. O governo tem uma dívida interna alta, há muito tempo, e precisa
zerar seu déficit para não alimentar o crescimento desse passivo. O país
precisa ter horizonte de equilíbrio e ser capaz de ver a estabilização e a
queda no futuro.
O ponto é que não houve uma piora em relação
ao que o mercado esperava, quando mantinha outro patamar de preços dos ativos.
No Boletim Focus de 5 de janeiro, a previsão era de um déficit primário de 0,8%
do PIB, e uma dívida líquida, descontadas as reservas cambiais, de 64,25%, com
uma alta do PIB de 1,6%. Naquele tempo, achava-se que a Selic fecharia o ano em
9%. No Focus do último dia 13, a previsão mediana do PIB foi para 3,42%, a
dívida líquida para 63% e o déficit primário para 0,5%. Ou seja, as expectativas
para a dívida e o déficit estão menores. E, para o PIB, maiores. A dívida bruta
do governo geral, incluindo INSS, governos estaduais e municipais, pela medida
do Banco Central,
está em 78,6%. Cresce também quanto mais os juros sobem, não apenas pelo
déficit público.
Não foi o que se gastou a mais que fez tanta
diferença. A surpresa foi que, com o mesmo impulso fiscal, houve mais
crescimento e a taxa de juros terminal, que era 9%, hoje é 12,25%. Na visão de
uma autoridade governamental, é preciso olhar mais para todos os dados e
entender o que está acontecendo na economia brasileira.
— Os economistas não consideram os gastos
qualitativamente. Foi dado o mesmo impulso fiscal, mas de forma mais
distributiva. O governo retirou alguns benefícios de empresas e de camadas
específicas e distribuiu renda. Isso é progressivo, aumentou a propensão ao
consumo dessas pessoas. A conclusão é: se com a mesma pressão no acelerador o
carro andou mais rápido, vai ter que pisar mais no freio e, por isso, subiu a
previsão dos juros.
Na terça-feira, houve um momento em que
circularam fake news usando o nome do futuro presidente do Banco Central, Gabriel
Galípolo, e isso fez o dólar dar um salto. Depois voltou. Mas ontem
novamente houve uma disparada muito mais consistente. Algumas notícias são
mesmo ruins. A LDO aprovada ontem excluiu o bloqueio de emendas e manteve o
fundo partidário fora do arcabouço fiscal, permitindo um aumento superior a
2,5%. Além disso, o risco de desidratação do pacote no Congresso rondou o dia
inteiro o país.
No cenário externo tudo piorou. O Fed cortou
mais 0,25 ponto percentual e indicou que vai fazer mais dois cortes apenas. Com
o governo Trump fazendo ameaças que, se concretizadas, vão elevar a inflação,
o espaço para queda dos juros americanos diminuiu. Isso fez o dólar subir no
mundo inteiro. A alta foi de 2,3% em relação ao euro e de 2,82% em relação ao
real, que teve o pior desempenho em 33 moedas acompanhadas pelo jornal Valor.
Quando se fala em erros da comunicação é
principalmente de declarações de autoridades, como a afirmação que de agora em
diante o Banco Central será diferente. Houve unanimidade em todas as decisões.
Goste-se ou não delas. Foi um erro também, hoje já reconhecido internamente no
governo, apresentar as medidas fiscais junto com a isenção da renda até R$ 5
mil. Mas o que está pegando mesmo é o temor no mercado de que essa conta seja
coberta por cobrança em dividendos, atualmente isentos, ou em papéis que hoje não
pagam imposto.
Mas isso é ruim? Não. Cobrar mais de quem
paga menos é o correto. Uma reforma da renda tem que passar por tributação de
dividendos e cobrança de impostos de setores mal tributados ou com isenções e
deduções imerecidas. Do contrário, o Brasil continuará sendo um dos países mais
desiguais do planeta.
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