Folha de S. Paulo
Academia Riograndense de Letras produziu um
exemplo lamentável de DDD na entrega da Premiação Literária 2024
O Brasil precisa acabar com o DDD. Não me
refiro ao sistema de telefonia que conecta pessoas dos diferentes estados e
municípios pela discagem direta a distância. Falo do ciclo vicioso de
Desvalorização, Discriminação e Desigualdade da população negra, coisa que o
procurador do estado
do RS Jorge Terra, homem preto, batizou de DDD.
A desvalorização se traduz no olhar para
pretos e pardos como uma gente inferior, sem reconhecer o potencial da maioria
do povo brasileiro, que cotidianamente é desrespeitado e maltratado.
A discriminação se dá pelo tratamento desigual e injusto em razão da aparência.
Resultado da discriminação, a desigualdade
leva a uma série de conclusões tão equivocadas quanto cruéis, como a associação
do negro à hostilidade, periculosidade, baixo padrão moral, menor capacidade
intelectual, entre outros absurdos.
Na semana passada, a Academia Riograndense de
Letras (ARL) produziu um exemplo
lamentável de DDD. Foi na entrega da Premiação Literária 2024,
quando o presidente da entidade disse que o cenário literário do RS é pródigo
"provavelmente por causa da imigração e da colaboração italiana e
alemã", o que, segundo ele, não ocorre no restante do país por conta da
"imigração escrava". Para agravar, a plateia permaneceu inerte,
sentada, sem esboçar reação.
Foi preciso que uma mulher negra se
levantasse para recompor a verdade. A escritora Eliane
Marques, premiada pelo romance "Louças
de Família", subiu ao palco para repudiar a declaração e
colocar os fatos em perspectiva. Entre outras coisas, ela lembrou à plateia que
a Academia Brasileira de Letras foi fundada por um homem negro: Machado de
Assis.
Fatos assim ressaltam a importância da Lei
10.639/2003, que prevê o ensino obrigatório da cultura e da história
afro-brasileira. Como observou com propriedade a professora e escritora gaúcha
Petronilha Gonçalves e Silva, primeira mulher negra a integrar o Conselho
Nacional de Educação (2002), agraciada no mês passado com o título de Doutora
Honoris Causa da UFRGS, não se trata só de transmissão de conteúdo, mas de um
projeto de nação.
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