quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Disparada do dólar e natureza da crise – Míriam Leitão

O Globo

Não é uma crise fiscal baseada em números. Basta ver as projeções do mercado para a dívida e o déficit no começo e no fim do ano

O país vive uma crise de credibilidade, com erros de análise do mercado, alguns momentos de pura especulação e falhas de comunicação do governo. Não da comunicação oficial, mas sim das falas que reforçam percepções mais pessimistas. Em geral, como tenho escrito aqui, não há razões concretas para tanta deterioração de expectativas. Não é uma crise fiscal em si, baseada em números. Basta comparar o que o mercado esperava dos indicadores fiscais e de dívida pública no começo e no fim dos dois últimos anos. Ainda que haja estruturalmente necessidade de ajuste fiscal.

Ontem, foi o pior dia dessa disparada porque os problemas internos se somaram ao comunicado do Fed de que vai fazer apenas mais dois cortes de juros. O debate nacional se trava como se o país estivesse em meio a uma crise fiscal gravíssima. O governo tem uma dívida interna alta, há muito tempo, e precisa zerar seu déficit para não alimentar o crescimento desse passivo. O país precisa ter horizonte de equilíbrio e ser capaz de ver a estabilização e a queda no futuro.

O ponto é que não houve uma piora em relação ao que o mercado esperava, quando mantinha outro patamar de preços dos ativos. No Boletim Focus de 5 de janeiro, a previsão era de um déficit primário de 0,8% do PIB, e uma dívida líquida, descontadas as reservas cambiais, de 64,25%, com uma alta do PIB de 1,6%. Naquele tempo, achava-se que a Selic fecharia o ano em 9%. No Focus do último dia 13, a previsão mediana do PIB foi para 3,42%, a dívida líquida para 63% e o déficit primário para 0,5%. Ou seja, as expectativas para a dívida e o déficit estão menores. E, para o PIB, maiores. A dívida bruta do governo geral, incluindo INSS, governos estaduais e municipais, pela medida do Banco Central, está em 78,6%. Cresce também quanto mais os juros sobem, não apenas pelo déficit público.

Não foi o que se gastou a mais que fez tanta diferença. A surpresa foi que, com o mesmo impulso fiscal, houve mais crescimento e a taxa de juros terminal, que era 9%, hoje é 12,25%. Na visão de uma autoridade governamental, é preciso olhar mais para todos os dados e entender o que está acontecendo na economia brasileira.

— Os economistas não consideram os gastos qualitativamente. Foi dado o mesmo impulso fiscal, mas de forma mais distributiva. O governo retirou alguns benefícios de empresas e de camadas específicas e distribuiu renda. Isso é progressivo, aumentou a propensão ao consumo dessas pessoas. A conclusão é: se com a mesma pressão no acelerador o carro andou mais rápido, vai ter que pisar mais no freio e, por isso, subiu a previsão dos juros.

Na terça-feira, houve um momento em que circularam fake news usando o nome do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e isso fez o dólar dar um salto. Depois voltou. Mas ontem novamente houve uma disparada muito mais consistente. Algumas notícias são mesmo ruins. A LDO aprovada ontem excluiu o bloqueio de emendas e manteve o fundo partidário fora do arcabouço fiscal, permitindo um aumento superior a 2,5%. Além disso, o risco de desidratação do pacote no Congresso rondou o dia inteiro o país.

No cenário externo tudo piorou. O Fed cortou mais 0,25 ponto percentual e indicou que vai fazer mais dois cortes apenas. Com o governo Trump fazendo ameaças que, se concretizadas, vão elevar a inflação, o espaço para queda dos juros americanos diminuiu. Isso fez o dólar subir no mundo inteiro. A alta foi de 2,3% em relação ao euro e de 2,82% em relação ao real, que teve o pior desempenho em 33 moedas acompanhadas pelo jornal Valor.

Quando se fala em erros da comunicação é principalmente de declarações de autoridades, como a afirmação que de agora em diante o Banco Central será diferente. Houve unanimidade em todas as decisões. Goste-se ou não delas. Foi um erro também, hoje já reconhecido internamente no governo, apresentar as medidas fiscais junto com a isenção da renda até R$ 5 mil. Mas o que está pegando mesmo é o temor no mercado de que essa conta seja coberta por cobrança em dividendos, atualmente isentos, ou em papéis que hoje não pagam imposto.

Mas isso é ruim? Não. Cobrar mais de quem paga menos é o correto. Uma reforma da renda tem que passar por tributação de dividendos e cobrança de impostos de setores mal tributados ou com isenções e deduções imerecidas. Do contrário, o Brasil continuará sendo um dos países mais desiguais do planeta.

 

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