segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

É preciso acabar com o DDD - Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

Academia Riograndense de Letras produziu um exemplo lamentável de DDD na entrega da Premiação Literária 2024

O Brasil precisa acabar com o DDD. Não me refiro ao sistema de telefonia que conecta pessoas dos diferentes estados e municípios pela discagem direta a distância. Falo do ciclo vicioso de Desvalorização, Discriminação e Desigualdade da população negra, coisa que o procurador do estado do RS Jorge Terra, homem preto, batizou de DDD.

A desvalorização se traduz no olhar para pretos e pardos como uma gente inferior, sem reconhecer o potencial da maioria do povo brasileiro, que cotidianamente é desrespeitado e maltratado.

A discriminação se dá pelo tratamento desigual e injusto em razão da aparência.

Resultado da discriminação, a desigualdade leva a uma série de conclusões tão equivocadas quanto cruéis, como a associação do negro à hostilidade, periculosidade, baixo padrão moral, menor capacidade intelectual, entre outros absurdos.

Na semana passada, a Academia Riograndense de Letras (ARL) produziu um exemplo lamentável de DDD. Foi na entrega da Premiação Literária 2024, quando o presidente da entidade disse que o cenário literário do RS é pródigo "provavelmente por causa da imigração e da colaboração italiana e alemã", o que, segundo ele, não ocorre no restante do país por conta da "imigração escrava". Para agravar, a plateia permaneceu inerte, sentada, sem esboçar reação.

Foi preciso que uma mulher negra se levantasse para recompor a verdade. A escritora Eliane Marques, premiada pelo romance "Louças de Família", subiu ao palco para repudiar a declaração e colocar os fatos em perspectiva. Entre outras coisas, ela lembrou à plateia que a Academia Brasileira de Letras foi fundada por um homem negro: Machado de Assis.

Fatos assim ressaltam a importância da Lei 10.639/2003, que prevê o ensino obrigatório da cultura e da história afro-brasileira. Como observou com propriedade a professora e escritora gaúcha Petronilha Gonçalves e Silva, primeira mulher negra a integrar o Conselho Nacional de Educação (2002), agraciada no mês passado com o título de Doutora Honoris Causa da UFRGS, não se trata só de transmissão de conteúdo, mas de um projeto de nação.

 

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