Nova vacina contra dengue exige análise veloz da Anvisa
O Globo
Desenvolvida pelo Instituto Butantan, ela
traz vantagens logísticas, pode ser produzida em escala e deter epidemia
Até o início deste mês já havia 6,6 milhões de casos de dengue notificados no Brasil, o quádruplo do total registrado em 2023. As mortes chegavam a 5.922 até o último dia 14, quase o quíntuplo. Para combater a doença, é necessária ação em duas frentes. A primeira, bastante conhecida, embora nem sempre executada de modo eficaz, consiste em erradicar os focos onde prolifera o mosquito Aedes aegypti, transmissor da moléstia. A segunda é a vacinação — e o Brasil acaba de dar um passo fundamental com o desenvolvimento de uma nova vacina pelo Instituto Butantan, de São Paulo.
O Butantan já tem experiência com a produção
da Qdenga, vacina desenvolvida pela farmacêutica japonesa Takeda em parceria
com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. A Qdenga foi
aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no ano passado
e já faz parte das campanhas do Ministério da Saúde. Mas a vacina própria,
batizada Butantan-DV, representa ganhos significativos. Por ser de dose única,
ela oferece vantagens logísticas que reduzem os custos de produção e distribuição,
característica essencial para impedir uma grande epidemia da doença. Além
disso, o país deixa de depender de fornecedores externos. Em março, começou uma
campanha de vacinação com a Qdenga, mas a Takeda só conseguiu fornecer 6,6
milhões de doses, por falta de capacidade de produção. Na rede pública, a
vacinação se restringiu a jovens de 10 a 14 anos de idade, apenas em municípios
com alta incidência da doença.
Para o ano que vem, a Takeda prevê entregar 9
milhões de doses. Isoladamente, elas não são suficientes para deter o avanço da
doença. “Não teremos mais ou menos casos, com menos de 10% da população
vacinada”, diz o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm),
Renato Kfouri. A longo prazo, com uma proporção crescente da população
vacinada, é natural haver redução nos casos. Justamente por isso a nova vacina
do Butantan será fundamental. O instituto afirma ter capacidade para produzir
100 milhões de doses nos próximos três anos — 1 milhão já em 2025.
Para isso, porém, primeiro é necessário que a
Anvisa a aprove e a incorpore ao Programa Nacional de Imunizações. Os
resultados dos testes clínicos, publicados na revista médica The New England
Journal of Medicine, são auspiciosos. Realizados durante cinco anos e
encerrados em junho, reuniram 16.235 participantes, com idades de 2 a 59 anos.
Ao longo de dois anos, a Butantan-DV reduziu em 79,6% o risco de contrair a
doença. A proteção foi ainda mais elevada (89,2%) naqueles que já haviam
contraído dengue. Isso é importante porque esses casos costumam ser mais
graves.
Um monitoramento mais longo, depois de 3,7
anos da vacinação, publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, mostrou
que a proteção ficou em 67,3% na média e em 89% para casos mais graves. A
Butantan-DV previne contra quatro tipos de dengue, dois dos quais não foram
detectados durante os testes.
A Butantan-DV é uma prova eloquente da
importância dos investimentos em pesquisas científicas, sobretudo nas áreas em
que o Brasil detém vantagens comparativas. Agora, a Anvisa precisa acelerar a
análise para que o brasileiro possa enfim ter acesso a essa proteção.
Prefeituras precisam acelerar a adoção de
ônibus elétricos
O Globo
São Paulo tem maior frota do Brasil e plano
para substituir veículos a diesel, mas vereadores impuseram retrocesso
Cena comum nas grandes cidades brasileiras,
ônibus lançando fumaça na atmosfera enquanto o mundo tenta reduzir as emissões
de gases de efeito estufa são anacrônicos e contribuem para agravar as mudanças
no clima. As prefeituras brasileiras deveriam acelerar a substituição de suas
frotas, hoje a diesel, por veículos elétricos, como já fazem cidades na China
ou na União Europeia. Não é tarefa simples, mas é essencial.
Ônibus elétricos não chegam a ser novidade no
Brasil. Décadas atrás, São Paulo e Rio conviveram com trólebus. O domínio do
motor a combustão forçou a troca (em São Paulo, alguns resistem até hoje). Na
versão moderna, os ônibus elétricos são mais silenciosos, mais confortáveis e
menos poluentes.
É louvável que algumas cidades já tenham
planos para substituir suas frotas, ainda que no longo prazo. No fim de
novembro, a Prefeitura de São Paulo assinou com o BNDES um empréstimo de R$ 2,5
bilhões para comprar mais 1.300 ônibus elétricos. A ideia é que as empresas
fiquem responsáveis por instalar a infraestrutura de carregamento. Hoje a
capital paulista já tem 489 veículos desse tipo, a maior frota elétrica do
Brasil. Pela legislação atual, desde 2022, as empresas de transporte
paulistanas estão proibidas de comprar modelos a diesel.
Em descompasso com as metas, a Câmara de
Vereadores de São Paulo aprovou em 18 de dezembro Projeto de Lei que adia de
2038 a 2054 o prazo para a cidade zerar as emissões de gás carbônico. A medida
terá impacto no cronograma de renovação da frota, pois, lamentavelmente,
permite que as empresas voltem a comprar veículos a diesel, sob a justificativa
de dificuldades para expansão da frota de elétricos e de falta de
infraestrutura nas garagens.
No Rio, segunda maior cidade do país, a
Câmara de Vereadores derrubou veto do Executivo e aprovou em março deste ano
uma lei determinando a substituição gradual da frota de ônibus da cidade por
veículos elétricos. A iniciativa deverá começar pela Zona Sul e, até 2040, terá
de contemplar todos os bairros. Há também um projeto para ampliar as linhas do
Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), espécie de bonde 100% elétrico que hoje
circula na região central. Seria oportuno apresentar um plano com prazos e
metas para aposentar gradualmente os veículos a diesel.
O Brasil todo conta hoje com apenas 686
ônibus elétricos, segundo a plataforma E-Bus Radar. Isso representa apenas 0,6%
dos 107 mil coletivos do país. Além de São Paulo, capitais como Salvador,
Curitiba, Florianópolis, Belém, Brasília, Goiânia e Porto Alegre já começam a
incorporar elétricos às suas frotas. Mas é preciso andar em ritmo mais rápido.
Cedo ou tarde, ônibus elétricos deverão
predominar nas ruas. Barreiras que hoje travam a expansão — como preço (cerca
de 3,5 vezes maior) ou infraestrutura para carregamento — serão superadas com o
avanço tecnológico, como tem ocorrido com os carros. No futuro de cidades
fustigadas pelos efeitos das mudanças climáticas, não pode haver espaço para o
atraso.
Além do tamanho, importam os custos da dívida
pública
Folha de S. Paulo
Passivo brasileiro preocupa, mesmo sendo
inferior ao de países ricos; com baixa taxa de poupança, juros são mais altos
A falta de
credibilidade da política econômica cobra seu custo na forma de
desvalorização acentuada da moeda nacional, alta da inflação e escalada
dos juros.
O resultado é maior custo de rolagem da dívida federal —que acelera seu
crescimento, num círculo vicioso.
Um erro propagado por Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
e expoentes de seu partido é o argumento de que o endividamento do Estado
brasileiro não é elevado para padrões internacionais.
Verdade que o passivo bruto nos três níveis
de governo, que chegou aos 77,8% do Produto Interno Bruto em outubro (85,7%
pelos critérios do FMI), é menos expressivo do que os de boa parte dos países
ricos. Trata-se de um patamar excessivo, contudo, para um emergente.
Os encargos, isso sim, são elevadíssimos em
qualquer base de comparação. O governo federal brasileiro pagou 6,66% do PIB em
juros nos 12 meses encerrados em outubro. Os Estados
Unidos devem 96,2% do PIB, no entanto gastam não mais de 2,8%
do PIB em juros em bases anuais —e isso porque
as taxas estão acima do normal por lá.
Também cabe ter em mente a dimensão do
passivo em relação à riqueza nacional. No caso americano, a riqueza líquida das
famílias (o quanto o setor privado detém em ativos, como imóveis, ações e
títulos de renda fixa) chega a 5,3 vezes o PIB.
Em outras nações prósperas mais endividadas,
a riqueza não raro é superior a 4 vezes o produto. No Brasil, a medição,
imperfeita, não passa de 2 vezes.
Isso significa que o financiamento da dívida
pública demanda pouco mais de 15% da riqueza nos EUA, enquanto aqui absorve
nada menos que 40%.
Fica claro que o impacto do peso da
imprudência fiscal é muito maior no Brasil. O país não gera poupança nem
é rico o suficiente, de modo que não pode haver conforto nem com o nível nem
com a expansão da dívida.
Há outros agravantes. Grande parte da dívida
federal brasileira, 45,7% em outubro, é indexada à taxa Selic,
do Banco Central,
ao passo que em outras nações a maior parcela é prefixada. Isso significa que o
aumento dos juros impulsiona o custo de rolagem de maneira instantânea, numa
matemática implacável que pode conduzir rapidamente à insolvência se não for
revertida.
O jeito de domar a dívida e os juros
cavalares num país de baixa poupança e alta carga tributária é conter o
crescimento das despesas de modo a obter um saldo positivo nas contas antes das
despesas financeiras. É o chamado superávit primário, que deixamos de fazer há
uma década.
Imaginar que o gasto público impulsionará a
economia e viabilizará o equilíbrio fiscal, que os juros podem cair à base de
voluntarismo político, que um pouco mais de inflação não faz mal ou que basta
elevar a carga tributária é repetir equívocos já comprovados à farta. Assim
como acreditar que a dívida pode aumentar contínua e impunemente.
Governos têm o dever de conter a dengue em
2025
Folha de S. Paulo
Brasil quebra recorde de mortes pela doença,
mesmo com alerta da OMS em 2023; Estado deve agir, em vez de culpar o clima
O ano finda com um indicador trágico para
a saúde brasileira.
Em 2024, mais pessoas morreram por dengue no
país (5.873) do que a soma dos oito anos anteriores (4.992), segundo
levantamento da Folha com base no Datasus
Com o período de chuvas iniciado, e já
causando mortes como se viram em São Paulo, o poder público tem o dever de se
preparar para conter a doença em 2025.
Devido ao aquecimento global, aliado ao El
Niño, a incidência da dengue neste ano de fato subiu em todo o mundo,
principalmente nas Américas. Mas, no Brasil, falhas nas três esferas de governo
podem ter piorado a situação.
De acordo com a Organização Pan-Americana da
Saúde, foram
mais de 12,6 milhões de casos na região, quase o triplo do que em
2023, e mais de 7.000 mortes. Argentina,
Brasil, Colômbia e México respondem
por 90% dos casos e 88% dos óbitos —e o Brasil, pela maioria de ambos os
indicadores.
Populações de Sul e Sudeste do país foram mais afetadas, dada sua vulnerabilidade. Como vivem em regiões de clima mais ameno, tiveram menos contato com os sorotipos do vírus. Mas, com a alta do calor e das chuvas, o Aedes aegypti se prolifera.
Em 2024, as maiores taxas de óbito por 100
mil habitantes foram as de Distrito Federal (15,2), Paraná (6,19), Goiás
(5,41), Minas Gerais (5,24), São Paulo (4,27) e Santa Catarina (4,22).
A mudança
climática, contudo, não pode mais ser ser usada como artifício para
explicar tal morticínio. O fenômeno é estudado há décadas e suas consequências
são projetas pela ciência —a OMS já em
2023 havia
alertado para piora da dengue daquele ano até este.
São necessárias ações integradas entre o
Ministério da Saúde, estados e municípios.
No curto prazo, alocar recursos em
atendimento ambulatorial, agilizar diagnósticos, intensificar campanhas de
conscientização e ampliar estoques de vacinas —além da japonesa Qdenga, de duas
doses, o Instituto Butantan enviou pedido de registro do seu imunizante de dose
única para a Anvisa em 16 de dezembro.
Em médio e longo prazos, há que expandir o
método Wolbachia, que usa uma bactéria para limitar a procriação do mosquito,
ampliar o acesso ao saneamento e
instituir programas de adaptação à mudança climática. No âmbito doméstico e
global, ainda é preciso desenvolver drogas para conter a piora no quadro
clínico de pacientes infectados.
Há muito a ser feito pelo poder público.
Esperar pela tragédia anunciada e culpar o aquecimento global não são opções.
A recalcitrância do Congresso custa caro
O Estado de S. Paulo
A cúpula do Legislativo se desdobrou em 2024
para não cumprir decisão do STF de dar transparência às emendas ao Orçamento.
Mas a Corte mostrou que não se deixa enganar facilmente
O País iniciará o ano novo tendo de lidar com
um novo capítulo da recalcitrância do Congresso em cumprir as decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF) que visam a adequar as emendas orçamentárias à
Constituição.
No dia 23 de dezembro, o ministro Flávio Dino
atendeu a um pedido do PSOL em Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental e suspendeu novamente o pagamento das emendas parlamentares ao
Orçamento. Foram bloqueados tanto os R$ 4,2 bilhões previstos até o fim de 2024
como os cerca de R$ 50 bilhões orçados para 2025 até que alguns deputados e
senadores resolvam parar de se comportar como fora da lei e informem para quem
e por que enviam tamanho volume de recursos públicos. Não por acaso, Dino ainda
determinou que a Polícia Federal investigue as supostas manobras do Congresso
para burlar as decisões do STF e, claro, a eventual malversação da dinheirama
que já foi liberada.
O Congresso, é forçoso dizer, desdobrou-se
para fazer de 2024 um ano notável em sua história, mas não necessariamente pelo
eventual bom trabalho que tenha prestado ao País. Como já sublinhamos nesta
página, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), de fato protagonizaram movimentos de defesa da democracia e
deram andamento a importantes projetos neste ano. Mas seria o caso de
agradecer-lhes pelo cumprimento de um papel elementar do Parlamento no Estado
Democrático de Direito? Outros antes deles, afinal, também já o fizeram, mas
sem que o preço de suas entregas fosse tão alto para o País. A marca da gestão
de Lira e Pacheco à frente das duas Casas é, pois, a completa distorção do
Orçamento público.
A aprovação de matérias relevantes para o
País, como a reforma tributária, entre outras, não tem o condão de apagar toda
sorte de ardis engendrados pela cúpula do Congresso em 2024 para se assenhorar
de um quinhão inaudito do Orçamento sem a devida transparência nem muito menos
isonomia. Lira, Pacheco e Davi Alcolumbre (União-AP), provável futuro
presidente do Senado, controlaram com mão de ferro a distribuição de bilhões de
reais entre seus grupos políticos. Abusaram de audácia e criatividade para sustar
qualquer possibilidade de identificação de patronos e beneficiários das emendas
com o claro objetivo de evitar a responsabilização dos parlamentares pela
eventual malversação dos recursos públicos, no que se materializou como uma
desabrida burla do sistema de freios e contrapesos e, ademais, um
abastardamento do próprio ideal republicano.
Tudo caminhava bem para o desfecho imaginado
pelas cúpulas das duas Casas, que há exatamente dois anos vêm descumprindo de
todas as formas a decisão do STF de exigir transparência e isonomia no
pagamento das emendas parlamentares. Até que Dino, depois seguido por seus
pares na Corte, resolveu jogar mais duro com os que desrespeitam a Constituição
de forma tão evidente quanto acintosa. Em agosto, recorde-se, o ministro
suspendera o pagamento das emendas até que o Congresso criasse mecanismos
legais de garantia da transparência e igualdade na distribuição dos recursos
públicos. O Congresso, então, aprovou uma lei malandra que nem o mais cândido
dos cidadãos haveria de dizer que atendeu aos critérios definidos pelo STF para
restabelecer o pagamento das emendas. Sancionada sem vetos pelo presidente Lula
da Silva, que se deixou tomar como refém pelo Legislativo por incompetência
para ditar os rumos da agenda nacional, a lei mandrake entrou em vigor, mas o
STF, uma vez mais, mostrou que não se deixou enganar e condicionou o pagamento
ao cumprimento de uma série de exigências com vistas à garantia do escrutínio
público sobre a disposição dos recursos.
Esses critérios, por óbvio, não foram
cumpridos, haja vista que a opacidade é da natureza dessa nova forma de o
Congresso exercer poder por meio das emendas impositivas. O tempo dirá que fim
levará essa disputa entre Poderes, que, além de se prolongar por um motivo
antirrepublicano – a contumácia do Congresso em burlar a Constituição –, ainda
causa grande prejuízo à sociedade por dificultar o bom andamento de uma agenda
virtuosa para o País.
Horizonte distante no controle fiscal
O Estado de S. Paulo
Estabilização fiscal que Lula garantiu buscar
em seu 3.º mandato já é estimada para 2030; política inconsistente do governo
na contenção de gastos demole credibilidade do arcabouço
Quando o arcabouço fiscal, desenhado pelo
governo Lula da Silva, foi aprovado pelo Congresso, em agosto de 2023, o
compromisso assumido foi o de que já em 2024 os gastos públicos se equiparariam
ao nível das receitas e o País daria adeus aos resultados deficitários. A
partir de 2025, a ideia era manter o saldo positivo das contas de forma perene,
deixando de herança para as próximas gestões a fórmula para obtenção do
superávit fiscal e estabilização da dívida brasileira.
O governo chega agora à metade do mandato
enxergando de forma cada vez mais longínqua essa possibilidade. Economistas que
previam, na melhor das hipóteses, chance de estabilização entre 2026 e 2027 –
extrapolando, portanto, a atual gestão – reveem cálculos e já a projetam para o
final do próximo governo, mesmo com o pacote de cortes proposto pelo governo,
cuja medida de maior impacto foi a revisão do modelo de reajuste real do
salário mínimo. Em entrevista ao Estadão, o coordenador do Centro de
Política Fiscal e Orçamento Público do Ibre/FGV, Manoel Pires, situou este
horizonte em 2030, a depender das premissas.
A bem da verdade, o arcabouço fiscal – que
substituiu o teto de gastos como regime limitador dos gastos públicos da União
– nunca desfrutou de muita credibilidade junto ao mercado e, é possível
imaginar, à sociedade como um todo. Desde sua apresentação, teve mais torcida
do que confiança de fato nas metas ambiciosas da equipe econômica. Quando as
mesmas metas foram “flexibilizadas”, para usar o eufemismo mais adotado pelo
governo, menos de um ano após a aprovação, a desconfiança se alastrou de vez.
A maior virtude da nova legislação era
justamente vincular o crescimento das despesas – condicionado ao cumprimento
das metas fiscais – ao aumento das receitas. Seria esse o caminho para a busca
da sustentabilidade, como ressalta o próprio texto da lei: “A política fiscal
da União deve ser conduzida de modo a manter a dívida pública em níveis
sustentáveis, prevenindo riscos e promovendo medidas de ajuste fiscal em caso
de desvios, garantindo a solvência e a sustentabilidade intertemporal das
contas públicas”.
O fisiologismo que grassa na política
federal, aliado ao apreço desmedido do governo Lula por gastos eleitoreiros,
provou que, na prática, o objetivo pretendido era mais difícil do que
aparentava. Medidas tidas como impopulares, como a readequação de benefícios
distribuídos pelo governo, causam especial aversão, tanto no Planalto quanto no
Congresso, mesmo que amparadas em bases convincentes, como é o caso da
importância de desindexar gastos do reajuste do salário mínimo.
De publicação anual, o Relatório de
Riscos Fiscais da União, elaborado pelo Tesouro Nacional, tenta ajudar a
restabelecer a sustentabilidade fiscal do País. Na divulgação do ano passado,
advertiu que cada R$ 1 de aumento no salário mínimo representaria alta de R$
349,9 milhões nas despesas do governo em 2024. O valor do mínimo, que no início
de 2023 era R$ 1.302, neste ano está em R$ 1.412. Por essa conta simples,
chega-se a R$ 38,5 bilhões adicionais nos gastos públicos.
No projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA)
enviado em agosto ao Congresso, o governo estimou para 2025 o valor de R$ 1.509
para o salário mínimo, com base no modelo de valorização atualmente em vigor,
que leva em conta a inflação e o crescimento do PIB dos dois anos anteriores.
Como o IBGE recalibrou de 2,9% para 3,2% a alta do PIB em 2023, o valor sobe
para R$ 1.528. Por óbvio o modelo de valorização real do mínimo, lançado no ano
passado e que o governo tenta agora modificar no Congresso, não seria sustentável.
A pesquisa Prisma Fiscal do
Ministério da Fazenda mostra que a dívida pública caminha para chegar a 100% do
PIB em menos de dez anos. No programa de governo que registrou no TSE durante a
campanha de 2022, Lula da Silva dedicou um trecho a críticas ao teto de gastos
e garantiu que iria construir “um novo regime fiscal, que disponha de
credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade”. Até agora, está em dívida
com os três objetivos.
Demagogia com o DPVAT
O Estado de S. Paulo
Deputados e senadores acabam com o seguro
recriado por eles mesmos há apenas sete meses
O Congresso aprovou o fim do Seguro
Obrigatório para a Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), o
antigo DPVAT, sete meses depois de recriá-lo. A ideia é livrar todos os
proprietários de veículos automotores da taxa que seria cobrada a partir de
2025.
Esse vaivém é antigo. O brasileiro assiste a
essa novela há pelo menos cinco anos. Foi em 2019, sob o argumento de que o
seguro é ineficiente, que o então presidente Jair Bolsonaro fez de sua extinção
uma bandeira. Na época, ele enviou uma medida provisória ao Congresso para
acabar com o seguro, e, desde o ano seguinte, a taxa não é recolhida. Com isso,
Bolsonaro estaria livrando os motoristas do peso de mais uma cobrança feita
pelo Estado, em seu típico discurso populista. O dinheiro que já havia sido arrecadado
passou para a gestão da Caixa Econômica Federal. E os recursos continuaram a
custear indenizações, esgotando-se em novembro de 2023.
Em abril de 2024, o Congresso achou adequado
atender a um pedido do governo Lula da Silva e aprovou a recriação do DPVAT,
agora com nova roupagem. Com valor de R$ 50 a R$ 60 por veículo, bancaria
indenizações por morte, invalidez permanente, total ou parcial e reembolsaria
despesas médicas. O projeto foi aprovado na Câmara com o voto de 304 deputados,
e no Senado, com o aval de 41 parlamentares.
Desde então, porém, governadores mais
alinhados ao bolsonarismo passaram a travar uma batalha retórica contra o novo
DPVAT. Pela lei, o pagamento do seguro é obrigatório e condicionante para o
licenciamento do veículo, um serviço prestado pelos Departamentos Estaduais de
Trânsito (Detrans). Caberia a esses órgãos firmarem acordos com a Caixa para a
transferência da taxa.
No início, São Paulo, Paraná e Goiás
colocaram-se contra o recolhimento do novo DPVAT. Mas agora nada menos que 21
governos estaduais passaram a criticar o seguro, o que aumentou o imbróglio.
Nesse cenário, 444 deputados e 72 senadores votaram pelo fim da taxa para a
qual haviam dado apoio pouco tempo antes. É de perguntar o que mudou nesse
curto espaço de tempo para que os parlamentares dessem tamanha guinada no
posicionamento sobre a conveniência dessa cobrança. E, pior, com o aval do
governo Lula.
Por trás do fim do novo DPVAT está, em
primeiro lugar, a fragilidade política da gestão Lula. Líderes do governo
aceitaram sua extinção diante do risco de derrota ou desmonte do pacote de
ajuste fiscal. Além disso, houve articulação da oposição para encurralar a base
e sair como vencedora, sob a alegação de que defendia os interesses dos
cidadãos. Não à toa, deputados bolsonaristas foram às redes sociais comemorar.
O que se viu, no entanto, foi uma disputa na
qual os interesses dos cidadãos jamais estiveram no centro dos debates. Até
porque pouca discussão houve para justificar o fim de algo que acabara de ser
recriado. Resta saber o que os congressistas dirão àqueles que vierem a ser
vítimas de acidentes de trânsito e não poderão contar com nenhum amparo
financeiro.
Nessa briga, venceram a demagogia e a
irresponsabilidade. A ver o que fará Lula da Silva, se terá juízo, ao sancionar
ou vetar a matéria.
Os avanços e os percalços de 2024
Correio Braziliense
Quando se olha para o que foi feito, na
prática, pelo poder público neste ano para diminuir as mazelas sociais, o
Brasil alcançou avanços significativos
O período de festas costuma ser acompanhado
por uma maior sensibilidade da população brasileira às mazelas que circundam a
sociedade. Junto ao espírito natalino, vêm a solidariedade e um cada vez mais
raro sentimento de justiça social. É comum que familiares, amigos e empresas
façam campanhas coletivas para doação de roupas e alimentos com intuito de
ajudar o próximo.
Quando se olha para o que foi feito, na
prática, pelo poder público neste ano para diminuir as mazelas sociais, o
Brasil alcançou avanços significativos. O mais recente relatório das Nações
Unidas aponta para uma queda de 85% na insegurança alimentar severa no país —
na esteira da criação de um ministério dedicado somente à área.
Em entrevista recente, o ministro da pasta,
Wellington Dias, creditou o fenômeno à criação do Plano Brasil sem Fome,
instituído a partir de um decreto do presidente Lula assinado em agosto de
2023. O objetivo da política pública segue uma das frases mais compartilhadas
pelo Planalto na atual gestão: "Colocar o pobre no Orçamento".
O Brasil figurou no mapa da fome da ONU desde
2019, após deixar a vergonhosa classificação em 2014. O retorno a tal condição
veio como consequência dos problemas econômicos causados pela pandemia da
covid-19 e por decisões tomadas em gestões anteriores que fragilizaram
políticas públicas importantes, como a extinção do Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), braço do Executivo para executar
medidas relacionadas ao combate à pobreza. Fazer com que 14,7 milhões de
pessoas deixem de passar fome, portanto, é um grande avanço.
E não é o único. O trimestre fechado em
outubro aponta para a menor taxa de desemprego no país desde 2014: 6,4%. Esse
dado, porém, precisa ser visto com cautela, diante do alto número de empregados
em posições pouco atrativas, com salários ruins e quase sem direitos
trabalhistas, sobretudo os trabalhadores e trabalhadoras dos aplicativos de
transporte privado e entrega de comidas e objetos.
Outra boa notícia é a inflação acumulada de
4,87% nos últimos 12 meses, índice que chegou a ter dígitos duplos na reta
final de 2022, quando a população ficou sufocada com a alta da cotação dos
combustíveis — sobretudo, o diesel, que eleva o preço dos alimentos por conta
da logística sobre rodas.
A preocupação, por outro lado, fica por conta
da elevada taxa de juros, puxada pela incerteza do mercado financeiro quanto à
eficácia do pacote de corte de gastos enviado pelo governo ao Congresso — uma
alternativa para conter a dívida pública. A alta da Selic, hoje em 12,25%,
onera principalmente os mais pobres, que recorrem ao parcelamento para
não sufocar ainda mais o orçamento mensal. Deixa também os juros do cartão de
crédito mais pesados — condição propícia para o endividamento e a inadimplência.
O período de festas é usado, muitas vezes, para comemorar conquistas alcançadas durante o ano. Mas também é tempo para planejar o futuro, de olho em um 2025 melhor. O planejamento individual e das famílias também recai sobre o governo, que terá, no ano que vem, o desafio de tentar melhorar sua relação com o Congresso, com o mercado e com sua comunicação institucional, pontos criticados por muitos durante a primeira metade da gestão Lula 3.
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