sábado, 28 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Novo retrocesso agrava desmonte da reforma trabalhista

O Globo

Processos na Justiça já cresceram após decisão do STF — e crescerão ainda mais com nova regra do TST

Os efeitos positivos da reforma trabalhista do governo Michel Temer são inequívocos, mas nos últimos dois anos houve retrocesso numa das maiores conquistas: o recuo na judicialização das relações entre empregador e empregado. Depois de caírem desde 2017, as ações trabalhistas deram um salto de 9,3% em 2022, para 3,16 milhões. Em 2023, cresceram 11,3%, para 3,52 milhões. De janeiro a outubro deste ano, chegaram à Justiça do Trabalho 3,45 milhões de processos, 15% acima do verificado no mesmo período de 2023.

O principal motivo para o salto foi uma decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF). O Supremo derrubou o dispositivo da reforma que atribuía à parte perdedora o pagamento dos custos de processos trabalhistas, ainda que tivesse baixa renda. Determinou que os beneficiários de Justiça gratuita — pelo critério da reforma, quem tem renda inferior a 40% do teto da remuneração paga pela Previdência — não precisariam mais pagar honorários. Com isso, criou um incentivo para a volta das disputas aos tribunais, já que, mesmo derrotados por terem feito demandas descabidas, funcionários não precisam mais pagar aos advogados da parte vencedora.

Na semana passada, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tomou outra decisão que deverá ampliar ainda mais os litígios. Determinou que, para alguém ter acesso à Justiça gratuita, não é mais necessário comprovar que tem mesmo renda mensal inferior a 40% do teto da remuneração paga pela Previdência. Bastará doravante apresentar declaração de pobreza. Isso significa que mesmo quem tem renda alta poderá reivindicar o benefício — mais um incentivo para abrir ações na Justiça trabalhista.

A multiplicação dos processos não é a única preocupação. Tem havido, de acordo com estudo coordenado pelo sociólogo José Pastore, da Universidade de São Paulo (USP), um dos maiores especialistas brasileiros em relações trabalhistas, um progressivo esvaziamento da reforma. Os pesquisadores constataram resistência dos juízes e do próprio TST à flexibilização dos contratos de terceirização e mesmo à possibilidade, criada pelas mudanças na legislação, para negociar várias exigências da CLT. “A quantidade de ações trabalhistas no Brasil é enorme. Investidores tendem a evitar mercados onde as autoridades judiciais anulam acordos legais ou impõem penalidades sem base na legislação vigente”, afirma Pastore. A segurança jurídica, vital na avaliação de investimentos, tem sido prejudicada pelos retrocessos.

Pelo menos o STF acaba de rejeitar três ações que contestavam o contrato de trabalho intermitente, outro avanço instituído pela reforma de 2017. Em 2023, essa modalidade de emprego representou 10% das vagas abertas no mercado de trabalho. Neste ano, de janeiro a outubro, foram 19% — 407.469 em 2,1 milhões de empregos.

Voltar a engessar as relações trabalhistas — seja por meio de retrocessos regulatórios, seja por decisões judiciais à margem da lei — prejudica o próprio trabalhador. Não faz sentido, em meio a grandes mudanças causadas pela tecnologia no mundo do trabalho, tentar ressuscitar o espírito arcaico da velha CLT.

Decisão de Barroso sobre câmeras nas fardas é correta, mas exagerada

O Globo

Dispositivo se tornou imprescindível. Não cabe ao Supremo, porém, determinar política de segurança

Tendo em vista o conhecimento acumulado sobre o assunto, a decisão tomada na quinta-feira pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, de estabelecer regras para o uso de câmeras por PMs de São Paulo, está correta. Ficou determinado o uso em operações de grande porte, nas realizadas em favelas e nas respostas a ataques praticados contra policiais. Barroso ainda ordenou que os equipamentos sejam distribuídos às regiões com maior índice de letalidade policial. Mas isso não significa que a intromissão do Judiciário no tema seja adequada. A Constituição prevê que o uso da força policial deve preservar o interesse público, com respeito à dignidade humana. Não confere ao Supremo carta branca para gerenciar decisões sobre política de segurança pública. Não é essa sua atribuição.

Está comprovada a associação entre o uso de câmeras nas fardas e a queda no uso excessivo da força, na letalidade policial e na subnotificação em boletins de ocorrência, especialmente nos casos de violência contra a mulher. Não resta dúvida de que as câmeras são uma arma tecnológica imprescindível. Sem obediência a protocolos, porém, nada fazem. Precisam estar ligadas nos momentos críticos, deve haver proteção contra sabotagem, as imagens precisam ser armazenadas, os arquivos têm de ser resguardados, e a força policial deve ser treinada para o uso. A experiência mostra que as imagens protegem não apenas a população civil, mas também os próprios policiais. Apesar das evidências, certas corporações policiais ainda resistem à tecnologia, e criou-se em torno delas um debate polarizado que desaguou na Justiça.

A decisão desta semana é a última de uma série de intervenções do Judiciário. Em 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou pedido da Defensoria Pública para obrigar o uso, sob a justificativa de alto custo aos cofres públicos. A Defensoria recorreu ao STF. Em resposta, Barroso solicitou informações ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Em abril, ele se comprometeu a usar os aparelhos e apresentou um cronograma de implantação. No início do mês, Barroso avaliou que os compromissos assumidos não eram cumpridos de forma satisfatória e determinou o uso obrigatório. Em reação, o governo paulista pediu esclarecimentos. Com 10.125 câmeras para um efetivo de 80 mil policiais, afirmou não ter como atender à ordem judicial.

O vaivém é sintoma da contaminação política de um tema que deveria ser tratado tecnicamente. O uso de câmeras corporais por policiais é uma decisão correta, mas a adoção é prerrogativa do Executivo. Não cabe ao Supremo determinar as políticas de segurança, assim como não é papel da Corte decidir métodos de alfabetização, técnicas usadas nos hospitais públicos ou equipamentos para asfaltamento. Se o uso de câmeras exige regulação e restrições no nível de detalhe imposto por Barroso, ela caberia ao poder Legislativo, não ao Supremo.

Decreto de Lula prevê o básico na regulação das polícias

Folha de S. Paulo

Texto fixa normas corretas para conter abuso de força por agentes; não se justifica reação negativa de governadores

Mais dois casos evidenciam que o uso da força policial carece de regulação urgente no Brasil.

No último dia 24, uma mulher e seu pai foram alvejados —ela, na cabeça, ele, na mão esquerda— durante uma ação da Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro. No dia seguinte, um policial militar em São Paulo disparou um tiro à queima-roupa em um homem de 24 anos.

Os casos juntam-se a outros recentes que compõem estatísticas aberrantes da brutalidade policial no país. Não faz sentido, portanto, tratá-los como isolados.

Em São Paulo, governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), o número de mortes causadas por policiais cresceu 82% nos primeiros nove meses de 2024 em relação ao mesmo período de 2023; na Bahia, sob o comando de Jerônimo Rodrigues (PT), a alta foi de 15% entre 2022 e 2023.

Assim, é bem-vindo o debate sobre a regulação do uso da força suscitado por decreto do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), publicado na terça-feira (24).

A norma propõe princípios básicos em segurança pública que não são respeitados no país, como o planejamento detalhado de operações para evitar danos diretos ou indiretos aos cidadãos.

O uso de armas de fogo deve se restringir a situações em que há risco de mortes ou lesões, e não é tido como legítimo contra pessoas desarmadas em fuga ou para deter veículos que desrespeitem bloqueio em via pública.

Quando a ação resultar em ferimento ou morte, exige-se a elaboração de um relatório circunstanciado, o que contribui para o aumento da transparência.

Embora não se trate de uma imposição aos estados, que controlam a grande maioria das corporações, o texto pode condicionar o repasse de verbas da União no setor. Ainda assim, não se justifica a reação negativa de governadores de oposição.

Normas federais como a portaria interministerial 4.226, de 2010 e a lei 13.060, de 2014, já preveem a uniformização de condutas, em respeito a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

O decreto trata ainda do incremento da profissionalização de agentes. Caberá ao Ministério da Justiça produzir materiais de referência sobre temas como uso de algemas e busca pessoal. Ademais, policiais devem ser submetidos à capacitação anual sobre uso da força em seus respectivos órgãos de segurança.

Qualquer gestor que preze por políticas públicas baseadas em evidências não deveria se opor a treinamentos para servidores, ainda mais para policiais.

As normas não impõem obrigações excessivas. São medidas essenciais para a imagem das corporações. Segundo o Datafolha, 51% dos brasileiros sentem mais medo do que confiança nas forças de segurança, o que indica com clareza a percepção do excesso de ações violentas.

Para que seja confiável, a polícia precisa proteger os cidadãos. Para isso, é preciso profissionalizar e regular a atividade.

Criticados, dividendos ajudam a fechar contas do governo

Folha de S. Paulo

Tesouro recebe R$ 50,5 bi de lucros das estatais, contrariando preferência de Lula; recusar essa receita seria temerário

No início de seu terceiro governo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticava o volume de dividendos pagos pelas empresas de economia mista, aquelas nas quais o governo detém parte do capital.

A irritação do mandatário era particularmente aguda com a distribuição de lucros por parte da Petrobras, que cresceu muito com os ganhos da gigante estatal em 2022 e devido à política da gestão anterior —que visava reduzir as dimensões da empresa e, em um dia que jamais chegou, privatizá-la.

A administração petista indicava que preferia menos pagamentos aos acionistas, de modo a permitir que a petroleira e outras companhias tivessem mais recursos para investir —e, no caso de bancos públicos, para emprestar.

As necessidades de caixa do Tesouro Nacional, porém, parecem se impor. Nos 12 meses encerrados em outubro, a receita com dividendos e participações foi de R$ 50,5 bilhões, inferior apenas, para idênticos períodos anteriores, à dos anos de 2023 (R$ 52,8 bilhões), 2022 (R$ 112 bilhões) e 2010 (R$ 57,7 bilhões), em valores corrigidos pela inflação.

A Petrobras responde por mais da metade do montante atual (R$ 27 bilhões). Outras contribuições importantes vieram de BNDES (R$ 10,2 bilhões), Banco do Brasil (R$ 7,4 bilhões) e Caixa Econômica Federal (R$ 2,9 bilhões). O BNDES e a CEF não têm acionistas privados.

A relevância dessa fonte de receita para as contas públicas fica evidente pela comparação com o valor que o Executivo pretende economizar por meio do tímido pacote fiscal de novembro —cerca de R$ 70 bilhões em dois anos.

Seja pelo motivo fiscal ou até mesmo por observância de leis e estatutos, o governo não abriu mão da ajuda das estatais. Dado o momento de turbulência financeira provocado pela incerteza quanto ao controle da dívida pública, tal intenção seria temerária a partir de agora.

Essa constatação torna ainda mais descabida a crise em torno da Petrobras iniciada em março deste ano, quando Lula foi responsável pela decisão final de não distribuir dividendos extraordinários, o que levou à troca de comando da companhia, queda abrupta do valor de suas ações e aumentou o descrédito na racionalidade econômica do governo.

Como, infelizmente, rechaça a possibilidade de privatizações, a administração petista deveria ao menos zelar por gestões profissionais e responsáveis das empresas controladas pelo Tesouro Nacional. Há benefícios tanto para a eficiência da economia como para os cofres federais.

Não se corrige mau policial por decreto

O Estado de S. Paulo

O governo acha que pode, por decreto, reduzir o mau uso da força por policiais. Mas tentar criar limites assim é uma forma de fingir que está fazendo alguma coisa, sem mudar a realidade

O governo de Lula da Silva decidiu que pode, por decreto, disciplinar, regular e reduzir o mau uso da força por policiais de todo o Brasil. Com o texto publicado no último dia 24 de dezembro, o presidente e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, repetiram dois vícios nacionais, que emergem, sobretudo, em momentos de clamor popular diante de casos revoltantes envolvendo agentes do Estado. O primeiro é a centralização federativa, seguindo a crença de que planejamentos nacionais, concebidos em Brasília e submetidos às unidades da Federação, independentemente das realidades locais e regionais, trarão eficiência e bons resultados. O segundo vício é a lógica legiferante: em vez de criar mecanismos para o cumprimento de leis, regras, portarias e protocolos que instituições, incluindo corporações policiais, devem seguir, o governo resolve criar mais uma. É a presunção de que basta enunciar leis para que problemas nacionais sejam superados.

Incapaz de respeitar princípios federativos e considerando insuficientes as leis e os protocolos policiais que já existem, o governo publicou o decreto com o qual supostamente define novas regras para o uso da força, proíbe o uso das armas de fogo em circunstâncias que não representam riscos a policiais e a terceiros e regula políticas de segurança. Prevê, por exemplo, que a arma de fogo só poderá ser usada como último recurso. Também proíbe o uso de armas contra pessoas desarmadas em fuga ou veículos que desrespeitem bloqueios policiais em via pública. Afirma ainda que operações precisam ser planejadas e executadas com cautela “para prevenir ou minimizar o uso da força e para mitigar a gravidade de qualquer dano direto ou indireto que possa ser causado a quaisquer pessoas”.

Ocorre que nada do decreto chega a ser novidade no Brasil. As “novas” regras são, no fundo, uma atualização de uma portaria de 2010, que também tratava do uso da força policial. Na época, criou-se um grupo de trabalho com representantes das polícias estaduais, do governo federal e da sociedade civil. Não à toa, muito do que está no decreto já é parte do cotidiano das corporações. Por exemplo, agentes não podem atirar a esmo, sem que haja necessidade efetiva para fazê-lo, e a execução de operações policiais já requer planejamento e mitigação de danos. Seriam duas tautologias, não fosse o Brasil um país de histórico de violência policial, sobretudo contra pobres e negros. Convém lembrar ainda a própria Constituição, pródiga na defesa de direitos fundamentais de cidadãos, que o Estado precisa respeitar.

Só se compreende o decreto se lido pela ótica do desejo lulopetista de oferecer alguma iniciativa com a qual assuma um protagonismo numa área em que tem deixado a desejar. Também pode ter sido uma mera tentativa do governo federal de tirar uma casquinha da crise de segurança pública enfrentada em São Paulo pelo governador Tarcísio de Freitas, considerado um dos potenciais adversários de Lula em 2026 na ausência de Jair Bolsonaro na corrida eleitoral.

Enquanto isso, falta ao País adotar uma cláusula pétrea: treinamentos sistemáticos e qualificados para formação e atualização dos policiais são um caminho imprescindível para a profissionalização das polícias, juntamente com recursos, infraestrutura, adoção de armas menos letais e o cumprimento das diretrizes existentes para atuação dos agentes do Estado em serviço. O Brasil também carece de menos populismo por parte de lideranças políticas, que exploram o medo legítimo da população para ações ilegítimas de suas forças de segurança. É uma tentação fácil que acaba por politizar o tema em demasia, oferecer uma falsa sensação de segurança e gerar danos graves à sociedade, como o aumento da letalidade policial. Ter policiais sem limites abre caminho para a atuação das milícias e para o crescimento do crime organizado, mas tentar criar limites por decreto é uma forma apenas de fingir que está fazendo alguma coisa sem, contudo, mudar a realidade.

O eterno imbróglio de Angra 3

O Estado de S. Paulo

Mais uma vez, governo se vê dividido entre retomar as obras de uma usina cuja construção se iniciou há 40 anos a um enorme custo ao consumidor ou simplesmente abandonar empreendimento

No dia 10 de dezembro, após divergências entre os ministérios, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) adiou, para o fim de janeiro, a decisão sobre a retomada das obras de Angra 3. O leitor mais atento poderia se perguntar se já não leu notícia parecida antes, e não estará errado.

A construção da usina teve início em 1984, e a primeira parada se deu em 1986, em razão de uma das várias crises econômicas que o País enfrentava no período. Assim Angra 3 permaneceu por décadas, até que o projeto foi tirado da gaveta no segundo mandato de Lula da Silva para integrar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007. As obras foram reiniciadas em 2010 e paralisadas novamente em 2015, após denúncias de corrupção.

O mesmo CNPE que recentemente se reuniu para traçar o destino da usina se reuniu em 2007 e em 2018 com a mesma finalidade. E as dúvidas que dividem hoje os ministérios são as mesmas que opuseram as pastas no passado e nada têm a ver com questões relacionadas ao uso da fonte nuclear, hoje uma das mais seguras do mundo.

Tudo se resume a encontrar um modelo que garanta a conclusão de uma usina cuja tecnologia, depois de tantos anos, se encontra defasada, bem como a consequente geração de energia a um preço competitivo. Parecia um objetivo simples, mas tantos atrasos e orçamentos revisados – sempre para cima – sugerem que não é.

Um estudo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aponta que é preciso investir outros R$ 23 bilhões para concluir a usina. Isso exigiria, segundo o BNDES, uma tarifa de R$ 640,00 por megawatt-hora (MWh).

Se pudesse escolher, o consumidor provavelmente preferiria pagar uma conta de luz mais barata a um projeto caro e envolto em problemas desde seu nascedouro. Para ter uma ideia, um leilão realizado em outubro de 2022 que contratou energia hidrelétrica, eólica, solar, biomassa e resíduos sólidos urbanos resultou em um preço médio de R$ 237,48 por MWh.

Abandonar Angra 3 e desmontá-la definitivamente resultaria em perdas de R$ 21 bilhões de quem já colocou algum dinheiro na usina, como a Eletrobras e a União. Para esses atores, manter o projeto ativo, independentemente de seu custo e de seu preço, é essencial para impedir que esse prejuízo tenha de ser realizado, sobretudo para a Eletrobras, que poderá ter de pagar à Caixa e ao BNDES pelos empréstimos relacionados à usina.

Quando a Eletrobras era uma estatal, era mais fácil para o governo impor suas decisões e ignorar custos proibitivos e taxas de retorno patrióticas em nome de projetos que supostamente envolviam relevante interesse público e segurança nacional. Mas tudo mudou desde que o controle da companhia foi pulverizado, em 2022.

Com a pressão do governo Lula da Silva pela retomada do espaço perdido no Conselho de Administração da companhia após a privatização, a Eletrobras se viu diante de uma excelente oportunidade: ceder os assentos que o Executivo tanto deseja, e pelos quais não pretende pagar, e, em contrapartida, repassar Angra 3 para o governo.

Assim, a Eletrobras se livraria de um projeto que já consumiu R$ 12 bilhões sem ter produzido um único MWh de energia nos últimos 40 anos – como, aliás, qualquer empresa privada tentaria fazer em seu lugar.

Para o Ministério da Fazenda, a conta não fecha e vai gerar prejuízo à União. Já os Ministérios de Minas e Energia e Casa Civil são favoráveis à retomada da usina para ampliar a segurança do sistema elétrico e para evitar que Angra 3 se consolide como um fracasso do governo Lula.

Para o consumidor, até agora, não houve custo, pois felizmente ele só paga pela eletricidade que é efetivamente entregue. Mas, se algum dia Angra 3 for concluída, ele pagará, e caro, não só pela energia da usina, como também pela consequente redução da geração de fontes mais baratas, como eólicas e solares.

Fato é que a relação custo-benefício, que deveria guiar os debates sobre Angra 3, historicamente tem sido relegada a segundo plano. Mas sempre há alguma esperança de que desta vez as discussões possam ser diferentes.

Arcabouço de mentirinha

O Estado de S. Paulo

Ao empurrar para 2028 previsão de estabilizar dívida, governo deslegitima regime fiscal

A cada vez que se debruça sobre seus resultados fiscais, o governo Lula da Silva empurra para um horizonte mais distante a estimativa de estabilização da dívida pública. Na projeção mais recente, a Secretaria do Tesouro Nacional previu que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) será estabilizada apenas em 2028 – no segundo ano do próximo governo, portanto –, quando já estiver correspondendo a 81,8% do Produto Interno Bruto (PIB).

Trata-se de uma mudança e tanto em relação ao que projetava originalmente o arcabouço fiscal. Em abril de 2023, para explicar de forma clara os objetivos do que classificava de “regime fiscal sustentável”, o Ministério da Fazenda elaborou um questionário com respostas a dúvidas que porventura surgissem sobre o arcabouço. Uma delas explicitava que a dívida deveria se estabilizar em 76,54% do PIB já em 2026, último ano da atual gestão. Isso num cenário conservador. A versão otimista, com queda dos juros futuros, dizia que o endividamento iria parar de crescer no mesmo ano, mas num patamar de 75,05%.

Todos esses cálculos são do Tesouro, e o fato de estarem sendo sistematicamente revistos – sempre para cima – comprova aquilo que o governo se recusa a encarar: o malogro do arcabouço fiscal. O regime que foi adotado em substituição ao teto de gastos com o propósito declarado de equilibrar e manter sob controle as contas públicas, “e ainda realizar investimentos nos próximos anos”, não tem sido capaz de conter o crescimento das despesas obrigatórias de um governo esbanjador.

O descontrole fiscal já estava instalado antes da posse de Lula, mas se intensifica mês a mês. Se o teto de gastos, ao impedir a explosão de gastos limitando seu crescimento à inflação, dificultava o financiamento de políticas públicas, o arcabouço tem sido ineficaz simplesmente por não estar sendo cumprido. Ao perceber que não entregaria a primeira meta prevista, o governo reviu as metas. Quando, mesmo assim, anteviu o rombo fiscal, se propôs a apresentar um pacote de corte de gastos, cuja fragilidade é evidente.

O plano apresentado, quando muito, tenta reduzir o ritmo de crescimento das despesas. A estratégia não convenceu, a percepção de piora fiscal levou ao atual choque de juros promovido pelo Banco Central para conter a inflação, que estoura o teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional, fazendo o País entrar num círculo vicioso.

O Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro não deixa dúvidas sobre a piora da Dívida Bruta do Governo Geral, que abrange os governos federal, estaduais e municipais e é uma das principais referências para avaliação econômica dos países pelas agências de classificação de risco. Por esse parâmetro, parece óbvio que o Brasil está longe de recuperar o grau de investimento, a nota que indica o menor risco de inadimplência. Quanto maior a dívida, maior o risco de calote, mais onerosa a captação de recursos e menos investimentos são destinados ao país. Nessa toada, o País terá sorte se não perder o pouco de credibilidade que ainda lhe resta.

Ausência de transparência não tem explicação

Correio Braziliense

As regras do jogo estão mais do que claras na Constituição. Dinheiro público precisa ser gasto com transparência

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou, nesta sexta-feira, que a Advocacia-Geral da União (AGU) explique em até 10 dias úteis porque estados e municípios ainda não criaram fundos específicos para o recebimento de emendas parlamentares da saúde. A indagação coincide com outra decisão do ministro, que manteve a suspensão do pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão ao Orçamento da União, porque a resposta da Câmara às exigências de transparência e rastreabilidade dos recursos não foi satisfatória.

A polêmica entre o ministro Flávio Dino, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o advogado-geral da União, Jorge Messias, não é trivial. Há muito dinheiro envolvido nessa história. Causa estranheza o fato de Lira não querer revelar a autoria das emendas, quando se sabe que é um dos autores. Alagoas, proporcionalmente, seria o estado mais beneficiado. Também é muito estranho que o advogado-geral da União, Jorge Messias, não tenha tomado as providências devidas para facilitar o controle dos recursos da saúde, uma pasta inteiramente controlada pelo PT.

Como se sabe, o Supremo adotou diversas medidas para assegurar maior transparência e rastreabilidade na execução das emendas parlamentares. A criação das contas foi determinada pelo STF, em agosto deste ano, com o objetivo de aumentar a transparência dos repasses. Segundo Dino, houve "tempo mais do que suficiente para as providências administrativas" necessárias à criação dos fundos.

A criação das contas separadas acatou uma sugestão técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), para dar transparência ao uso das emendas, após "reiteradas denúncias ou decisões judiciais sobre mau uso de recursos de emendas parlamentares na saúde, por exemplo com os pagamentos de compras e serviços inexistentes".

Esse é o xis da questão. Diversas irregularidades estão sendo investigadas pela Polícia Federal por malfeitos com os recursos provenientes de emendas parlamentares, especialmente aquelas cuja autoria e destinação específica não são reveladas pela Câmara nem exigidas pelo Executivo.

É uma situação insustentável que virou caso de polícia. As regras do jogo estão mais do que claras na Constituição. Dinheiro público precisa ser gasto com transparência. Não está em questão o mérito da aplicação dos recursos, que atende interesses clientelísticos, e não as prioridades do país, mas é prerrogativa dos autores. 

Dino também determinou a adoção de medidas adicionais para aprimorar a execução das emendas parlamentares, incluindo a reestruturação do Portal da Transparência pela Controladoria-Geral da União (CGU) e a utilização de códigos específicos pela Secretaria do Tesouro Nacional para identificar repasses provenientes de emendas. Ou seja, o Executivo também precisa cumprir a sua parte. 

Covid-19 e a necessidade de correções

Correio Braziliense

Projeção conduzida por cientistas da Universidade de Sydney revelou que o país faz parte da lista dos com maior vulnerabilidade para o surgimento de doenças capazes de desencadear outra pandemia, assim como os Estados Unidos e a Índia

Por "questões éticas e metodológicas", o estudo que impulsionou o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 durante a pandemia foi "despublicado" no último dia 17. A pesquisa comandada pelo  controverso médico francês Didier Raoult — que teve o registro profissional cassado em outubro — é alvo de questionamentos no meio científico há anos. Não tinha mais crédito. Mas a retratação feita agora pela Elsevier é certeira. A editora reforça a necessidade de um compromisso permanente e ético com a saúde pública justamente no mês em que se completam cinco anos das primeiras infecções por um vírus que parou o mundo, como mostrou recentemente série do Correio. 

No auge da crise sanitária, nos dois primeiros anos, calcula-se que 15 milhões de pessoas perderam a vida em decorrência de complicações desencadeadas pelo Sars-CoV-2. O que, inicialmente, era uma "pneumonia" atípica se revelou uma ameaça colossal, a ponto de ainda hoje, mesmo com todos os avanços obtidos — incluindo a vacina desenvolvida em tempo recorde —, o coronavírus seguir desafiando médicos e cientistas.

A manifestação crônica da covid-19 é um dos problemas atuais. Ao Correio, Ziyad Al-Aly, epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade de Washington, em Saint Louis, alertou que outras crises sanitárias, como a pandemia de gripe de 1918, ensinaram que é possível surgir sequelas, inclusive incapacitantes, décadas depois das infecções. Há mais de 100 manifestações crônicas da covid conhecidas, sendo o coração um dos órgãos mais afetados. Arritmia, trombose e infarto acometem quem enfrenta essa inflamação persistente, resultando em uma sobrecarga para sistemas de saúde já historicamente afetados por doenças cardiovasculares — elas matam em média 400 mil brasileiros por ano, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Outro desafio é ampliar a cobertura vacinal contra o coronavírus, um dever de casa que está bem aquém do esperado no Brasil. Dados do Ministério da Saúde mostram que quase 80% da população não completou o esquema de vacinação bivalente contra covid-19. Só não estão na faixa vermelha de imunização, com menos de 25% da população com a carteira em dia, Piauí, Distrito Federal e São Paulo. Ainda assim, as taxas estão longe do recomendado por especialistas: 28,9%, 28% e 26,7%, respectivamente. A melhora desse cenário passa por ao menos duas questões que gestores públicos têm deixado a desejar: disponibilidade de doses e uma campanha permanente pró-imunização. 

Um terceiro dilema é estar preparado para a nova crise sanitária. E, nesse quesito, o Brasil também está em desvantagem. Projeção conduzida por cientistas da Universidade de Sydney revelou que o país faz parte da lista dos com maior vulnerabilidade para o surgimento de doenças capazes de desencadear outra pandemia, assim como os Estados Unidos e a Índia. Entre as razões, estão o avanço da ocupação humana em habitats de outras espécies e o agravamento das mudanças climáticas. Segundo Michael Ward, pesquisador da instituição australiana, a emergência de novos vírus zoonóticos (de origem animal) é uma possibilidade muito alta. Considerando o desempenho do Brasil no enfrentamento a uma zoonose antiga, a dengue, no início deste ano, é hora de novas correções. 

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