terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Juros, novo BC e crise política - Míriam Leitão

O Globo 

Conflito entre o Supremo e Congresso sobre as emendas trava votações importantes em uma semana já tensa com a alta maior dos juros

Esta última reunião do Copom do ano e da gestão de Roberto Campos Neto é a mais importante em muito tempo. O Banco Central deve acelerar de novo a alta dos juros. Um grande número de bancos e consultorias projetam uma alta de 0,75 ponto percentual na Selic, para 12%, com algumas apostas chegando a 1 ponto percentual. O clima de país em crise se espalhou entre operadores e dirigentes de instituições financeiras. Desde a última reunião, o dólar subiu de R$ 5,67 para R$ 6,08 e a inflação no acumulado de 12 meses ultrapassou o teto da meta. Com o IPCA a ser divulgado hoje, deve chegar a 4,8%, mesmo número da mediana das previsões do Focus para o ano.

O cumprimento da meta de inflação agora é contínuo — não é mais verificado ao fim de cada ano. Mas encerrar seu mandato com a inflação acima da meta não estava nos planos de Campos Neto. Como não estava nos planos de Gabriel Galípolo assumir no meio de um ciclo de aperto de política monetária que, como ele mesmo disse, pode ser mais prolongado.

As expectativas sobre a aprovação do conjunto de medidas fiscais pioraram ontem. A decisão do ministro Flávio Dino de rejeitar o pedido de reconsideração da AGU em relação às emendas agravou a insatisfação no Congresso, dificultando ainda mais a aprovação. O pacote foi recebido com ceticismo no mercado, mas agora o temor é que não passe nas casas legislativas. Se aprovados, os projetos vão reduzir o ritmo de crescimento de grande parte das despesas, ao mudar a política de reajuste do salário mínimo para enquadrá-lo na sistemática do arcabouço fiscal. Para se ter uma ideia do impacto, o salário mínimo indexa quase R$1 trilhão de despesas públicas. Contudo, os próximos dias serão de incerteza sobre o destino dessas medidas.

Os juros já são altíssimos, 11,25%. Nenhuma ação de política monetária influencia os números imediatos, por isso o BC olha para um horizonte mais longo. Nele, apesar de todo o pessimismo, os bancos não estão vendo um descontrole inflacionário. Mesmo assim, as projeções são de que ao fim do ciclo, a Selic pode estar entre 13% e 15%.

O governo deu sinais ruins nas declarações repetidas de que, com Galípolo, o Banco Central estaria realmente comprometido com o Brasil. Foi isso o que disseram em momentos diferentes tanto o presidente Lula, quanto o chefe da Casa Civil, Rui Costa. Quanto mais eles disserem que esperam um BC que se alinhe ao governo, mais caro fica para Galípolo. Ele terá que provar autonomia.

Desde a reunião de maio em que houve uma divisão entre os indicados por Jair Bolsonaro e os indicados por Lula, o Copom tem tomado decisões por unanimidade. Um detalhe que será olhado essa semana. A unanimidade derrubaria a tese de que existe um Banco Central amigo e outro adversário dos interesses do país. Mesmo assim, as expectativas sobre uma mudança de direção com Galípolo vão continuar.

Banco Central tem que cumprir seu mandato de inflação controlada. E só com estabilidade é possível fazer um projeto sustentado de crescimento e de programas sociais. Ainda que a alta dos juros seja um redutor do ritmo de crescimento, diminuir juros, quando não existem condições concretas, pode levar à recessão. Isso se viu no governo Dilma quando os juros caíram para 7,25%, em outubro de 2012. O crescimento de 2014 foi pífio e, em 2015, o país entrou numa recessão que, em dois anos, devorou 7% do PIB do país.

Entre as duas reuniões do Copom, houve a divulgação de várias notícias boas nas contas públicas. Em 21 de novembro, informou-se que a arrecadação federal aumentou 9,77% chegando a R$ 248 bilhões, o melhor outubro desde o começo da série histórica. Na semana passada, o Tesouro informou que o superávit do governo central havia sido de R$ 40 bilhões em outubro. No dia 29 de novembro, o Banco Central divulgou que, para todo o setor público, o superávit ficara em outubro em R$ 36,9 bilhões. Os estados e as estatais deram déficit, mas o governo federal mais do que compensou e o mês terminou no azul. Em dez meses, o déficit do governo é de R$ 56,7 bilhões, o que aponta para o cumprimento da meta fiscal, de raspão. Mesmo assim, há sinais preocupantes de aumento da dívida pública.

A semana será tensa na área econômica. A quase certa aceleração da alta de juros vai provocar irritação no governo, e não se sabe como terminará o conflito entre STF e Congresso.

 

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