O Estado de S. Paulo
Ao contrário do que o
ministro Fernando Haddad vinha assegurando, não foram critérios técnicos que
serviram de inspiração para o presidente Lula definir o pacote fiscal, que
deveria dar sustentação às contas públicas. Foram critérios preponderantemente
eleitorais.
Tanto foram eleitorais que o
presidente fez questão de enxertar no meio de um galho de decisões destinadas a
cortar gastos um broto que nada tem a ver com o cumprimento do arcabouço
fiscal. Trata-se da proposta de isenção do Imposto de Renda para contribuintes
que ganham até R$ 5 mil mensais.
A ideia aí foi conquistar a classe média, hoje arredia às causas das esquerdas, de maneira a garantir votos para as eleições de 2026. A contrapartida para essa renúncia tributária, que deve ultrapassar os R$ 40 bilhões por ano, foi a de taxar quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, incluídos aí os retornos em dividendos e aplicações financeiras.
A pergunta seguinte é: até
que ponto as consequências desse pacote decepcionante não produzirão efeito
político contrário ao esperado pelo presidente?
A isenção do Imposto de
Renda é obviamente grande benefício fiscal. É improvável que passe no Congresso
ainda neste ano. Mas, se e quando aprovada, garantirá todos os meses uma sobra
na conta bancária do trabalhador que poderá ser torrada
em consumo ou, até mesmo, em
melhorias em empreendimento próprio, que passou a ser o sonho de importante
segmento das classes médias.
No entanto, há boa
probabilidade de que a contrapartida de taxação dos mais ricos seja rejeitada.
Se isso estiver correto, o rombo tenderá a aumentar.
Como o pacote propriamente
dito (sem o enxerto) é insuficiente, o rombo continuará aí e tende a afundar a
confiança na condução da economia. Assim, o dólar que nesta sexta-feira passou
dos R$ 6,11, embora tenha fechado a R$ 6,00, continuará tomando altura. Desse
modo, a inflação deve escapar, por conta do dólar mais caro, das importações
mais caras e dos produtos nacionais cotados em dólares também mais caros, como
combustíveis e alimentos.
Nessa toada, os juros terão
de ir atrás, encarecerão o crédito e incharão ainda mais a dívida pública, cujo
avanço se pretendia reverter. O ministro Haddad avisa que, nesse caso, virão
reforços de modo a garantir a qualidade das contas públicas. Dá para contar com
isso?
E já começou nova rodada de
pressões sobre o Banco Central, para que despeje moeda estrangeira no mercado
para impedir a disparada das cotações do dólar. Seria o que o caipira chama de
dar milho pra bode.
Ficou dito que o pacote e
tudo o que o acompanha ainda dependem de decisão do Congresso, que pode vir ou
não, o que deve ser outra fonte de incerteza.
Então, ministro Haddad, se
ficar apenas nisso aí, adeus ao seu cobiçado grau de investimento. No mais, em
sendo experiente e esperto animal político, o presidente Lula pode estar entre
os que logo verão que deu um tiro no pé. A conferir.
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