Novo retrocesso agrava desmonte da reforma trabalhista
O Globo
Processos na Justiça já cresceram após
decisão do STF — e crescerão ainda mais com nova regra do TST
Os efeitos positivos da reforma trabalhista
do governo Michel Temer são inequívocos, mas nos últimos dois anos houve
retrocesso numa das maiores conquistas: o recuo na judicialização das relações
entre empregador e empregado. Depois de caírem desde 2017, as ações
trabalhistas deram um salto de 9,3% em 2022, para 3,16 milhões. Em 2023,
cresceram 11,3%, para 3,52 milhões. De janeiro a outubro deste ano, chegaram à
Justiça do Trabalho 3,45 milhões de processos, 15% acima do verificado no mesmo
período de 2023.
O principal motivo para o salto foi uma decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF). O Supremo derrubou o dispositivo da reforma que atribuía à parte perdedora o pagamento dos custos de processos trabalhistas, ainda que tivesse baixa renda. Determinou que os beneficiários de Justiça gratuita — pelo critério da reforma, quem tem renda inferior a 40% do teto da remuneração paga pela Previdência — não precisariam mais pagar honorários. Com isso, criou um incentivo para a volta das disputas aos tribunais, já que, mesmo derrotados por terem feito demandas descabidas, funcionários não precisam mais pagar aos advogados da parte vencedora.
Na semana passada, o Tribunal Superior do
Trabalho (TST) tomou outra decisão que deverá ampliar ainda mais os litígios.
Determinou que, para alguém ter acesso à Justiça gratuita, não é mais
necessário comprovar que tem mesmo renda mensal inferior a 40% do teto da
remuneração paga pela Previdência. Bastará doravante apresentar declaração de
pobreza. Isso significa que mesmo quem tem renda alta poderá reivindicar o
benefício — mais um incentivo para abrir ações na Justiça trabalhista.
A multiplicação dos processos não é a única
preocupação. Tem havido, de acordo com estudo coordenado pelo sociólogo José
Pastore, da Universidade de São Paulo (USP), um dos maiores especialistas
brasileiros em relações trabalhistas, um progressivo esvaziamento da reforma.
Os pesquisadores constataram resistência dos juízes e do próprio TST à
flexibilização dos contratos de terceirização e mesmo à possibilidade, criada
pelas mudanças na legislação, para negociar várias exigências da CLT. “A
quantidade de ações trabalhistas no Brasil é enorme. Investidores tendem a
evitar mercados onde as autoridades judiciais anulam acordos legais ou impõem
penalidades sem base na legislação vigente”, afirma Pastore. A segurança
jurídica, vital na avaliação de investimentos, tem sido prejudicada pelos
retrocessos.
Pelo menos o STF acaba de rejeitar três ações
que contestavam o contrato de trabalho intermitente, outro avanço instituído
pela reforma de 2017. Em 2023, essa modalidade de emprego representou 10% das
vagas abertas no mercado de trabalho. Neste ano, de janeiro a outubro, foram
19% — 407.469 em 2,1 milhões de empregos.
Voltar a engessar as relações trabalhistas —
seja por meio de retrocessos regulatórios, seja por decisões judiciais à margem
da lei — prejudica o próprio trabalhador. Não faz sentido, em meio a grandes
mudanças causadas pela tecnologia no mundo do trabalho, tentar ressuscitar o
espírito arcaico da velha CLT.
Decisão de Barroso sobre câmeras nas fardas é
correta, mas exagerada
O Globo
Dispositivo se tornou imprescindível. Não
cabe ao Supremo, porém, determinar política de segurança
Tendo em vista o conhecimento acumulado sobre
o assunto, a decisão tomada na quinta-feira pelo presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), ministro Luís Roberto
Barroso, de estabelecer regras para o uso de câmeras por PMs
de São Paulo,
está correta. Ficou determinado o uso em operações de grande porte, nas
realizadas em favelas e nas respostas a ataques praticados contra policiais.
Barroso ainda ordenou que os equipamentos sejam distribuídos às regiões com
maior índice de letalidade policial. Mas isso não significa que a intromissão
do Judiciário no tema seja adequada. A Constituição prevê que o uso da força
policial deve preservar o interesse público, com respeito à dignidade humana.
Não confere ao Supremo carta branca para gerenciar decisões sobre política de
segurança pública. Não é essa sua atribuição.
Está comprovada a associação entre o uso de
câmeras nas fardas e a queda no uso excessivo da força, na letalidade policial
e na subnotificação em boletins de ocorrência, especialmente nos casos de
violência contra a mulher. Não resta dúvida de que as câmeras são uma arma
tecnológica imprescindível. Sem obediência a protocolos, porém, nada fazem.
Precisam estar ligadas nos momentos críticos, deve haver proteção contra
sabotagem, as imagens precisam ser armazenadas, os arquivos têm de ser
resguardados, e a força policial deve ser treinada para o uso. A experiência
mostra que as imagens protegem não apenas a população civil, mas também os
próprios policiais. Apesar das evidências, certas corporações policiais ainda
resistem à tecnologia, e criou-se em torno delas um debate polarizado que
desaguou na Justiça.
A decisão desta semana é a última de uma
série de intervenções do Judiciário. Em 2023, o Tribunal de Justiça de São
Paulo rejeitou pedido da Defensoria Pública para obrigar o uso, sob a
justificativa de alto custo aos cofres públicos. A Defensoria recorreu ao STF.
Em resposta, Barroso solicitou informações ao governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas. Em abril, ele se comprometeu a usar os aparelhos e
apresentou um cronograma de implantação. No início do mês, Barroso avaliou que
os compromissos assumidos não eram cumpridos de forma satisfatória e determinou
o uso obrigatório. Em reação, o governo paulista pediu esclarecimentos. Com
10.125 câmeras para um efetivo de 80 mil policiais, afirmou não ter como
atender à ordem judicial.
O vaivém é sintoma da contaminação política
de um tema que deveria ser tratado tecnicamente. O uso de câmeras corporais por
policiais é uma decisão correta, mas a adoção é prerrogativa do Executivo. Não
cabe ao Supremo determinar as políticas de segurança, assim como não é papel da
Corte decidir métodos de alfabetização, técnicas usadas nos hospitais públicos
ou equipamentos para asfaltamento. Se o uso de câmeras exige regulação e
restrições no nível de detalhe imposto por Barroso, ela caberia ao poder Legislativo,
não ao Supremo.
Decreto de Lula prevê o básico na regulação
das polícias
Folha de S. Paulo
Texto fixa normas corretas para conter abuso
de força por agentes; não se justifica reação negativa de governadores
Mais dois casos evidenciam que o uso da força
policial carece de regulação urgente no Brasil.
No último dia 24, uma mulher e seu pai foram
alvejados —ela, na cabeça, ele, na mão esquerda— durante uma ação da Polícia
Rodoviária Federal no Rio de Janeiro. No dia seguinte, um
policial militar em São Paulo disparou
um tiro à queima-roupa em um homem de 24 anos.
Os casos
juntam-se a outros recentes que compõem estatísticas aberrantes
da brutalidade policial no país. Não faz sentido, portanto, tratá-los como
isolados.
Em São Paulo, governado por Tarcísio de
Freitas (Republicanos), o número de mortes causadas por
policiais cresceu 82% nos primeiros nove meses de 2024 em relação ao mesmo
período de 2023; na Bahia, sob o comando de Jerônimo Rodrigues (PT), a alta
foi de 15% entre 2022 e 2023.
Assim, é bem-vindo o debate sobre a regulação
do uso da força suscitado por decreto do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), publicado na terça-feira (24).
A norma
propõe princípios básicos em segurança pública que não são
respeitados no país, como o planejamento detalhado de operações para evitar
danos diretos ou indiretos aos cidadãos.
O uso de armas de fogo deve se restringir a
situações em que há risco de mortes ou lesões, e não é tido como legítimo
contra pessoas desarmadas em fuga ou para deter veículos que desrespeitem
bloqueio em via pública.
Quando a ação resultar em ferimento ou morte,
exige-se a elaboração de um relatório circunstanciado, o que contribui para o
aumento da transparência.
Embora não se trate de uma imposição aos
estados, que controlam a grande maioria das corporações, o texto pode
condicionar o repasse de verbas da União no setor. Ainda assim, não se
justifica a reação negativa de governadores de oposição.
Normas federais como a portaria
interministerial 4.226, de 2010 e a lei 13.060, de 2014, já preveem a
uniformização de condutas, em respeito a compromissos internacionais assumidos
pelo Brasil.
O decreto trata ainda do incremento da
profissionalização de agentes. Caberá ao Ministério da
Justiça produzir materiais de referência sobre temas como uso
de algemas e busca pessoal. Ademais, policiais devem ser submetidos à
capacitação anual sobre uso da força em seus respectivos órgãos de segurança.
Qualquer gestor que preze por políticas
públicas baseadas em evidências não deveria se opor a treinamentos para
servidores, ainda mais para policiais.
As normas não impõem obrigações excessivas.
São medidas essenciais para a imagem das corporações. Segundo o Datafolha,
51% dos brasileiros sentem mais medo do que confiança nas forças de segurança,
o que indica com clareza a percepção do excesso de ações violentas.
Para que seja confiável, a polícia precisa
proteger os cidadãos. Para isso, é preciso profissionalizar e regular a
atividade.
Criticados, dividendos ajudam a fechar contas
do governo
Folha de S. Paulo
Tesouro recebe R$ 50,5 bi de lucros das
estatais, contrariando preferência de Lula; recusar essa receita seria
temerário
No início de seu terceiro governo, Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
criticava o volume de dividendos pagos pelas empresas de economia mista,
aquelas nas quais o governo detém parte do capital.
A irritação do mandatário era particularmente
aguda com a distribuição de lucros por parte da Petrobras,
que cresceu muito com os ganhos da gigante estatal em 2022 e devido à política
da gestão anterior —que visava reduzir as dimensões da empresa e, em um dia que
jamais chegou, privatizá-la.
A administração petista indicava que preferia
menos pagamentos aos acionistas, de modo a permitir que a petroleira e outras
companhias tivessem mais recursos para investir —e, no caso de bancos públicos,
para emprestar.
As necessidades de caixa do Tesouro Nacional,
porém, parecem se impor. Nos 12 meses encerrados em outubro, a receita com
dividendos e participações foi de R$ 50,5 bilhões, inferior apenas, para
idênticos períodos anteriores, à dos anos de 2023 (R$ 52,8 bilhões), 2022 (R$
112 bilhões) e 2010 (R$ 57,7 bilhões), em valores corrigidos pela inflação.
A Petrobras responde por mais da metade do
montante atual (R$ 27 bilhões). Outras contribuições importantes vieram
de BNDES (R$
10,2 bilhões), Banco do
Brasil (R$ 7,4 bilhões) e Caixa
Econômica Federal (R$ 2,9 bilhões). O BNDES e a CEF não têm
acionistas privados.
A relevância dessa fonte de receita para as
contas públicas fica evidente pela comparação com o valor que o Executivo
pretende economizar por meio do tímido pacote fiscal de novembro —cerca de R$
70 bilhões em dois anos.
Seja pelo motivo fiscal ou até mesmo por
observância de leis e estatutos, o governo não abriu mão da ajuda das estatais.
Dado o momento de turbulência financeira provocado pela incerteza quanto ao
controle da dívida pública, tal intenção seria temerária a partir de agora.
Essa constatação torna ainda mais
descabida a crise em
torno da Petrobras iniciada em março deste ano, quando Lula foi
responsável pela decisão final de não distribuir dividendos extraordinários, o
que levou à troca de
comando da companhia, queda abrupta do valor de suas ações e
aumentou o descrédito na racionalidade econômica do governo.
Como, infelizmente, rechaça a possibilidade de privatizações, a administração petista deveria ao menos zelar por gestões profissionais e responsáveis das empresas controladas pelo Tesouro Nacional. Há benefícios tanto para a eficiência da economia como para os cofres federais.
Não se corrige mau policial por decreto
O Estado de S. Paulo
O governo acha que pode, por decreto, reduzir
o mau uso da força por policiais. Mas tentar criar limites assim é uma forma de
fingir que está fazendo alguma coisa, sem mudar a realidade
O governo de Lula da Silva decidiu que pode,
por decreto, disciplinar, regular e reduzir o mau uso da força por policiais de
todo o Brasil. Com o texto publicado no último dia 24 de dezembro, o presidente
e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, repetiram
dois vícios nacionais, que emergem, sobretudo, em momentos de clamor popular
diante de casos revoltantes envolvendo agentes do Estado. O primeiro é a
centralização federativa, seguindo a crença de que planejamentos nacionais, concebidos
em Brasília e submetidos às unidades da Federação, independentemente das
realidades locais e regionais, trarão eficiência e bons resultados. O segundo
vício é a lógica legiferante: em vez de criar mecanismos para o cumprimento de
leis, regras, portarias e protocolos que instituições, incluindo corporações
policiais, devem seguir, o governo resolve criar mais uma. É a presunção de que
basta enunciar leis para que problemas nacionais sejam superados.
Incapaz de respeitar princípios federativos e
considerando insuficientes as leis e os protocolos policiais que já existem, o
governo publicou o decreto com o qual supostamente define novas regras para o
uso da força, proíbe o uso das armas de fogo em circunstâncias que não
representam riscos a policiais e a terceiros e regula políticas de segurança.
Prevê, por exemplo, que a arma de fogo só poderá ser usada como último recurso.
Também proíbe o uso de armas contra pessoas desarmadas em fuga ou veículos que
desrespeitem bloqueios policiais em via pública. Afirma ainda que operações
precisam ser planejadas e executadas com cautela “para prevenir ou minimizar o
uso da força e para mitigar a gravidade de qualquer dano direto ou indireto que
possa ser causado a quaisquer pessoas”.
Ocorre que nada do decreto chega a ser
novidade no Brasil. As “novas” regras são, no fundo, uma atualização de uma
portaria de 2010, que também tratava do uso da força policial. Na época,
criou-se um grupo de trabalho com representantes das polícias estaduais, do
governo federal e da sociedade civil. Não à toa, muito do que está no decreto
já é parte do cotidiano das corporações. Por exemplo, agentes não podem atirar
a esmo, sem que haja necessidade efetiva para fazê-lo, e a execução de
operações policiais já requer planejamento e mitigação de danos. Seriam duas
tautologias, não fosse o Brasil um país de histórico de violência policial,
sobretudo contra pobres e negros. Convém lembrar ainda a própria Constituição,
pródiga na defesa de direitos fundamentais de cidadãos, que o Estado precisa
respeitar.
Só se compreende o decreto se lido pela ótica
do desejo lulopetista de oferecer alguma iniciativa com a qual assuma um
protagonismo numa área em que tem deixado a desejar. Também pode ter sido uma
mera tentativa do governo federal de tirar uma casquinha da crise de segurança
pública enfrentada em São Paulo pelo governador Tarcísio de Freitas,
considerado um dos potenciais adversários de Lula em 2026 na ausência de Jair
Bolsonaro na corrida eleitoral.
Enquanto isso, falta ao País adotar uma
cláusula pétrea: treinamentos sistemáticos e qualificados para formação e
atualização dos policiais são um caminho imprescindível para a
profissionalização das polícias, juntamente com recursos, infraestrutura, adoção
de armas menos letais e o cumprimento das diretrizes existentes para atuação
dos agentes do Estado em serviço. O Brasil também carece de menos populismo por
parte de lideranças políticas, que exploram o medo legítimo da população para
ações ilegítimas de suas forças de segurança. É uma tentação fácil que acaba
por politizar o tema em demasia, oferecer uma falsa sensação de segurança e
gerar danos graves à sociedade, como o aumento da letalidade policial. Ter
policiais sem limites abre caminho para a atuação das milícias e para o
crescimento do crime organizado, mas tentar criar limites por decreto é uma
forma apenas de fingir que está fazendo alguma coisa sem, contudo, mudar a
realidade.
O eterno imbróglio de Angra 3
O Estado de S. Paulo
Mais uma vez, governo se vê dividido entre
retomar as obras de uma usina cuja construção se iniciou há 40 anos a um enorme
custo ao consumidor ou simplesmente abandonar empreendimento
No dia 10 de dezembro, após divergências
entre os ministérios, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) adiou,
para o fim de janeiro, a decisão sobre a retomada das obras de Angra 3. O
leitor mais atento poderia se perguntar se já não leu notícia parecida antes, e
não estará errado.
A construção da usina teve início em 1984, e
a primeira parada se deu em 1986, em razão de uma das várias crises econômicas
que o País enfrentava no período. Assim Angra 3 permaneceu por décadas, até que
o projeto foi tirado da gaveta no segundo mandato de Lula da Silva para
integrar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007. As obras foram
reiniciadas em 2010 e paralisadas novamente em 2015, após denúncias de
corrupção.
O mesmo CNPE que recentemente se reuniu para
traçar o destino da usina se reuniu em 2007 e em 2018 com a mesma finalidade. E
as dúvidas que dividem hoje os ministérios são as mesmas que opuseram as pastas
no passado e nada têm a ver com questões relacionadas ao uso da fonte nuclear,
hoje uma das mais seguras do mundo.
Tudo se resume a encontrar um modelo que
garanta a conclusão de uma usina cuja tecnologia, depois de tantos anos, se
encontra defasada, bem como a consequente geração de energia a um preço
competitivo. Parecia um objetivo simples, mas tantos atrasos e orçamentos
revisados – sempre para cima – sugerem que não é.
Um estudo realizado pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aponta que é preciso investir outros
R$ 23 bilhões para concluir a usina. Isso exigiria, segundo o BNDES, uma tarifa
de R$ 640,00 por megawatt-hora (MWh).
Se pudesse escolher, o consumidor
provavelmente preferiria pagar uma conta de luz mais barata a um projeto caro e
envolto em problemas desde seu nascedouro. Para ter uma ideia, um leilão
realizado em outubro de 2022 que contratou energia hidrelétrica, eólica, solar,
biomassa e resíduos sólidos urbanos resultou em um preço médio de R$ 237,48 por
MWh.
Abandonar Angra 3 e desmontá-la
definitivamente resultaria em perdas de R$ 21 bilhões de quem já colocou algum
dinheiro na usina, como a Eletrobras e a União. Para esses atores, manter o
projeto ativo, independentemente de seu custo e de seu preço, é essencial para
impedir que esse prejuízo tenha de ser realizado, sobretudo para a Eletrobras,
que poderá ter de pagar à Caixa e ao BNDES pelos empréstimos relacionados à
usina.
Quando a Eletrobras era uma estatal, era mais
fácil para o governo impor suas decisões e ignorar custos proibitivos e taxas
de retorno patrióticas em nome de projetos que supostamente envolviam relevante
interesse público e segurança nacional. Mas tudo mudou desde que o controle da
companhia foi pulverizado, em 2022.
Com a pressão do governo Lula da Silva pela
retomada do espaço perdido no Conselho de Administração da companhia após a
privatização, a Eletrobras se viu diante de uma excelente oportunidade: ceder
os assentos que o Executivo tanto deseja, e pelos quais não pretende pagar, e,
em contrapartida, repassar Angra 3 para o governo.
Assim, a Eletrobras se livraria de um projeto
que já consumiu R$ 12 bilhões sem ter produzido um único MWh de energia nos
últimos 40 anos – como, aliás, qualquer empresa privada tentaria fazer em seu
lugar.
Para o Ministério da Fazenda, a conta não
fecha e vai gerar prejuízo à União. Já os Ministérios de Minas e Energia e Casa
Civil são favoráveis à retomada da usina para ampliar a segurança do sistema
elétrico e para evitar que Angra 3 se consolide como um fracasso do governo
Lula.
Para o consumidor, até agora, não houve
custo, pois felizmente ele só paga pela eletricidade que é efetivamente
entregue. Mas, se algum dia Angra 3 for concluída, ele pagará, e caro, não só
pela energia da usina, como também pela consequente redução da geração de
fontes mais baratas, como eólicas e solares.
Fato é que a relação custo-benefício, que
deveria guiar os debates sobre Angra 3, historicamente tem sido relegada a
segundo plano. Mas sempre há alguma esperança de que desta vez as discussões
possam ser diferentes.
Arcabouço de mentirinha
O Estado de S. Paulo
Ao empurrar para 2028 previsão de estabilizar
dívida, governo deslegitima regime fiscal
A cada vez que se debruça sobre seus
resultados fiscais, o governo Lula da Silva empurra para um horizonte mais
distante a estimativa de estabilização da dívida pública. Na projeção mais
recente, a Secretaria do Tesouro Nacional previu que a Dívida Bruta do Governo
Geral (DBGG) será estabilizada apenas em 2028 – no segundo ano do próximo
governo, portanto –, quando já estiver correspondendo a 81,8% do Produto
Interno Bruto (PIB).
Trata-se de uma mudança e tanto em relação ao
que projetava originalmente o arcabouço fiscal. Em abril de 2023, para explicar
de forma clara os objetivos do que classificava de “regime fiscal sustentável”,
o Ministério da Fazenda elaborou um questionário com respostas a dúvidas que
porventura surgissem sobre o arcabouço. Uma delas explicitava que a dívida
deveria se estabilizar em 76,54% do PIB já em 2026, último ano da atual gestão.
Isso num cenário conservador. A versão otimista, com queda dos juros futuros,
dizia que o endividamento iria parar de crescer no mesmo ano, mas num patamar
de 75,05%.
Todos esses cálculos são do Tesouro, e o fato
de estarem sendo sistematicamente revistos – sempre para cima – comprova aquilo
que o governo se recusa a encarar: o malogro do arcabouço fiscal. O regime que
foi adotado em substituição ao teto de gastos com o propósito declarado de
equilibrar e manter sob controle as contas públicas, “e ainda realizar
investimentos nos próximos anos”, não tem sido capaz de conter o crescimento
das despesas obrigatórias de um governo esbanjador.
O descontrole fiscal já estava instalado
antes da posse de Lula, mas se intensifica mês a mês. Se o teto de gastos, ao
impedir a explosão de gastos limitando seu crescimento à inflação, dificultava
o financiamento de políticas públicas, o arcabouço tem sido ineficaz
simplesmente por não estar sendo cumprido. Ao perceber que não entregaria a
primeira meta prevista, o governo reviu as metas. Quando, mesmo assim, anteviu
o rombo fiscal, se propôs a apresentar um pacote de corte de gastos, cuja
fragilidade é evidente.
O plano apresentado, quando muito, tenta
reduzir o ritmo de crescimento das despesas. A estratégia não convenceu, a
percepção de piora fiscal levou ao atual choque de juros promovido pelo Banco
Central para conter a inflação, que estoura o teto da meta fixada pelo Conselho
Monetário Nacional, fazendo o País entrar num círculo vicioso.
O Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro não deixa dúvidas sobre a piora da Dívida Bruta do Governo Geral, que abrange os governos federal, estaduais e municipais e é uma das principais referências para avaliação econômica dos países pelas agências de classificação de risco. Por esse parâmetro, parece óbvio que o Brasil está longe de recuperar o grau de investimento, a nota que indica o menor risco de inadimplência. Quanto maior a dívida, maior o risco de calote, mais onerosa a captação de recursos e menos investimentos são destinados ao país. Nessa toada, o País terá sorte se não perder o pouco de credibilidade que ainda lhe resta.
Ausência de transparência não tem explicação
Correio Braziliense
As regras do jogo estão mais do que claras na
Constituição. Dinheiro público precisa ser gasto com transparência
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Flávio Dino determinou, nesta sexta-feira, que a Advocacia-Geral da União (AGU)
explique em até 10 dias úteis porque estados e municípios ainda não criaram
fundos específicos para o recebimento de emendas parlamentares da saúde. A
indagação coincide com outra decisão do ministro, que manteve a suspensão do
pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão ao Orçamento da União,
porque a resposta da Câmara às exigências de transparência e rastreabilidade
dos recursos não foi satisfatória.
A polêmica entre o ministro Flávio Dino, o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o advogado-geral da União, Jorge
Messias, não é trivial. Há muito dinheiro envolvido nessa história. Causa
estranheza o fato de Lira não querer revelar a autoria das emendas, quando se
sabe que é um dos autores. Alagoas, proporcionalmente, seria o estado mais
beneficiado. Também é muito estranho que o advogado-geral da União, Jorge
Messias, não tenha tomado as providências devidas para facilitar o controle dos
recursos da saúde, uma pasta inteiramente controlada pelo PT.
Como se sabe, o Supremo adotou diversas
medidas para assegurar maior transparência e rastreabilidade na execução das
emendas parlamentares. A criação das contas foi determinada pelo STF, em agosto
deste ano, com o objetivo de aumentar a transparência dos repasses. Segundo
Dino, houve "tempo mais do que suficiente para as providências
administrativas" necessárias à criação dos fundos.
A criação das contas separadas acatou uma
sugestão técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), para dar transparência
ao uso das emendas, após "reiteradas denúncias ou decisões judiciais sobre
mau uso de recursos de emendas parlamentares na saúde, por exemplo com os
pagamentos de compras e serviços inexistentes".
Esse é o xis da questão. Diversas
irregularidades estão sendo investigadas pela Polícia Federal por malfeitos com
os recursos provenientes de emendas parlamentares, especialmente aquelas cuja
autoria e destinação específica não são reveladas pela Câmara nem exigidas pelo
Executivo.
É uma situação insustentável que virou caso
de polícia. As regras do jogo estão mais do que claras na Constituição.
Dinheiro público precisa ser gasto com transparência. Não está em questão o
mérito da aplicação dos recursos, que atende interesses clientelísticos, e não
as prioridades do país, mas é prerrogativa dos autores.
Dino também determinou a adoção de medidas adicionais para aprimorar a execução das emendas parlamentares, incluindo a reestruturação do Portal da Transparência pela Controladoria-Geral da União (CGU) e a utilização de códigos específicos pela Secretaria do Tesouro Nacional para identificar repasses provenientes de emendas. Ou seja, o Executivo também precisa cumprir a sua parte.
Covid-19 e a necessidade de correções
Correio Braziliense
Projeção conduzida por cientistas da
Universidade de Sydney revelou que o país faz parte da lista dos com maior
vulnerabilidade para o surgimento de doenças capazes de desencadear outra
pandemia, assim como os Estados Unidos e a Índia
Por "questões éticas e
metodológicas", o estudo que impulsionou o uso da cloroquina e da
hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 durante a pandemia foi
"despublicado" no último dia 17. A pesquisa comandada pelo
controverso médico francês Didier Raoult — que teve o registro profissional
cassado em outubro — é alvo de questionamentos no meio científico há anos. Não
tinha mais crédito. Mas a retratação feita agora pela Elsevier é certeira. A
editora reforça a necessidade de um compromisso permanente e ético com a saúde
pública justamente no mês em que se completam cinco anos das primeiras
infecções por um vírus que parou o mundo, como mostrou recentemente série do
Correio.
No auge da crise sanitária, nos dois
primeiros anos, calcula-se que 15 milhões de pessoas perderam a vida em
decorrência de complicações desencadeadas pelo Sars-CoV-2. O que, inicialmente,
era uma "pneumonia" atípica se revelou uma ameaça colossal, a ponto
de ainda hoje, mesmo com todos os avanços obtidos — incluindo a vacina
desenvolvida em tempo recorde —, o coronavírus seguir desafiando médicos e
cientistas.
A manifestação crônica da covid-19 é um dos
problemas atuais. Ao Correio, Ziyad Al-Aly, epidemiologista do Instituto
de Saúde Pública da Universidade de Washington, em Saint Louis, alertou que
outras crises sanitárias, como a pandemia de gripe de 1918, ensinaram que é
possível surgir sequelas, inclusive incapacitantes, décadas depois das
infecções. Há mais de 100 manifestações crônicas da covid conhecidas, sendo o
coração um dos órgãos mais afetados. Arritmia, trombose e infarto acometem quem
enfrenta essa inflamação persistente, resultando em uma sobrecarga para
sistemas de saúde já historicamente afetados por doenças cardiovasculares —
elas matam em média 400 mil brasileiros por ano, segundo a Sociedade Brasileira
de Cardiologia.
Outro desafio é ampliar a cobertura vacinal
contra o coronavírus, um dever de casa que está bem aquém do esperado no
Brasil. Dados do Ministério da Saúde mostram que quase 80% da população não
completou o esquema de vacinação bivalente contra covid-19. Só não estão na
faixa vermelha de imunização, com menos de 25% da população com a carteira em
dia, Piauí, Distrito Federal e São Paulo. Ainda assim, as taxas estão longe do
recomendado por especialistas: 28,9%, 28% e 26,7%, respectivamente. A melhora
desse cenário passa por ao menos duas questões que gestores públicos têm
deixado a desejar: disponibilidade de doses e uma campanha permanente
pró-imunização.
Um terceiro dilema é estar preparado para a nova crise sanitária. E, nesse quesito, o Brasil também está em desvantagem. Projeção conduzida por cientistas da Universidade de Sydney revelou que o país faz parte da lista dos com maior vulnerabilidade para o surgimento de doenças capazes de desencadear outra pandemia, assim como os Estados Unidos e a Índia. Entre as razões, estão o avanço da ocupação humana em habitats de outras espécies e o agravamento das mudanças climáticas. Segundo Michael Ward, pesquisador da instituição australiana, a emergência de novos vírus zoonóticos (de origem animal) é uma possibilidade muito alta. Considerando o desempenho do Brasil no enfrentamento a uma zoonose antiga, a dengue, no início deste ano, é hora de novas correções.
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