Valor Econômico
Derivativos passaram a “comandar” os movimentos dos ativos subjacentes, como as taxas de câmbio, e esta “inversão” submete as políticas econômicas a constrangimentos e conflitos nada triviais
“Em 1719, Daniel Defoe, autor de Robinson
Crusoé, perpetrou um panfleto, ‘The Anatomy of Exchange Alley’. Aí, Defoe
tratou dos mercados financeiros que surgem e avançam sob o patrocínio do
recém-criado Banco da Inglaterra (1694). Suas considerações denunciam o risco
de as instituições políticas do país se tornarem ‘vítimas’ dos jobbers”. (O
significado desse significante flutua entre especulador e agiota).
“A capacidade destes últimos de manipular os
preços dos mercados financeiros sugere o risco de lhes ser atribuído o poder de
influenciar os interesses de toda a nação”.
No livro “A violência da moeda”, Michel Aglietta e André Orlean avaliam o comportamento dos agentes do mercado. “... A ideia de uma ordem natural é apenas um mito. Mesmo que no curso de uma fantástica catarse coletiva um desses relatos se eleve à soberania e se cubra com seus atributos, que repentinamente apague as paixões e pareça realizar seu desejo de universalidade, não se deve ver nessa brutal transformação a prova de uma adequação entre sua mensagem e uma naturalidade qualquer. Atrás dessa vitória de um grupo de interesses sobre os outros, há apenas o jogo da violência e essa é a maneira bem própria de se exercer um desejo particular e arbitrário para fazer convergir a ele todas as frustrações, todos os rancores privados...”.
No capítulo XII da “Teoria Geral”,
Expectativas a Longo Prazo, Keynes argumenta: “Poderíamos supor que a
concorrência entre os profissionais competentes, dotados de julgamento mais
seguro e de conhecimentos mais amplos do que o investidor privado médio, corrigiria
os devaneios do indivíduo ignorante entregue a si próprio. Sucede, porém, que
as energias e as capacidades do investidor profissional e do especulador são
aplicadas essencialmente de outra maneira. Com efeito, a maioria deles
dedica-se não a fazer excelentes previsões de longo prazo sobre o rendimento
provável de um investimento ao longo da sua vida útil, mas em prever mudanças
da base convencional com ligeira antecedência em relação ao público em geral.
Não se preocupam com o valor que realmente tem um investimento para o indivíduo
que o comprou ‘para guardar’, mas com o valor que lhe atribuirá o mercado
dentro de três meses ou um ano sob a influência da psicologia de massas”.
Os derivativos de câmbio e juros ganharam
vida própria e se transformaram em formas monetárias "privadas" que
abrem espaço para manobras especulativas de ordem superior. Uma vez assumida a
posição dominante nas transações financeiras - tanto no que diz respeito ao
volume negociado quanto no que se refere à alavancagem - os derivativos
passaram a “comandar” os movimentos dos ativos subjacentes. As taxas de câmbio
e as apostas nos mercados futuros com índices de commodities são, hoje,
exemplos dessa “inversão”, o que submete as políticas econômicas a
constrangimentos e conflitos nada triviais entre o objetivo de manter a
inflação sob controle e o propósito de não danar o crescimento ou colocar em
risco a estrutura produtiva e, consequentemente, o “arcabouço” de geração de
renda e emprego.
Destinados a oferecer proteção aos agentes do
mundo financeiro contra as imprevisibilidades da precificação de commodities,
moedas e juros, os derivativos alcançam a realização máxima: a decisão incerta
sobre o futuro é transladada para a incertezas do presente. Se os mercados
forem extremamente líquidos, como costumam ser, surge a possibilidade de mudar
de posição a qualquer momento, rapidamente e na moeda local.
É possível apostar no diferencial real x
dólar na B3, a bolsa brasileira, sincronizadamente com as posições real x dólar
nas bolsas de Chicago ou Londres, sem qualquer variação dos fluxos monetários à
vista, via câmbio comercial! É conveniente acentuar que os contratos de
derivativos permitem comprar e vender a moeda americana (e global), e tentar
ganhar na diferença de preços real x dólar, sem fluxos de entrada e saída de
dólares e sem sair do local onde estou, basta uma rede de internet e cadastro
nas bolsas.
É oportuno recordar o que já registramos. Em
2017, os contratos futuros (paper barrel) negociados nos mercados de Londres e
Nova York movimentaram um valor 23 vezes superior àquele registrado no mercado
físico (wet barrel). No mundo acarpetado pelas novas formas financeiras, as
relações entre demanda e oferta de petróleo não podem ser avaliadas conforme
critérios tradicionais. A formação de preços está sempre acompanhada por
movimentos especulativos que sujeitam os mercados da preciosa matéria-prima à amplificação
das flutuações que caracterizam os auges e derrocadas dos preços de ativos.
No livro “Capitalism with Derivatives”, Dick
Bryan e Michael Rafferty asseguram: “Os preços dos derivativos dançam em torno
dos valores de ativos ‘reais’. No entanto, nos mercados de derivativos reais, é
aparente que os preços não ‘derivam’ de fato do ativo original (o preço dos
derivativos de trigo não deriva do preço à vista do trigo). Ao contrário, os
preços geralmente correm na outra direção, de modo que os mercados de opções e
futuros são os lugares onde os preços são formados pela primeira vez, e os preços
nos mercados à vista os seguem”.
Pedimos licença para invocar as palavras de
Georg Simmel na “Psicologia do Dinheiro”: “Não há a menor razão, em princípio,
para que qualquer símbolo que substitua o signo pecuniário não possa prestar
exatamente os mesmos serviços que o ouro e a prata como padrões de valor e
meios de troca, a partir do momento em que a transferência da consciência do
valor para este símbolo tenha ocorrido em sua totalidade - o que é bem possível
através do processo psicológico de elevar os meios à dignidade dos últimos fins”.
Nas consciências dos agentes de mercado
financeiro, o “processo psicológico” transmutou o futuro no presente. Os
derivativos me permitem decidir, a qualquer momento, comprar ou vender qualquer
coisa, conforme minhas expectativas do futuro, agora!
Advertimos: qualquer semelhança com os acontecimentos da última semana, é mera coincidência.
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