O Globo
Ninguém que acompanhe o xadrez de Brasília ignora
que o Congresso Nacional é movido a dinheiro de emendas e toma lá dá cá. Mas o
impasse no Parlamento em torno do pacote fiscal do ministro Fernando
Haddad levou essa máxima ao paroxismo — e trouxe ao
governo Lula um
choque de realidade.
Na campanha eleitoral, Lula bateu sem dó no
orçamento secreto. Não aceitava as emendas impositivas — a fatia do orçamento
enviada de forma automática por deputados e senadores a seus estados e
municípios, sem precisar de autorização do Executivo.
Mesmo assim, o presidente conseguiu aprovar a PEC da Transição ainda antes de tomar posse. Recebeu do Congresso autorização para gastar mais R$ 168 bilhões em programas sociais e investimentos. Depois disso, passou o arcabouço fiscal, que mudou a regra de contenção das despesas públicas, e a reforma tributária, que vinha sendo negociada havia décadas.
Mas, ao contrário de Jair
Bolsonaro, que se conformou com a nova dinâmica e até achou bom
delegar a operação do Orçamento aos presidentes da Câmara dos
Deputados e do Senado
Federal, Lula e seu governo brigaram contra as emendas impositivas
desde a posse.
Por isso, a decisão de Flávio Dino travando
a liberação de recursos sem a necessária transparência — confirmada por
unanimidade pelo resto do Supremo Tribunal Federal (STF)
— foi vista pelos parlamentares como uma jogada casada com o governo. Firmou-se
a ideia de que Lula tentava emparedar o Congresso via Supremo. Afinal, Dino fez
fama como cumpridor de missões para o presidente.
Por essa lógica, se alguém poderia convencer
Dino a flexibilizar suas exigências, esse alguém era Lula. E, se o presidente
não o fez, é porque não estava assim tão interessado em fazer andar a votação
do pacote fiscal, travada desde que o dinheiro das emendas secou.
A demora do governo em apresentar as medidas
de contenção de gastos planejadas por Haddad deixou evidente a má vontade de
Lula e dos outros ministros. E a desastrada iniciativa de incluir no anúncio do
pacote a isenção de Imposto de Renda para quem ganha menos de R$ 5 mil — que
acabou nem sendo enviada ao Congresso — sacramentou a noção de que, se nem para
Lula o pacote é importante, por que seria para os parlamentares?
O mesmo se passou nos escaninhos da Esplanada
dos Ministérios. Instados a liberar os recursos que Rui Costa (Casa Civil),
Haddad e companhia consideraram viáveis, gestores e burocratas tampouco toparam
colocar seus CPFs na reta, arriscando assinar ordens de pagamento sob o risco
de ser punidos lá na frente pelo STF.
Numa última cartada, nesta semana os aliados
de Haddad no governo ainda tentaram conseguir mais um crédito do Congresso.
Editaram uma portaria driblando a decisão de Dino e prometeram que, se os
deputados e senadores votassem o pacote, conseguiriam liberar alguns bilhões
até o último dia do ano. A resposta dos deputados foi clara: liberem vocês o
dinheiro primeiro, que depois a gente vota.
Com a confusão instalada, entraram em campo
aliados improváveis. Desde segunda-feira, o que mais se vê nos tapetes verde e
azul do Congresso são enviados da Faria Lima, mobilizados para tentar convencer
os parlamentares a aprovar o pacote não pelo governo, mas por eles.
De uma hora para outra, os mesmos banqueiros
e operadores de mercado que criticavam as medidas de Haddad por considerá-las
insuficientes passaram a apelar para que fossem aprovadas de qualquer jeito.
Isso porque a alta do dólar e dos juros
decorrentes da insegurança política machucou seriamente os resultados de quem
vinha apostando na melhora dos indicadores econômicos, como crescimento do PIB
e queda do desemprego.
Aparentemente, porém, aconteceu o inverso. A
Faria Lima não convenceu o Congresso, mas os parlamentares convenceram o
mercado de que quem mais trava o pacote é o próprio presidente. Assim que foi
anunciado que Lula ficará mais um tempo afastado para novo
procedimento na cabeça, a cotação do dólar começou a cair e as taxas
de juros projetadas para o futuro também.
Por mais cruel e bizarro que seja tal
cenário, sempre há uma lição a tirar dele. Só não haverá tempo para mudar o
rumo das coisas ainda em 2024, já que o Legislativo chega à sua última semana
antes do recesso sem votar nem o Orçamento e nem o pacote fiscal.
" Assim que foi anunciado que Lula ficará mais um tempo afastado para novo procedimento na cabeça, a cotação do dólar começou a cair e as taxas de juros projetadas para o futuro também. "
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