Valor Econômico
Envelhecimento da população e a retração cada vez mais acentuada do processo de globalização requerem adaptação do sistema de metas
Dezembro caminha para o fim e a inflação do
ano, medida pelo IPCA, dá mostras de que ficará mais uma vez acima da meta. Não
será a primeira vez, como se sabe. Desde que o sistema de meta de inflação foi
introduzido no país, em 1999, em raras ocasiões o objetivo foi alcançado. Mais
recentemente, a variação do IPCA tem se alojado dentro da banda - limites
fixados para mais ou para menos a partir da meta - mas isso não deveria contar.
Banda serve para acomodar situações excepcionais, não corriqueiras.
Os limites da meta de inflação, mais conhecidos como intervalo de tolerância, atendem à lógica que tem orientado a forma como o sistema é adotado no Brasil: fixa-se uma meta inatingível acompanhada de ampla margem, larga bastante para abrigar as discrepâncias inflacionárias que perduram no país, mas nem sempre suficiente.
Nos 26 anos de vigência do sistema de meta, o
que se colhe são ruídos, tensão, insegurança política e juros altos
desnecessários. Tudo devido à insistência de fixar uma meta que dificilmente se
cumpre, definida que é a partir dos preceitos que norteiam os países mais
desenvolvidos.
Ora, não é difícil entender os motivos pelos
quais as metas não são atingidas por aqui. Um primeiro ponto é a abrangência da
indexação ainda existente em muitos preços da economia. O Plano Real teve o
grande feito de acabar com a reindexação automática dos salários - representam
mais de 50% da renda nacional - mas não eliminou todos os reajustes que
acompanham de perto a variação dos índices de preços.
Outro ponto a considerar é de ordem cambial.
Por não dispor de moeda conversível, a economia brasileira é dependente do
comportamento do dólar. O efeito pode vir do exterior, quando por algum motivo
a moeda norte-americana se valoriza internacionalmente ou quando os
investidores internacionais decidem sacar o dinheiro aplicado aqui e tomar
outro rumo. Não se vai entrar no mérito desses movimentos, apenas lembrar a
importância que a taxa de câmbio exerce sobre o comportamento dos preços.
Se o dólar ganha ainda mais poder, como tem
ocorrido nos últimos tempos, a inflação brasileira tende a aumentar. De cara,
pelo encarecimento das importações; de forma indireta, pelo aumento em reais
dos preços dos bens exportáveis negociados domesticamente, sem falar no
estresse que causa no mercado financeiro e no patrimônio das pessoas.
Uma coisa puxa a outra: como parte da
economia segue indexada, a inflação causada pelo câmbio alimenta os índices
utilizados nos reajustes de preços. Vale para os aluguéis, para as tarifas de
transporte público, para os reajustes da previdência, para o salário mínimo,
enfim.
Por tudo isso, uma meta de 3% é irrealista e
serve apenas para justificar a alta dos juros de curto prazo, definidos pela
taxa Selic do Banco Central. A gordura que o governo paga na forma de juros
sobre os títulos públicos provoca o aumento do endividamento do governo e
compromete parte substancial do orçamento da União, já se disse aqui.
Sistema de metas, criado em época de bonança
global, precisa se adequar à realidade mais sombria dos tempos atuais
O déficit do setor público é outro elemento
de perturbação com consequências na inflação, sempre o mais citado quando os
índices de preços fogem das previsões dos agentes do mercado. Porém, é preciso
evitar a visão estreita que nos impede de enxergar todas as causas estruturais
que afetam a formação dos preços e que estão na raiz da persistência de uma
inflação em torno de 4,5% a 5% ao ano.
Considerando-se o núcleo, que é o relevante,
o sistema de meta só obteve sucesso em seis ocasiões ao longo da sua vigência
no país. A partir de 2025, como se sabe, a meta passará a ser observada de
forma contínua a partir da taxa acumulada do IPCA em doze meses, anunciada a
cada mês. Se a inflação ficar por seis meses seguidos fora do intervalo de
tolerância - a meta é de 3% com margem de 1,5% para mais e para menos - o
objetivo estará descumprido.
De novo, mantem-se o intervalo de tolerância
para contornar as dificuldades de se manter a meta. Ao fim e ao cabo, não faz
diferença que a referência seja o ano calendário ou a taxa de inflação
acumulada por doze meses. O problema não está na forma, mas na definição do
nível do objetivo a ser atingido. Do ponto de vista monetário, uma meta mais
consequente com a inflação efetiva conseguiria alinhar as expectativas de modo
mais realista, além de aliviar a pressão sobre o Banco Central.
A propósito, vale a leitura do paper
apresentado esta semana por Claudio Borio, chefe do departamento monetário e de
economia do BIS (Bank for International Settlements, o banco central dos bancos
centrais), no qual ele sugere aperfeiçoamentos no sistema de meta de inflação à
luz de novos fatos com implicações econômicas e inflacionárias, como o
envelhecimento da população e a retração cada vez mais acentuada do processo de
globalização.
“Whither Inflation Targeting as a Global
Monetary Standard?” (“Para onde vai a Meta de Inflação como Padrão Global
Monetário?” - note-se que whither, advérbio antigo, significa para onde) é o
título do trabalho. “Sem dúvida, o mundo poderá se tornar estruturalmente mais
inflacionário nos próximos anos. Se a desglobalização se firmar, a mão de obra
e o capital tendem a recuperar poder na formação dos preços. A geopolítica, a
transição verde e as tendências demográficas podem gerar persistentes ventos
contrários”, escreveu ele.
Borio lembra que, por enquanto, “a pressão
dos salários tem sido notavelmente mitigada, apesar da surpreendente erosão do
poder de compra induzido pela inflação”. O quadro tende a mudar, com a
persistência da inflação influenciando no aumento do custo da mão de obra. Ou
seja, há uma tendência mundial de acirramento da disputa por renda entre os
segmentos sociais e isso tem consequências inflacionárias. O sistema de metas
de inflação, introduzido pela primeira vez em 1991, na Nova Zelândia, em época
de bonança global, precisa se adequar à realidade mais sombria dos tempos
atuais.
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