Queda da tirania de Assad é razão para celebração
O Globo
Mas futuro da Síria, nas mãos de grupos
jihadistas, desperta preocupação e traz incerteza à região
A realidade convulsiva do Oriente Médio ganhou novo capítulo com a queda da ditadura da família Assad, que governou a Síria por mais de 50 anos. O exílio de Bashar al-Assad na Rússia marca o fim do regime tirânico iniciado por seu pai, Hafez. Os dois governaram o país na base da repressão e da tortura, financiados por aliados externos. Somente na década passada, mais de 300 mil morreram numa guerra civil sangrenta que opôs milícias e facções religiosas, em que as forças de Assad chegaram a usar armas químicas contra o próprio povo. Com a vitória dos rebeldes, celebrações pelo fim da era Assad despontaram na capital, Damasco, pelo país e pelo mundo. Mas os casos de tiranias recentes também derrubadas no Oriente Médio — como Saddam Hussein no Iraque ou Muammar Gaddafi na Líbia — são suficientes para despertar preocupação com o futuro.
Não está claro quem ocupará o vácuo de poder,
nem se as milícias chegarão a um acordo que estabilize o país com tolerância às
minorias que integram a complexa sociedade síria, entre as quais curdos,
cristãos e alauitas (ramo do islamismo a que pertence Assad). O presidente
americano, Joe Biden, lembrou que os grupos vencedores têm “um histórico
sombrio de terrorismo e abuso dos direitos humanos”. A principal força rebelde,
conhecida por Hayat Tahrir al-Sham (Comitê pela Libertação do Levante, ou HTS),
é uma ex-afiliada do Estado Islâmico e da al-Qaeda que tem tentado se
distanciar do passado jihadista. “Estão dizendo as coisas certas agora”, disse
Biden. “Mas, à medida que assumam maiores responsabilidades, avaliaremos não
apenas as palavras, mas também suas ações.”
O líder do HTS, o sunita Abu Mohammad
al-Jolani, diz estar ciente da premência de atrair investimentos para melhorar
a vida da população. A ficha corrida do grupo, porém, é cheia de atrocidades.
Há casos de massacres, confisco de propriedades e conversões forçadas
envolvendo minorias religiosas; desaparecimentos, torturas e estupros em
prisões; perseguição e assassinato de jornalistas. É uma questão em aberto se o
HTS fará a transição completa de um grupo teológico para uma organização
política inclusiva.
A explicação para a queda repentina da
ditadura Assad está na conjuntura regional. O regime era apoiado pela Rússia,
pelo Irã e pelo seu satélite local mais poderoso, o libanês Hezbollah. Na
guerra que estendeu ao Líbano, Israel atacou o Hezbollah de forma implacável,
dizimou seu comando e esfacelou seu arsenal. Os rebeldes do HTS,
entrincheirados no norte e apoiados pela Turquia, viram uma oportunidade para
avançar, enquanto tropas iranianas e do Hezbollah bateram em retirada. A
Rússia, envolvida com a guerra na Ucrânia, não tinha força para sustentar
Assad. Os rebeldes conquistaram Damasco quase sem resistência depois de tomar
Aleppo, Homs e o norte do país.
A queda de Assad é mais uma derrota do Irã.
Em 14 meses desde os atentados do Hamas contra Israel, a correlação de forças
mudou de forma dramática. Para os americanos, a perda de influência da Rússia
no Oriente Médio é bem-vinda, assim como o encolhimento do raio de ação
iraniano. As circunstâncias parecem ser favoráveis ao Ocidente, mas tudo
dependerá dos desdobramentos das próximas semanas e meses. Para os sírios, o
pior que poderá acontecer será trocar uma ditadura cruel em meio a uma guerra
civil por um regime islâmico de contornos tirânicos.
Câmeras nas fardas devem estar ligadas nos
momentos críticos
O Globo
Uso tem se expandido, mas de nada adianta
obrigar policial a usá-las se não funcionarem quando necessário
O uso de câmeras em fardas de policiais está
mais disseminado pelo país. É uma boa notícia, uma vez que o equipamento dá
transparência às operações, protege os cidadãos de comportamentos truculentos e
os próprios agentes da lei de acusações infundadas. Pelo menos dez estados já
as adotaram. Mas de nada adianta implantar o sistema se, quando há necessidade
de recorrer às imagens, elas não estão disponíveis, seja porque o policial não
levou o equipamento, seja porque não o ligou ou o sabotou.
Casos desse tipo têm sido recorrentes. No
Rio, onde as câmeras são obrigatórias, PMs acusados de extorquir dinheiro de
comerciantes da Baixada Fluminense deixavam o equipamento no quartel ou
tentavam quebrá-lo. Numa ocorrência, a imagem ficou comprometida, mas o áudio
continuou gravando. Um PM disse não levar o aparelho quando cometia crimes.
Depois disso, o governo anunciou que faria mudanças no sistema e puniria quem
tentasse sabotá-lo. Também no Rio, policiais não usavam as câmeras no momento
em que uma mulher foi baleada em troca de tiros com bandidos.
Em São Paulo, imagens das câmeras do policial
que jogou um homem do alto da ponte e dos agentes envolvidos na morte de um
estudante com um tiro à queima-roupa estão sob análise. Há lacunas para
investigar outros casos. Levantamento da Defensoria Pública mostra que, entre
julho e novembro, de 457 solicitações de imagem, 221 não obtiveram resposta.
Não se sabe se os agentes não usavam as câmeras ou se elas não gravaram por
outro motivo.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), faz bem em recuar na resistência ao uso de câmeras
pelos PMs. Hesitante no início do governo, chegou a falar em interromper o
programa, mas decidiu continuá-lo. Diante de críticas às novas câmeras que
permitem aos policiais ligar e desligar, Tarcísio informou ao Supremo Tribunal
Federal (STF) que elas poderão ser acionadas remotamente. Ontem o presidente do
STF, ministro Luís Roberto Barroso, determinou que as câmeras sejam
obrigatórias e que a gravação seja ininterrupta até ser comprovada a eficiência
do modelo alternativo.
O protocolo federal exige que elas fiquem
ligadas ininterruptamente em casos específicos, como abordagens, policiamento
preventivo e ostensivo, episódios que envolvam confronto ou uso da força
física. Estados que recebem financiamento para comprar câmeras têm de seguir as
normas.
As secretarias de Segurança precisam exigir
dos agentes que levem as câmeras às ruas e as mantenham ligadas. Estudos
comprovam que contribuem para reduzir a letalidade policial, além de proteger
os próprios policiais, como
revelou reportagem do Fantástico. Muitas vezes as imagens são
fundamentais para auxiliar na investigação de casos complexos. Apesar dos
benefícios, nenhum estado é obrigado a adotar as câmeras — embora devessem ser.
Para os que adotam, não faz sentido investir para comprá-las, treinar pessoal e
armazenar vídeo se elas funcionam ocasionalmente. A falta de imagens deveria
ser exceção, não a regra.
Milei tem vitórias no primeiro ano, mas
crescimento é desafio
Valor Econômico
O apoio popular a suas iniciativas e a
rejeição aos peronistas que lhe entregaram uma herança maldita são a chave de
seu êxito político até agora
O presidente da Argentina, Javier Milei,
completa hoje um ano de governo após uma série impressionante de avanços no
processo de estabilização da economia. Esses avanços ainda não conseguiram
gerar crescimento econômico que dê alento àqueles que sofreram com os custos
sociais elevadíssimos do ajuste. Os argentinos continuam acreditando e apoiando
Milei, mas os desafios para o seu segundo ano de mandato, econômicos e
políticos, serão grandes.
Qualificado de aventureiro exótico e inábil,
Milei sobrevive aos estereótipos que ajudou a criar e conseguiu, sem abandonar
seu estilo agressivo, vitórias em um Congresso onde seu partido é minoria
inexpressiva. O apoio popular a suas iniciativas e a rejeição aos peronistas
que lhe entregaram uma herança maldita são a chave de seu êxito político até
agora.
A Argentina se comportou por décadas como um
viciado em políticas econômicas de curto prazo, marcadas por déficits fiscais.
Nunca conseguiu debelar uma crônica inflação alta, que levou-a a sucessivas
fugas do peso, feitas pelo próprios argentinos, enorme endividamento e calotes
sucessivos.
Sem opções de ajuste gradual diante da
gravidade da crise argentina, Milei executou talvez o mais agressivo programa
de ajuste fiscal de um país em tempos de paz. Gerou desde o início superávit
primário, por meio de corte de gasto público (como os numerosos subsídios) e da
não correção monetária, deixando que a inflação corroesse despesas sociais,
como as aposentadorias. Após uma disparada inicial, a inflação mensal começou a
cair, passando de mais de 25% em janeiro para 2,8% em novembro. Ao mesmo tempo,
iniciou um processo de desregulamentação de uma das economias mais
burocratizadas do mundo.
Esse programa de ajuste acelerado resultou em
fortíssima recessão, com previsão de queda do PIB de cerca de 3,5% neste ano e
disparada da pobreza, que no primeiro semestre atingiu 52,9% dos argentinos, um
salto de 11,2 pontos percentuais em relação ao segundo semestre de 2023,
segundo o Indec.
Apesar da terapia dolorosa, a população
continua apoiando Milei, possivelmente percebendo no seu programa uma tentativa
séria de normalizar a economia, e não apenas de aplicar remendos temporários.
Segundo pesquisa do instituto Poliarquia, divulgada ontem pelo jornal “La
Nación”, 56% apoiam o seu governo, contra 43% que desaprovam. Houve uma queda
em relação aos quase 70% de aprovação do início do mandato, mas ainda assim é
um nível surpreendente após um ano inteiro de sangue, suor e lágrimas.
Em seu segundo ano de governo, o principal
desafio econômico de Milei é gerar crescimento. Há sinais de melhora na
atividade econômica, após quedas nos três primeiros trimestres. E muito
otimismo com 2025. O Banco Mundial e o FMI preveem crescimento de 5%, e alguns
analistas locais falam em até 6%. Mais cautelosa, a OCDE prevê alta de 3,6%, o
que apenas compensaria a queda deste ano.
O principal entrave à retomada do crescimento
é o controle de câmbio. As medidas destinadas a proteger a moeda, adotadas pelo
governo anterior, inibem a entrada de capital estrangeiro, pois implicam
restrições a sua eventual saída. O governo teme que o fim das medidas de
controle de câmbio destrave uma demanda represada por dólares, o que poderia
gerar um “overshooting” do dólar e elevar novamente a inflação. Isso seria
administrável se o Banco Central tivesse um estoque adequado de reservas
internacionais, mas analistas estimam que as reservas líquidas ainda são
negativas. Se ocorrer, a retirada das medidas de controle cambial possivelmente
fique para depois das eleições legislativas de outubro.
Além do controle de câmbio, um problema
herdado, o governo Milei se enfiou em uma armadilha que ele mesmo criou, ao
deixar o peso se valorizar. A flutuação de 2% ao mês ainda é inferior à
inflação corrente, e essa sobrevalorização da moeda traz uma série de problemas
para a economia. Ao contrário do início do ano, quando a Argentina estava
barata, hoje o país está muito caro. O fluxo de turistas estrangeiros desabou.
A moeda forte torna ainda os produtos industriais argentinos pouco
competitivos, e os importados, baratos. Tudo isso prejudica a conta corrente do
país.
Mas, principalmente, o câmbio valorizado
trava o investimento. Os investidores sabem que deverá haver uma desvalorização
e se retraem. Já o investimento interno também recua, pois o câmbio atual não
favorece a produção e não se sabe qual será o câmbio futuro. Essas enormes
incertezas impedem a retomada da economia argentina até serem dissipadas.
Politicamente, Milei precisa de um bom
resultado nas eleições de outubro. Pesquisas dão sua legenda A Liberdade Avança
à frente dos partidos tradicionais, mas para avançar no seu programa de
reformas, precisa consolidar uma maioria, o que não é garantido. Muito
dependerá da economia. Um crescimento robusto possivelmente lhe renderá uma
base de apoio sólida no Congresso. Milei e sua equipe estão prometendo um
espetáculo do crescimento em 2025. Se até outubro isso não ocorrer, o
presidente será punido nas urnas e terá dificuldades maiores na segunda metade
de seu mandato.
Queda da ditadura síria merece celebração
cautelosa
Folha de S. Paulo
Saída de Assad ocorre com Irã e Líbano em
crise e Putin focado na Ucrânia; futuro depende de complexa rede de interesses
Mais de meio século de ditadura sanguinária
e 14 anos de brutal guerra civil na Síria acabaram,
como no verso de T.S. Eliot, não com um estrondo, mas com um suspiro.
Ou quase isso, considerado o padrão do
conflito, que não foi sem sangue. Contudo a campanha de meros 12 dias liderada
por forças contrárias a Bashar
al-Assad, herdeiro da dinastia fundada por seu pai, Hafez, varreu o país de
norte a sul e tomou Damasco sem esforço no domingo (8).
O ditador embarcou rumo à aliada Moscou com
a família antes de as tropas da Organização para a Libertação do Levante (HTS)
entrarem na capital do país.
A suavidade relativa da queda reflete a
realidade geopolítica alterada desde que russos e turcos estabeleceram um
cessar-fogo em 2020, mantendo estáveis não só frentes de batalha, mas
territórios delimitados. Cabia a Assad, nesse arranjo, 70% do butim.
O tirano, entretanto, viu a guerra iniciada
pelo preposto iraniano Hamas com Israel tornar-se
regional, desmantelando
dois de seus principais aliados: a própria teocracia de Teerã e seu
joguete, o Hezbollah libanês.
Antes, o autocrata russo Vladimir
Putin havia invadido a Ucrânia,
o que o obrigou a retirar foco das operações na Síria, deixando enfraquecido o
aparato que a partir de 2015 virou o jogo em favor do aliado conhecido como o
"açougueiro de Damasco".
Essa nova conjuntura cheirou a sangue na água
para a Turquia,
que apoiou não só seus tradicionais aliados seculares no norte sírio, mas
também a HTS, uma confederação de chefetes militares que até 2016 estava sob o
comando da rede terrorista Al Qaeda.
Tais credenciais causam arrepios na
comunidade internacional, particularmente em Israel, em princípio um vencedor
na crise —por ver o rival Irã perder
o elo central de coordenação e logística com seus parceiros regionais.
Tel Aviv deixou a cautela para europeus e
americanos e abriu uma campanha aérea contra o arsenal de mísseis e armas
químicas deixado por Assad, além de invadir a zona desmilitarizada entre a
Síria e as Colinas de Golã, anexadas em 1967 do vizinho.
O Estado judeu, com boa justificativa, não
quer ver jihadistas armados na sua fronteira.
Apesar disso, em Damasco a transição de poder
começou com alguns sinais promissores: ao Exército de Assad foi prometida
anistia, e o antigo premiê do regime entregou as chaves do governo sem
violência.
Os radicais islâmicos dizem que pretendem
partilhar poder, ainda a saber com quem: curdos do nordeste do país são
inimigos da vitoriosa Turquia, a fiadora da debacle da ditadura. E ainda está
em aberto o destino das
estratégicas bases de Putin na região
O histórico recomenda precaução, dada a intrincada arquitetura de interesses cruzados e lealdades mutantes. Mas a perspectiva do fim do conflito que matou mais de 500 mil pessoas e deslocou 12 milhões deve, com a prudência necessária, ser celebrada.
Correios voltam a dar prejuízo bilionário sob
gestão petista
Folha de S. Paulo
Com mais de R$ 2 bi no vermelho entre janeiro
e setembro, ECT é outro exemplo de má administração de estatais sob Lula
Repete-se no terceiro mandato de Luiz
Inácio Lula da
Silva o padrão petista de má gestão das estatais. Neste 2024, até outubro, as
empresas federais consideradas no cálculo do resultado das contas públicas
tiveram déficit primário (excluídos gastos com juros)
de R$ 4,45 bilhões —que o governo atribui, em parte, a mais investimentos.
Não parece ser esse o caso dos Correios
(ECT), que, segundo se noticia, registraram um prejuízo acima de R$ 2 bilhões
nos primeiros nove meses deste ano, após terem fechado 2023 com R$ 600 milhões
no vermelho.
Fracassou, infelizmente, a tentativa de
privatização da empresa na gestão de Jair
Bolsonaro (PL), quando foi preparado
um modelo de viabilidade que buscava preservar a natureza pública de certas
atividades essenciais, como correspondências, mas repassar para a iniciativa
privada as áreas em que há concorrência acirrada.
Entre estas estão entrega de pacotes e
soluções logísticas, em que a ECT tem dificuldades de competir com o setor
privado. A resistência de grupos de interesse e barreiras ideológicas impediram
a operação. O custo, esperado, aparece agora com clareza.
Diante do quadro grave, a estatal adotou
recentemente um teto de gastos e busca reduzir encargos de contratos e pessoal.
Ainda há um longo caminho a percorrer, dado que se trata do maior empregador
entre as estatais federais não financeiras, com cerca de 85 mil funcionários.
Sem decisão firme no sentido de uma melhora
de governança e abertura para a iniciativa privada, contudo, será difícil
reverter a situação temerária em que a companhia se encontra.
Os problemas não se resumem às empresas
controladas pelo Tesouro Nacional. O conjunto de estatais estaduais também
registrou deficit primário, de R$ 3,35 bilhões, até outubro.
Ao menos há maior disposição por parte de
governadores em avançar na agenda de privatizações, como se
observa no caso da Sabesp e de outras empresas do setor
de saneamento.
No Paraná também foi vendida a Copel, de energia elétrica.
A venda da Eletrobras em
2022 também foi importante. O
intervencionismo petista traria mais riscos se a maior geradora
e transmissora de energia do país fosse controlada pela União.
Depois de tentativas de fragilizar a Lei das Estatais, de 2016, o governo anunciou nesta segunda (9) três decretos destinados a melhorar a governança das empresas. Qualquer iniciativa nesse sentido será bem-vinda, mas a experiência dos últimos dois anos não autoriza maior otimismo.
Só discurso não basta
O Estado de S. Paulo
Tarcísio dá raro exemplo de humildade ao
admitir que, ao valorizar o confronto, pode ter ajudado a agravar a violência
policial em SP. Mas não é suficiente: ele precisa demitir Derrite
O governador Tarcísio de Freitas deu um
notável exemplo de humildade e espírito público ao admitir que seu discurso de
valorização do confronto na área de segurança pública pode ter sido decisivo
para o aumento dos casos de violência policial em São Paulo. “Às vezes,
cometemos erros. Nosso discurso tem peso e, se erramos a mão no discurso, isso
tem peso. Hoje, é fácil reconhecer isso”, disse o governador paulista na
sexta-feira passada, durante um simpósio promovido pelo Instituto Brasileiro de
Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
Há poucos dias, Tarcísio já havia reconhecido
que errou ao não valorizar as evidências positivas do uso das câmeras corporais
no fardamento da Polícia Militar (PM) para a segurança da sociedade e dos
próprios policiais. No evento do IDP, contudo, ele foi além, extrapolando a
dimensão eminentemente técnica que envolve o debate sobre o uso das bodycams para
reconhecer sua responsabilidade pessoal pelo problema na condição de maior
autoridade do Poder Executivo de São Paulo. E o fez diante da imprensa, de ministros
do Supremo Tribunal Federal, do ministro da Justiça e de especialistas em
políticas de segurança pública.
De fato, como se constata pelos dados do
Sistema Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, o índice de
letalidade policial por 100 mil habitantes em São Paulo dobrou desde quando
Tarcísio assumiu o governo estadual, saltando de 0,9 para 1,8 entre o início de
2022 e outubro de 2024. Ou seja, há um liame inequívoco entre a política de
segurança pública da atual gestão e o aumento de mortes provocadas por
intervenção policial no Estado.
Na história recente, não se tem notícia de um
mandatário que tenha se prestado a um mea culpa nesse nível como
Tarcísio. O que tem prevalecido na política moderna, ao contrário, é a postura
arrogante de líderes que se arvoram em senhores da verdade e julgam ser os
únicos intérpretes legítimos dos desejos do “povo”. Caminhando na direção diametralmente
oposta, o governador paulista, a um só tempo, indicou que não está disposto a
brigar com os fatos e, ademais, pretende corrigir os rumos de sua política de
segurança pública, que ele mesmo classificou como uma “ferida aberta”.
Esse reposicionamento, ainda segundo
Tarcísio, significa “modular o discurso para garantir, de fato, segurança
jurídica (à atividade policial), mas também o atendimento às normas e aos
procedimentos operacionais, como não permitir o descontrole, como deixar claro
que não existe salvo-conduto”. E aqui reside o problema. Aprumar o discurso,
não há dúvida, é fundamental. Afinal, como o próprio governador reconheceu, as
palavras da autoridade têm peso. Mas só discurso não basta. A disposição de
Tarcísio de reavaliar sua gestão da segurança pública tem de se materializar em
ações para que disso advenham os resultados benfazejos aos quais ele parece
almejar. Na prática, isso significa, em primeiro lugar, demitir imediatamente o
secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite.
A natureza de Derrite, egresso da banda da PM
que se orgulha da truculência, é obstáculo intransponível para fazer com que a
polícia seja orientada pelo respeito às leis e aos direitos humanos – eixos
fundamentais de uma política de segurança pública no Estado Democrático de
Direito. Se Tarcísio fez a opção pela civilização ante a barbárie, como as suas
virtuosas palavras indicam, ele precisa, necessariamente, de outro secretário
de Segurança Pública para auxiliá-lo na missão de recolocar a PM de São Paulo no
patamar de uma das mais eficientes e menos letais forças policiais do País. Era
assim até pouco tempo atrás – e pode voltar a ser a depender da disposição do
governador de traduzir seu discurso em ação.
O histórico de Derrite como mau policial
militar, seu desempenho como deputado membro da “bancada da bala” e suas ações
e palavras como secretário estadual de Segurança Pública evidenciam que não é
ele a pessoa que vai ajudar Tarcísio a substituir por confiança o medo que
muitos paulistas passaram a sentir da PM. Ao contrário, a permanência de
Derrite no cargo decerto será vista como uma traição inequívoca às suas
supostas boas intenções.
O mercado entendeu o pacote fiscal
O Estado de S. Paulo
Lula optou por uma pinguela que lhe permita
chegar a 2026 com chance de reeleição. Até lá, o mercado se protegerá com
títulos do governo, e os mais pobres estarão à mercê da inflação
Após a péssima recepção do pacote fiscal, o
governo passou a investir na construção de uma narrativa muito conveniente para
si mesmo. Para a equipe econômica, o mercado não compreendeu o quanto o ajuste
é austero, sobretudo para um governo de esquerda cuja maior preocupação é a
área social. Sua apresentação, portanto, seria uma vitória do ministro Fernando
Haddad, que conseguiu convencer Lula da Silva a fazer o que era o certo a
despeito da resistência da maioria do governo.
Prova do alegado vigor do ajuste fiscal é que
a Câmara por pouco não aprovou o regime de urgência para acelerar a tramitação
dos projetos do pacote por discordar das mudanças nas regras de acesso ao
Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio pago a idosos vulneráveis e
pessoas com deficiência. Além do rechaço da esquerda, lideranças do Centrão
também manifestaram receio sobre o impacto econômico da medida vis-à-vis o
desgaste político que ela poderia proporcionar.
Essa versão serve aos propósitos do governo,
mas não resiste aos fatos. Sob o ponto de vista político, a má vontade da
Câmara com o pacote fiscal nada tem a ver com a pretensa dureza das medidas,
mas com a decisão do ministro Flávio Dino, referendada pela maioria do Supremo
Tribunal Federal (STF), de impor regras que dificultam o pagamento de emendas
parlamentares.
Aprovar esses projetos seria um passeio caso
Dino tivesse se contentado com a proposta que deputados e senadores aprovaram
para manter o esquema das emendas como estava. Mas o jogo ainda não acabou e,
até o fim do ano, essas e outras propostas pendentes de votação pelo Congresso
poderão ser aprovadas a toque de caixa, a depender de negociações que nada têm
a ver com o cerne dos projetos.
Sob o ponto de vista econômico, contestar o
teor das propostas é ainda mais fácil. Como destacou o pesquisador associado do
Insper Marcos Mendes em entrevista ao Estadão, o Ministério da Fazenda nem
sequer apresentou as notas técnicas que deram base à anunciada economia com
cada projeto, o que enseja dúvidas sobre as premissas utilizadas nas contas. E,
a despeito de o arcabouço fiscal ser incapaz de estabilizar a dívida pública, o
governo tem tido dificuldade em cumpri-lo à risca.
Aliados alegam haver implicância dos
investidores com Lula da Silva. Enquanto eles cobravam mais vigor do pacote
fiscal, o IBGE divulgou que o PIB cresceu 0,9% ante o segundo trimestre e 4% na
comparação com o terceiro trimestre do ano passado, e que a quantidade de
brasileiros abaixo da linha da pobreza caiu de 67,7 milhões para 59 milhões, o
menor número desde 2012. São, por óbvio, indicadores a serem celebrados, mas
que falam do passado, e não do futuro, horizonte que pauta as análises do
mercado. Uma análise mais justa demonstraria que o ano em que a pobreza recuou
a níveis historicamente baixos coincidiu com o período em que o mercado apostou
todas as suas fichas no País.
Na última sessão de 2023, por exemplo, o
Ibovespa fechou o ano em alta de mais de 20%, aos 134 mil pontos, melhor
desempenho anual desde 2019; o dólar foi cotado a R$ 4,8322, queda de 8,08% em
relação ao fim do ano anterior, quando estava em R$ 5,2780. Àquela época,
segundo o Boletim Focus, os investidores acreditavam que a Selic estaria
em 9%, o dólar em R$ 5,00 e o IPCA em 3,91% no fim deste ano. Se o mercado
errou, não foi por pessimismo. Hoje, a Selic está em 11,25%; a moeda
norte-americana, em mais de R$ 6,00; e a inflação, em 4,76% no acumulado em 12
meses até outubro.
Se o governo tem genuíno interesse em
melhorar a vida dos mais pobres, deveria fazer sua parte para manter a inflação
na meta, o que exigiria rigor com o gasto público e programas sociais
focalizados naqueles que mais precisam.
Mas, em vez de mostrar comprometimento com a
responsabilidade fiscal, o Executivo optou por preservar o arcabouço fiscal com
uma pinguela que lhe permita chegar com chances eleitorais até 2026, único
panorama a guiar as ações de Lula da Silva.
O mercado, portanto, entendeu muito bem o
significado do pacote e se protegerá da instabilidade gerada pelo governo com
títulos públicos do próprio governo, que já rendem mais de 14%. Enquanto isso,
os pobres ficarão à mercê da inflação.
O prejuízo do uso político do FGTS
Folha de S. Paulo
Crédito para negativados com recursos do
fundo é exemplo de política pública de governos populistas
A receita de como não fazer política pública
está disponível no relatório da auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU)
acerca do Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para
Empreendedores, o Sim Digital. Criado em 2022, no governo de Jair Bolsonaro, o
programa distribuiu aos borbotões créditos de baixo valor usando recursos do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O selo de má governança, aplicado
pela CGU à Caixa, que administra o FGTS, e ao Ministério do Trabalho, à época
comandado por Onyx Lorenzoni, apenas atestou o óbvio.
Todos os ingredientes que qualificam um
programa eleitoreiro, populista e leviano podem ser encontrados no Sim Digital.
A começar pela criação do Fundo Garantidor de Microfinanças (FGM), no qual
foram aportados R$ 3 bilhões do FGTS sem sequer consultar o Conselho Curador,
colegiado que orienta as decisões de investimento do FGTS e aprova seu
orçamento. Não bastasse isso, a farta distribuição de empréstimos foi feita com
um dinheiro que nem é público: os recursos são dos trabalhadores celetistas.
Para culminar, o programa foi lançado no ano
eleitoral de 2022, primeiro por medida provisória, depois transformada em lei,
com a desculpa de incentivar o empreendedorismo no pós-covid, mas com o
objetivo real de angariar popularidade para Jair Bolsonaro, então candidato à
reeleição.
Inicialmente voltada a microempreendedores
individuais, a linha atendeu também pessoas físicas, até mesmo as que
integravam o rol de negativados, e a inadimplência por muito pouco não foi
total, atingindo a marca de mais de 80%, um índice absolutamente inaceitável
para qualquer instituição financeira.
Para o candidato a um novo mandato
presidencial, no entanto, era um verdadeiro maná contar com a capilaridade da
Caixa para distribuir País afora empréstimos de até R$ 3 mil, com dinheiro que
não desfalcaria o erário, para agraciar possíveis eleitores. Para o
contribuinte do FGTS restou o prejuízo de R$ 2 bilhões, como constatou a CGU.
Somente em julho do ano passado se conseguiu o retorno de um terço do capital
emprestado.
Mesmo levando em conta o rendimento
historicamente baixo do FGTS – 3% ao ano mais a taxa referencial –, pôr em
risco o patrimônio do fundo mantido pelos trabalhadores foi uma atitude
perversa. As falhas de governança detectadas pela CGU fizeram o prejuízo ser
absorvido pelo patrimônio líquido do Fundo, impactando a distribuição de lucros
do FGTS e afetando os rendimentos dos trabalhadores que têm cotas no Fundo.
O SIM Digital foi apenas mais um exemplo de
política pública criada para comprar o voto do eleitorado refratário à
candidatura de Bolsonaro e/ou garantir o apoio de uma parcela mais simpática ao
então presidente, como o auxílio financeiro pago a caminhoneiros e taxistas.
Se há muitos exemplos de medidas que, mesmo bem-intencionadas, não conseguem entregar os resultados esperados, há também aquelas incapazes de esconder seu viés eleitoreiro desde a origem. Mas não basta apurar os prejuízos e apontar os responsáveis. É preciso criar mecanismos que impeçam que erros como esse voltem a se repetir.
Educação contra as desigualdades
Correio Braziliense
Uma virada de página na realidade nacional
depende muito da educação aliada aos avanços tecnológicos e de políticas
públicas inclusivas voltadas especialmente para os jovens
Os jovens de 15 a 29 anos fora da escola e do
mercado de trabalho somaram 10,3 milhões, segundo a pesquisa Síntese de
Indicadores Sociais 2023, do Instituto
Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE). Os números dos nem-nem,
como são chamados, é o menor da série histórica iniciada em 2012. Um olhar mais
detalhado no estudo, porém, mostra que as graves desigualdades que
compõem o perfil do Brasil persistem — nos 10% de domicílios com menor renda, 49,3%
desses jovens estão nessa condição, por exemplo — e, para serem superadas, são
necessários justamente avanços na educação.
O preconceito
racial é outro elemento da desigualdade. Os brancos que não
trabalham nem estudam totalizam 3,05 milhões — homens (1,15 milhão) e mulheres
(1,9 milhão). Os pretos e pardos chegam a 7,04 milhões — 2,4
milhões de negros e 4,64 milhões de negras. O fato de as mulheres negras serem
maioria reflete que elas não avançaram nos estudos nem buscaram inserção no
mercado de trabalho devido a outras chagas brasileiras, como a obrigação de,
desde muito novas, se dedicarem aos afazeres domésticos ou aos cuidados de
filhos e parentes.
A geração
nem-nem é um dos grandes desafios do poder público. Como levar
esses jovens para o banco da escola, uma vez que a realidade que vivenciam é um
dos obstáculos e as instituições de ensino não parecem atrativas para muitos
deles? Despreparados, eles praticamente não têm condições de acessar as
oportunidades do mercado e se limitam à informalidade e às suas restrições.
Somam-se a essa paralisia possíveis efeitos na saúde mental e emocional em
decorrência da impossibilidade de fazer planos de mudança de vida que são, de
fato, viáveis.
O Executivo tem sinalizado preocupação com
essa geração. No primeiro semestre deste ano, chegou a discutir soluções para
os nem-nem. Entre elas, a de sensibilizar empresas do setor de tecnologia a
contratarem os jovens e capacitá-los. O salário seria pago pelo governo
federal, tomando como exemplo uma iniciativa anterior voltada aos
universitários. A proposta seria inserida no programa Conecta e Capacita, do
Ministério da Ciência e Tecnologia, segundo anunciou o jornal O Estado de
S. Paulo.
Mas é preciso mobilizar os setores adequados
e capazes de atender às necessidades dos jovens que estão fora da escola e do
trabalho. Na última quarta-feira, o CB Fórum, promovido pelo Correio
Braziliense e o Serviço de Nacional de de Aprendizagem Comercial (Senac),
reuniu autoridades do governo federal e especialistas do setor privado para um
debate nesse sentido, a partir do tema Emprego,
renda e cidadania: a educação como ferramenta de oportunidade. Os
participantes enfatizaram o quanto a educação profissional é essencial para o
futuro do trabalho. Criar oportunidades aos jovens, desenvolver programas de
formação educacional para empregabilidade e prepará-los para a revolução
tecnológica são iniciativas mais do que necessárias.
O Brasil da pobreza e da extrema pobreza encolheu, respectivamente, 8 milhões e 3,1 milhões, resultado dos benefícios sociais implementados pelo poder público desde o ano passado. É um avanço importante, mas insuficiente. Uma virada de página na realidade nacional depende muito da educação aliada aos avanços tecnológicos e de políticas públicas inclusivas voltadas especialmente para os jovens. O resultado beneficiará todas as camadas da sociedade, reduzindo as desigualdades, companheiras das injustiças socioeconômicas.
Aparentemente, não existe receituário econômico padrão para os países e ainda é cedo para cravar julgamentos definitivos sobre o cenário argentino. Mas não deixa de ser interessante uma comparação entre o analisado no editorial do Valor sobre o governo Milei e o apontado nos outros que tratam das estatais brasileiras e a forma como utilizamos nossos recursos públicos. Enfim.
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