Valor Econômico
Dúvidas sobre contas públicas pressionam o câmbio, elevando inflação e exigindo juros mais altos; o resultado deve ser um crescimento mais fraco nos próximos dois anos
O Brasil caminha para terminar 2024 com um dólar na casa de R$ 6 ou um pouco mais, devendo avançar em 2025 num ciclo de alta dos juros que poderá levar a Selic, hoje em 12,25%, acima de 15% ao ano. As incertezas sobre as contas públicas, dada a resistência do governo em adotar medidas mais duras de contenção de gastos, são o principal motivo para a desvalorização do real, que tem impacto sobre a inflação e, com isso, exige juros bem mais elevados do que se projetavam há alguns meses. Depois de mostrar força em 2024 pelo terceiro ano seguido, a economia deverá perder fôlego em 2025 e 2026, num ritmo mais intenso do que o necessário se o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não hesitasse em controlar a expansão das despesas obrigatórias.
O BTG Pactual
espera um crescimento de 1,5% em 2025 e de 1,4% em 2026, uma desaceleração
expressiva em relação aos 3,5% estimados para este ano. “Em resumo, a
deterioração fiscal e a incerteza quanto às políticas econômicas nos próximos
dois anos pressionam o câmbio, elevam a inflação e exigem uma resposta de
política monetária mais firme”, escrevem os economistas do banco no cenário de
dezembro. “O resultado é um crescimento mais modesto e maior volatilidade nos
preços dos ativos.”
Neste ano, o dólar subiu 25%, saindo de R$
4,8525 no fim de 2023 para os atuais R$ 6,07. Na semana passada, a moeda bateu
em R$ 6,30 - além das indefinições fiscais, o mês tem sido marcado por um
volume mais forte de saídas de dólares, especialmente devido a volumes
expressivos de remessas de lucros e dividendos por parte de empresas
estrangeiras. O cenário externo também ajuda a explicar a alta da moeda. As
políticas de Donald Trump, a serem adotadas a partir de 2025, tendem a ser
inflacionárias, reduzindo o espaço para o Federal Reserve (Fed, o banco central
dos EUA) cortar juros e contribuindo para fortalecer o dólar.
Mas a grande fonte de pressão sobre o câmbio
vem das dúvidas sobre a trajetória das contas públicas. Nas estimativas
do BTG Pactual,
fatores domésticos respondem por cerca de 90 centavos do nível atual do dólar,
“refletindo, sobretudo, o aumento das preocupações do mercado quanto à
sustentabilidade da dívida pública e à condução da política econômica à
frente”. Para os economistas do banco, “ações que contornem o Orçamento,
aumentem o gasto parafiscal, minem a credibilidade monetária e cambial poderiam
levar o câmbio a ultrapassar a barreira de R$ 7 no próximo ano”. Já uma
indicação clara de um ajuste crível das contas públicas poderia realinhar
expectativas e levar o dólar para a casa de R$ 5,20, um cenário que parece
bastante improvável no momento, avaliam eles.
“A forte desvalorização do real tem a ver com
a questão da credibilidade, ou seja, com a incerteza de que o governo vai tomar
medidas necessárias para melhorar o resultado fiscal”, diz o economista-chefe
do BTG Pactual,
Mansueto Almeida. Se houvesse a perspectiva de que o Brasil vai resolver o
problema das contas públicas ao longo dos anos, o fluxo de recursos de fora
para o Brasil poderia aumentar muito e valorizar o real, afirma Mansueto,
ex-secretário do Tesouro. “O governo está disposto a tomar medidas adicionais
mais duras para provar que as contas fiscais vão melhorar e não vamos ter uma
dívida perto de 90% do PIB no final de 2027?” Entre essas iniciativas, seria
fundamental reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias, fazendo,
por exemplo, benefícios previdenciários e assistenciais aumentarem apenas pela
inflação passada, e não terem mais ganho real. “Nenhum país do mundo dá aumento
real [acima da inflação] para aposentadoria. Os países repõem a inflação”, diz
Mansueto. Outro ponto importante seria desvincular o gasto com saúde e educação
da variação da receita.
No pacote fiscal aprovado pelo Congresso na
semana passada, houve uma mudança na regra de reajuste do salário mínimo, que
vai impactar benefícios previdenciários e assistenciais. Em vez de ser
corrigido pela inflação do ano anterior e a variação do PIB de dois anos antes,
o mínimo terá ganho real a limitado ao intervalo de 0,6% a 2,5% - o mesmo que
ajusta as despesas do arcabouço fiscal. Pela regra anterior, o piso salarial
subiria 3,2% acima da inflação em 2025. Agora, a alta real será de 2,5%, ainda
assim um aumento expressivo.
Mansueto observa que a volatilidade forte do
câmbio diminui ainda mais o fluxo de entrada de recursos estrangeiros para o
Brasil. “Como um investidor me falou: ‘Eu sei que as empresas do Brasil estão
baratas, mas eu não posso investir agora porque em uma semana eu posso perder
5% do meu investimento com a oscilação do câmbio’”. Nas contas do BTG Pactual,
as medidas fiscais anunciadas pelo Congresso economizarão R$ 46 bilhões nos
próximos dois anos, abaixo dos mais de R$ 70 bilhões que eram estimados pelo
governo.
Com dólar nas alturas e expectativas de
inflação que se distanciam da meta de 3%, o Banco Central (BC) promove um
choque de juros que terá efeitos sobre a economia e sobre os gastos financeiros
do setor público. O BTG Pactual
estima que o déficit nominal (que inclui despesas com juros) vai ficar em 7,8%
do PIB neste ano e em 8,6% do PIB em 2025. São números muito elevados - um dos
maiores do mundo. “Países como México, Chile, Colômbia e Peru deverão registrar
déficits nominais abaixo de 4% do PIB no próximo ano”, notam os economistas do
banco. Na média dos quatro anos governo Lula, esse indicador deve ficar em 8,2%
do PIB. “É isso que puxa o crescimento da dívida. É muito alto”, diz Mansueto.
O BTG Pactual
projeta que a dívida bruta encerrará 2026 em 86,1% do PIB, mais de 14 pontos do
PIB acima dos 71,7% do PIB do fim de 2022. Em outubro, ela atingiu 78,6% do
PIB.
Dos 8,6% do PIB do déficit nominal projetados
para o ano que vem, 0,6% do PIB virá do déficit primário (que não inclui gastos
financeiros) e 8% do PIB das despesas com juros, de acordo com o BTG Pactual.
É de fato um dispêndio enorme com juros, que deve superar R$ 1 trilhão em 2025,
resultado de juros elevados e crescentes que incidem sobre uma dívida crescente
e elevada. O caminho sem voluntarismo para reduzir os gastos financeiros e o déficit
nominal passa por uma solução conhecida: a adoção de medidas de contenção de
gastos obrigatórios, que avançam a um ritmo muito forte, impedindo a geração de
resultados primários melhores e comprimindo despesas como investimentos.
Lula, porém, resiste a adotá-las. São
iniciativas que podem ser difíceis de avançar politicamente, mas sem elas o
governo colherá - como já tem colhido - juros de longo prazo muito altos e um
câmbio excessivamente desvalorizado, o que pressiona a inflação e leva o BC a
aumentar muito a Selic. Esse cenário vai provocar uma desaceleração da
economia, com impacto óbvio sobre o mercado de trabalho. Sem reverter a crise
de confiança fiscal, os juros continuarão elevados, afetando a atividade em
2025 e no ano eleitoral de 2026. Se Lula não faz um ajuste fiscal mais duro por
falta de convicção na importância dessas medidas, poderia pensar em promovê-lo
ao menos por autointeresse.
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