Folha de S. Paulo
É notável que proposta do governo de
centro-esquerda atinja programas sociais
Não poderiam ser piores as reações ao pacote
fiscal anunciado pelo governo na semana passada. Economistas de
oposição, analistas de risco, jornalistas especializados e a grande imprensa em
seus editoriais —importantes na formação das opiniões do setor financeiro
(vulgo "o mercado")— não pouparam críticas. Visaram as propostas,
consideradas tímidas, e a maneira como foram anunciadas, misturadas a mudanças
no Imposto
de Renda.
Sem dizer com clareza como poderiam ser proposições arrojadas —e politicamente viáveis— para enfrentar de vez o problema fiscal do Estado brasileiro, os críticos de fato traduzem —e realimentam— as desconfianças na firmeza dos compromissos econômicos do governo no qual a centro-esquerda lidera uma coalizão partidária bem mais ampla.
Por seu turno, economistas e formadores de
opinião que se manifestam em veículos e redes de esquerda não deixaram por
menos: denunciaram as iniciativas "neoliberais", contrárias aos
interesses dos trabalhadores, mais uma vez derrotados.
Ao participar do anúncio das medidas da PEC
do Ajuste, ao lado do ministro Fernando
Haddad, do presidente da República e de dois outros membros do governo, a
titular da pasta do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet,
foi realista: "Estou satisfeita porque é o ajuste fiscal possível, no
aspecto técnico e político".
Há razões institucionais e políticas para que
o possível sempre desagrade a muitos à direita e à esquerda. Em primeiro lugar,
o desenho institucional consagrado na Constituição limita a latitude de ação do
Executivo. Estrutura federativa, regras eleitorais que produzem acentuado
pluripartidarismo —e, em consequência, presidencialismo de coalizão—,
Ministério Público e Judiciário fortes, além do crescente poder do Legislativo,
produzem múltiplas oportunidades de veto a iniciativas do governo, requerendo que
sejam sempre exaustivamente negociadas.
Em segundo lugar, no terreno propriamente
político, ajustes fiscais, mesmo prementes, nunca são simples de obter e
manter, pois produzem ganhadores e perdedores. No Brasil, a coalizão da
gastança pública é robusta e não discrimina ideologias: percorre todo o campo
político.
É verdade que as divergências sobre a matéria
são enormes no PT.
Para muitos de seus intelectuais e dirigentes —que ainda não passaram a limpo
desastres anteriores—, o gasto público, se bem orientado, é sempre positivo,
além de instrumental para ganhar eleições. O notável é que, apesar disso, o
ajuste ora proposto tenha vindo à luz e atinja apenas programas sociais, uma
raridade em escala internacional quando a iniciativa vem de governos de
esquerda.
De fato, não estão só nesse canto do espectro
partidário as resistências a medidas em prol de solução estrutural do desajuste
das contas. Elas vêm dos beneficiários dos muitos incentivos fiscais; da alta
hierarquia da burocracia pública civil e militar; dos parlamentares que
defendem seus fundos e recursos para emendas, entre outros. Ou seja, na
maioria, grupos com poder de veto e preferência pelas direitas.
O possível é pouco não só porque o governo esteja dividido e titubeante, mas
porque são muitos os interesses a bloquear avanços maiores.
Verdade.
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