Valor Econômico
Ala política ganha força e coloca em xeque agenda liberal
Cidade Ademar, Zona Sul de São Paulo,
madrugada de segunda-feira (2). Agentes da Polícia Militar dão ordem de parada
para dois rapazes que trafegavam em uma moto. Os dois fogem e, depois de
perseguidos pelos PMs, são capturados. Um é levado à delegacia, mas o outro,
subitamente, é agarrado por um dos policiais em uma ponte e arremessado em
direção ao rio. Um vídeo flagrou o momento.
Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, terça-feira (3). Os tiroteios começaram logo cedo, quando a Polícia Civil deflagrou nova fase da Operação Torniquete. Os bandidos reagiram, atearam fogo a barricadas na tentativa de impedir a ação para prender traficantes do Comando Vermelho, ladrões de carga e de veículos. Eram também procurados criminosos foragidos do Pará e do Ceará. Ônibus deixaram de circular. Escolas e postos de saúde não abriram.Guarulhos, Grande São Paulo, 12 de novembro. Um empresário, delator do PCC ao Ministério Público, desembarca de Maceió no aeroporto internacional de Guarulhos ao lado da namorada e é surpreendido quando pisa do lado de fora do terminal. Executado a tiros de fuzil em plena tarde, ele havia contratado policiais como seguranças, mas estes não estavam no local. Tudo filmado.
Perturbadoras e inaceitáveis, essas cenas
recolocam no topo do noticiário a crise na área de segurança pública que assola
o país. E demonstram, mais uma vez, que algo precisa ser feito.
Contudo, desde o dia 31 de outubro, quando o
governo apresentou a PEC da Segurança a governadores e aos outros Poderes, a
proposta de emenda dormita na Casa Civil.
O texto da PEC é sustentado por um tripé:
incluir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP); atualizar
as competências da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF);
e constitucionalizar o Fundo Nacional de Segurança Pública e Política
Penitenciária. Em outras palavras, assegurar instrumentos para o governo
federal estabelecer diretrizes para a área, depois de ouvidos as outras esferas
da federação, como a necessidade de uso de câmeras corporais.
A ideia é prever na Constituição algumas
atribuições da PF, como o combate a ilícitos ambientais e ao crime organizado.
E aumentar a da Polícia Rodoviária Federal, transformando-a em Polícia
Ostensiva Federal para atuar também em outros modais de transporte, como
portos, ferrovias e hidrovias.
No Palácio do Planalto, ainda existe quem
diga que a PEC traria para o colo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva um
tema impopular. Os defensores da proposta, por outro lado, rebatem: a
iniciativa, na verdade, dá ao governo o argumento de que se chegou à atual
situação justamente porque o Executivo federal nunca teve os instrumentos
necessários para combater o crime organizado. Ou seja, só deveria ser cobrado a
partir da sua promulgação.
É de se notar, também, que governadores que
faltaram à reunião convocada pelo presidente Lula têm sido criticados nos
bastidores por aliados. No caso do Paraná, inclusive, é lembrado o fato de o
Estado possuir uma fronteira sensível e, portanto, deveria querer ajuda
federal.
Em outra frente, autoridades notam uma
mudança na postura de governadores que criticaram a PEC. Isso ocorre depois que
alguns aprimoramentos do texto foram colocados sobre a mesa.
Um deles é explicitar as competências das
instituições envolvidas no processo de integração. Outra medida cogitada é
assegurar na PEC que o compartilhamento de dados e informações não exigirá a
troca de dados sigilosos nem “peculiaridades” de investigações em andamento.
Fala-se em detalhar as competências das
polícias judiciárias, para que fique afastado qualquer risco de ingerência do
governo federal nos Estados, e ainda determinar que a Polícia Ostensiva Federal
não terá prerrogativas para realizar investigações. Isso caberia apenas à PF e
às polícias civis estaduais.
Tudo isso tem sido tratado pelo ministro da
Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, com os Estados. Ele se reuniu
recentemente com os governadores do Sul e Sudeste, em reunião no Espírito
Santo, e depois com os do Centro-Oeste e Norte. Esta segunda agenda foi em
Goiás, Estado comandado por Ronaldo Caiado (União), autor das maiores críticas
ao texto apresentado em outubro. Participantes do encontro relatam que o
ambiente foi muito menos tenso.
Lewandowski também decidiu intensificar o
contato com os parlamentares. Nessa terça-feira (3), foi ao Senado e à Câmara
tratar do assunto.
Comenta-se em Brasília, aqui e acolá, que o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), poderia ser nomeado para o
Ministério da Justiça e Segurança Pública após deixar o comando da Casa, em
fevereiro. Mas é de se pensar se ele não poderia preferir um posto com menos
problemas e mais instrumentos para reforçar seu capital político em Minas
Gerais. Além disso, esse intenso roteiro de Lewandowski demonstra que o
ministro não está disposto a deixar a pasta. Coloca a aprovação da PEC como
meta pessoal, antes de avaliar qualquer possibilidade de saída de um governo
para o qual foi chamado para cumprir uma missão apresentada por um amigo,
apesar da oposição da família.
A recalcitrância do Planalto em enviar a
proposta ao Congresso pode acabar abrindo espaço para que alguém da base aliada
apresente texto semelhante, tirando do governo uma bandeira que pode fazer
falta nas eleições de 2026. Algo parecido se viu em relação ao pacote de ajuste
fiscal.
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