Congresso precisa endurecer medidas de pacote fiscal
O Globo
Diante da tibieza do Executivo com a
economia, responsabilidade dos parlamentares se tornou maior
Em vez de enfraquecer as medidas do pacote
fiscal, o Congresso precisa endurecê-las. Os sinais são evidentes. Ninguém pode
alegar que não vê a escalada do dólar e das expectativas de inflação,
resultados óbvios da falta de credibilidade do governo para promover um ajuste
nas contas
públicas em que todos consigam acreditar.
De forma unânime, o Banco Central (BC), acossado pela alta da inflação, deu um choque nos juros: elevou a Selic em 1 ponto, para 12,25% ao ano. Mais: sinalizou que em três meses o percentual poderá chegar a 14,25%. A última vez em que a Selic foi alçada a tal patamar foi em 2015, quando Dilma Rousseff era presidente, o país debatia a urgência de um ajuste fiscal, e a economia estava prestes a registrar dois anos duríssimos de recessão. Não dá para repetir os mesmos erros.
Ao contrário do que argumentam o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva e o PT, a alta dos juros foi uma medida essencial diante da tibieza do
pacote enviado pelo governo ao Congresso — ele mal atende a um décimo do
necessário para estabilizar a dívida pública, algo como R$ 300 bilhões. Como o
governo não faz sua parte, o BC precisa agir com mais rigor. Dada a magnitude
dos anúncios sobre juros, dólar e expectativas de inflação deveriam estar em
queda, mas se vê o oposto. Enquanto a credibilidade do arcabouço fiscal só cai
e a trajetória da dívida pública só sobe, os preços e a insegurança refletida
no câmbio continuarão pressionados.
Diante de cenário tão grave, o que faz o
Congresso? Tenta desidratar o já tímido pacote de ajuste enviado pelo governo.
É como se o pelotão de frente numa guerra virasse as costas ao inimigo e
disparasse contra a própria tropa. Os congressistas resistem a aprovar medidas
necessárias, como o endurecimento nas regras de concessão do benefício
destinado a idosos e deficientes de baixa renda, o BPC. Dizem temer a reação de
eleitores. Esquecem, porém, que um desastre econômico terá efeito muito pior
nesse mesmo eleitorado.
Diante de um presidente que todo dia dá
repetidas provas de não compreender a gravidade da situação que ele próprio
criou para a economia brasileira ao dar de ombros para a crise fiscal, o
Congresso não pode se dar ao luxo de ser omisso, imaginando que não pagará
custo político. Estão em jogo os empregos e a renda de milhões de brasileiros.
Diante da negligência do Executivo, a responsabilidade dos parlamentares se
tornou muito maior.
O Congresso tem o poder de assumir o
protagonismo e aperfeiçoar o pacote do governo, para impor mais rigor ao
controle das despesas. Há boas ideias no Parlamento, como a Proposta de Emenda
à Constituição dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e
Julio Lopes (PP-RJ). Com a meta de economizar R$ 1,5 trilhão em dez anos, o
texto propõe desindexar e desvincular várias rubricas do Orçamento. Outros
parlamentares também defendem mudanças capazes de produzir efeitos
estabilizadores e duradouros nas contas públicas, como a redução do
engessamento dos gastos e um controle mais rígido dos supersalários do
funcionalismo.
É hora de essas propostas se tornarem
realidade. Quanto menos ambiciosas as mudanças e mais demorada a aprovação do
pacote fiscal, mais caro será o ajuste necessário para evitar o descontrole
inflacionário e a precipitação da economia no abismo da incerteza. O momento é
crítico. Os parlamentares não podem fugir a sua missão.
Morte à espera de atendimento é alerta sobre
descaso na saúde pública
O Globo
Só no estado do Rio, 255 mil pacientes de
casos complexos — boa parte urgentes — esperam ser atendidos
O artesão e garçom José Augusto Mota da Silva
morreu na última sexta-feira aos 32 anos, enquanto aguardava ser atendido numa
cadeira da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade de
Deus, Zona Oeste do Rio. A tragédia comoveu a sociedade e mais uma
vez chamou a atenção para as deficiências do sistema público de saúde. Está
gravado na Constituição que a saúde é direito de todos e dever do Estado, mas
essa garantia costuma se perder nos labirintos do SUS.
Como mostrou reportagem do GLOBO, apesar do
aumento na oferta de procedimentos médicos nas redes municipal e estadual neste
ano, há bem menos vagas que o necessário. A espera por uma consulta em
determinadas especialidades pode passar de um ano, prazo que atrasa
diagnósticos e agrava as doenças, demandando tratamentos ainda mais caros e
demorados. Quem depende do SUS não dispõe de recursos para recorrer às redes
privadas.
Na fila do Sistema de Regulação (Sisreg) da
cidade do Rio, havia em outubro 427 mil pacientes para consultas e exames mais
simples, responsabilidade dos municípios segundo os protocolos do SUS. O
Sistema Estadual de Regulação (SER), que disciplina vagas para os casos mais
complexos e está sob responsabilidade do estado, reunia na segunda-feira 255
mil pacientes. Essas plataformas costumam priorizar situações mais graves, mas,
numa fila com centenas de milhares, é inevitável que mesmo casos urgentes sejam
postergados.
Na cidade do Rio, o principal gargalo são as
consultas. O tempo médio para atendimento ambulatorial subiu de 83 dias (em
dezembro do ano passado) para cerca de quatro meses (em agosto deste ano).
O setor de oncologia, de maior complexidade,
é o que mais preocupa, devido à necessidade de rapidez no diagnóstico e no
tratamento. Na segunda-feira, 815 pacientes aguardavam havia mais de dois meses
uma primeira consulta. O caso mais antigo esperava desde janeiro. “O paciente
oncológico precisa ser atendido com muita rapidez”, diz Teresa Navarro
Vannucci, diretora do Departamento de Gestão Hospitalar do Ministério da Saúde.
“Faz a diferença entre morrer e viver.”
Depois da morte de José Augusto à espera de
socorro na UPA, a prefeitura demitiu 20 funcionários. Houve descaso certamente.
Mas as demissões não resolvem o problema estrutural das filas, da falta de
vagas e da demora para atendimento. É certo que sistemas de saúde vivem
pressionados e que houve aumento de vagas nas redes municipal e estadual. Mas
os pacientes precisam ser atendidos. Nos três níveis de governo, a saúde
abocanha as maiores fatias do Orçamento. Não falta dinheiro. Governo federal,
estado e municípios precisam melhorar a gestão para reduzir as filas,
principalmente nos casos em que há urgência. É uma crueldade que pacientes com
câncer ou doenças cardíacas tenham de esperar meses em busca de tratamento que,
como no caso de José Augusto, nem sempre chega a tempo.
Ata dura do Copom não segura juros nem
disparada do dólar
Valor Econômico
Cortar gastos e corrigir o regime fiscal são
as saídas para o péssimo ambiente econômico que se formou. Basta vontade
política para mudá-lo
O Banco Central considera que as perspectivas
de inflação se deterioraram em todos os sentidos e que, para trazê-la à meta,
será necessário ter novas e fortes doses de juros, que desacelerem a economia.
O diagnóstico, que consta da ata do Comitê de Política Monetária divulgada
ontem, e o remédio - alta de 1 ponto percentual, seguida de mais duas do mesmo
tamanho nas próximas duas reuniões, levando a Selic a 14,25% em março -
pareciam uma demonstração de firmeza e determinação do BC, capaz de conter as instabilidades
no mercado financeiro. Elas se ampliaram, no entanto: os juros futuros
encostaram em 17% e o dólar subiu seguidamente, mesmo após intervenções do BC,
que até ontem ultrapassaram US$ 12,7 bilhões.
As condições para trazer o IPCA a 3% pioraram
bastante. O índice já ultrapassou o teto da meta em novembro (4,86%) e não
voltará a ele no ano. As expectativas são pessimistas e o boletim Focus previu
que em 2025 haverá outro estouro do teto. No cenário de referência, para o ano
calendário de 2025, a inflação chegará a 4,5% e, no segundo semestre de 2026,
horizonte relevante da política monetária, a 4% sem mais aumentos de juros. A
ata apontou que os bens industriais, que vinham segurando a inflação, estão com
preços e margens pressionados pela disparada do dólar. A inflação de serviços,
há tempos em nível incompatível com a meta, voltou a subir. Alimentos, em
especial carnes, estão empurrando a alta do IPCA. A conclusão: “Houve não só
uma interrupção no processo desinflacionário, como uma maior pressão
inflacionária”.
Entre uma reunião e outra do Copom, dois
fatos foram fundamentais para o aperto extra da política monetária. O PIB do
terceiro trimestre mostrou avanço de 4% em 12 meses, com seu crescimento firme,
indicando para o Copom “um hiato mais positivo” - mais além do potencial da
economia.
Depois, o governo prometeu medidas fiscais
que corrigiriam as falhas do arcabouço e reforçariam a consecução das metas em
2025. Após uma inexplicável demora, as medidas anunciadas não fizeram nem uma
coisa nem outra e, acompanhadas da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil,
ratificaram a certeza dos agentes econômicos de que não há interesse do
Planalto em usar o rigor necessário para conter despesas e endividamento
crescentes. O dólar, que já vinha subindo, rompeu a barreira dos R$ 6.
Os três fatores de alta da inflação
constantes do balanço de riscos se consumaram: desancoragem adicional das
expectativas, maior persistência da inflação de serviços decorrente de expansão
econômica acima do potencial e políticas doméstica e externa que tenham impacto
na inflação, como taxa de câmbio persistentemente depreciada. O Copom
considerou então que o cenário tornou-se mais adverso e menos incerto. O BC não
tem mais dúvidas de que tudo aponta para uma inflação mais alta, que combaterá
com “uma política monetária ainda mais contracionista”.
O Copom se indagou como juros altos
permitiram que a expansão da economia se moderasse - contra as previsões,
manteve-se robusta. Não encontrou outras explicações além dos estímulos da
política fiscal expansionista e dos impulsos mais fortes que o esperado da
oferta de crédito, que funcionaram como “mitigadores” da ação da política
monetária. Além disso, o BC aumentou a estimativa de juro neutro (o que não
contrai nem acelera a atividade econômica) de 4,5% para 5%. Ou seja, se a
inflação atingir finalmente os 3% almejados, a Selic estacionará em 8%, ainda
elevada.
Para tornar a situação da inflação mais
intratável, a desvalorização cambial tornou-se uma incômoda certeza. As
cotações do dólar chegaram a R$ 6,20 após dois leilões do BC ontem, que
injetaram US$ 3,2 bilhões no mercado à vista. Nos mercados futuros, os juros
encostaram em 17% em dezembro de 2025, quando se espera que o BC encerre o
ciclo de alta.
Essa combinação de dólar e juros em disparada
é tóxica. Segundo a ata, o repasse da desvalorização cambial salta mais rápido
para os preços quando a demanda está forte ou ela é vista por todos como “mais
persistente”. O cenário externo tem grande contribuição para isso, embora as
fragilidades domésticas sejam mais importantes. As moedas emergentes tiveram
queda de 5% no 4º trimestre, a maior desde setembro de 2022, pelo índice do JP
Morgan (FT, 12/12).
O presidente Lula disse no domingo que a
única coisa errada hoje na economia são os juros e que a inflação está
controlada. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que a decisão do BC de
elevar juros é um “tapa na cara da população”, e que a ata do Copom é
“sequestro da política econômica”. Lula e o PT só veem conspiração nas atitudes
dos investidores, mas a fragilidade fiscal se acentuou muito desde que voltaram
ao poder.
Quando o buraco fiscal não encontra respostas
tempestivas, o custo de correção é muito maior, como demonstram agora o peso
dos juros para as contas públicas, a maxidesvalorização do dólar e a alta da
inflação. Restou ao BC apagar incêndios com as armas que possui, depois de
rogar por meses que a política fiscal viesse em seu socorro. Cortar gastos e
corrigir o regime fiscal são as saídas para o péssimo ambiente econômico que se
formou. Basta vontade política para mudá-lo.
BC não deve mirar cotação nem desperdiçar
seus dólares
Folha de S. Paulo
Reservas são preciosas para transações com o
exterior; no regime de câmbio flutuante, intervenções devem ser pontuais
Não se sabem ao certo os objetivos e a
estratégia do Banco Central ao
fazer intervenções massivas no mercado de câmbio desde
a semana passada. Sabe-se apenas que o plano é de baixa eficácia.
De quinta-feira (12) até esta terça
(17), o BC despejou
na praça US$ 12,8 bilhões —dos quais US$ 5,8 bilhões em vendas
à vista, com impacto direto nas reservas da instituição. A despeito da
dinheirama, a cotação do dólar se
mantém em patamares nominais históricos e fechou perto de ainda assustadores R$
6,10.
Pior, a atuação mal explicada adicionou
incertezas em torno da política econômica, levando a um novo salto dos juros de
mercado, que já incorporam projeções de uma alta da Selic,
a taxa básica, dos atuais
12,25% para 15% ao ano ou mais.
Em um regime de câmbio flutuante, que o
Brasil adota desde 1999, o BC não busca interferir nas cotações, que devem
variar conforme os movimentos de demanda e oferta, equilibrando-os. Graças a
essa política, o país deixou para trás uma longa e penosa tradição de crises
provocadas por escassez de divisas.
Esse entendimento fora reafirmado no início
deste dezembro pelo próprio diretor Gabriel
Galípolo, prestes a assumir o comando do BC, segundo o qual a
instituição "não segura no peito" o dólar —como desejam abertamente
expoentes petistas.
Intervenções no mercado devem se limitar a
momentos atípicos, de problemas pontuais na oferta ou de especulação aguda. É
no mínimo duvidoso qualificar assim a conjuntura atual.
Existe uma razão cristalina e persistente
para a escalada do dólar, que ultrapassou o patamar de R$ 5 em abril e o de R$
6 no final de novembro —a desconfiança crescente e justificada quanto ao
compromisso do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
com o reequilíbrio
do Orçamento e o controle da dívida pública.
Há oito meses, o Executivo afrouxou as metas
para os saldos das contas do Tesouro; mais recentemente, anunciou um pacote
frustrante de contenção de gastos, ora em exame no Congresso.
Haverá quem ache exagerada a reação do
mercado, e de fato podem ocorrer movimentos irracionais em situações de grande
tensão. Para restabelecer alguma tranquilidade, o melhor caminho é uma
indicação crível de reforço à política fiscal.
O BC dispõe de cerca de US$ 360 bilhões em
reservas, que garantem ao país segurança nas transações com exterior, de
importações ao pagamento de dívidas. Esse montante foi adquirido, a um custo
elevado, ao longo de anos em que a bonança da economia global
gerava aqui fartos excedentes de dólares.
São recursos preciosos, que não podem ser
desperdiçados em uma eventual tentativa de mascarar fragilidades na gestão da
economia. O BC autônomo, que mostrou coragem ao promover um choque de juros
para conter a inflação, precisa zelar por sua credibilidade na seara cambial.
Saúde de Lula será tema do
debate pré-eleitoral
Folha de S. Paulo
Mandatário felizmente se
recuperou bem; é natural que sua condição física para novo mandato receba
atenção da sociedade
No presidencialismo
democrático, uma pessoa eleita encarna os poderes de chefe de Estado e, na
maioria dos casos, também de governo. É natural, portanto, que o seu estado
de saúde seja
assunto de interesse público, pois afeta diretamente o exercício do mandato
concedido pela soberania popular.
A recente internação do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) para tratar
com urgência de um sangramento cerebral lembrou o país dessa conexão entre o
corpo e a função do governante.
Por alguns dias o petista
esteve inabilitado fisicamente de comandar o Executivo federal. A melhor
prática teria sido transmitir interinamente a Presidência ao vice, Geraldo
Alckmin (PSB),
e assegurar continuidade.
Felizmente a
evolução do quadro de Lula foi a melhor possível. A ótima notícia, no
entanto, não vai encerrar a preocupação e o debate sobre suas condições físicas
e mentais —ainda que ele não mostre nenhum sinal de perda de acuidade—
suficientes para exercer um segundo mandato seguido caso reeleito em 2026.
Dois dias após o segundo
turno desse próximo ano eleitoral, Lula terá completado 81 anos de vida. Nenhum
presidente brasileiro exerceu o cargo com essa idade. Michel Temer (MDB), o segundo
mais velho nessa lista, terminou o seu mandato com 78 anos.
Quando se fala de reeleição,
está em jogo a possibilidade de Lula estender ainda mais esse recorde no
comando político de uma nação continental de 212 milhões de habitantes, que
nessa hipótese seriam governados por um político com mandato até os 85 anos.
Aos 81, o democrata Joe Biden viu-se
na prática obrigado a abandonar
a pretensão de concorrer ao segundo mandato nos EUA exatamente porque
não demonstrava capacidade fisiológica. Na ocasião, Biden recebeu os
cumprimentos de Lula pela sua "magnânima" decisão.
Devem tornar-se frequentes,
da parte do circulo palaciano, intervenções para atestar a boa saúde do líder
petista, como a que na sexta (13) o presidente publicou em redes sociais,
dizendo estar "firme e forte".
Faz parte do jogo, mas essa
não é uma disputa de "narrativas", e sim uma questão bastante
concreta —ainda mais com a superexposição normalmente exigida do presidente da
República no Brasil, e em tempos tão favoráveis à captação de falas e imagens.
De Lula, que concorre a
eleições presidenciais desde os 44 anos, e seu estafe esperam-se transparência
e atenção ao escrutínio legítimo da sociedade —ainda que possa ser desvirtuado
por baixezas comuns de campanha.
Brincando com fogo
O Estado de S. Paulo
Na expectativa de que o mercado se acalme por
conta própria, governo Lula menospreza compromisso fiscal, culpa investidores,
colhe valorização do dólar e contrata inflação elevada
O governo Lula da Silva parece não
compreender o quão contraproducente tem sido sua reticência em relação à
responsabilidade fiscal. Na segunda-feira, 16, o dólar encerrou o dia a R$
6,09, uma cotação recorde, e isso a despeito de o Banco Central (BC) ter
injetado US$ 4,617 bilhões em dois leilões cambiais. Ontem, a cotação da moeda
norte-americana chegou a tocar os R$ 6,20, mesmo com a intervenção do BC, e só
fechou a R$ 6,09 depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
anunciou que faria uma manobra para acelerar a votação da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) do pacote de corte de gastos apresentada pelo governo.
A razão por trás das turbulências que têm
afetado o mercado nas últimas semanas é óbvia: a incapacidade do presidente
Lula da Silva de convencer os investidores de que leva a sério a necessidade de
um duro ajuste fiscal. Não bastasse a frustração com as medidas anunciadas pelo
governo, deputados da base aliada, sobretudo do PT, têm atuado para
desidratá-las ainda mais. Isso explica não só a disparada do dólar, mas também
dos juros futuros, o grande indicador do ceticismo do mercado.
Uma parte da alta do dólar é sazonal,
resultado da compra da moeda por multinacionais, que precisam enviar remessas
às suas matrizes antes que o ano acabe. Os leilões do BC foram uma tentativa de
dar alguma liquidez a essas operações, sobretudo em um momento em que os
investidores têm saído do País.
A moeda norte-americana também tem subido em
razão das prováveis medidas econômicas protecionistas que o presidente eleito
dos EUA, Donald Trump, prometeu tomar assim que tomar posse, e também pela
expectativa sobre a decisão do Federal Reserve, o banco central americano, que
deve anunciar hoje o terceiro corte consecutivo na taxa de juros.
Em relação a isso, o País tem pouco ou nada a
fazer. Internamente, no entanto, o governo teria muito a colaborar, uma vez que
o que agita o mercado é a perspectiva de que os caminhos da política monetária
do BC e da política fiscal do governo sigam em direções diametralmente opostas.
Em meio a essa crise, Lula da Silva vocifera
contra os investidores, fazendo o que dele se espera. O problema é muito mais
grave, no entanto, quando é o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
quem anda espalhando por aí que há uma “ação orquestrada” de agentes cujas
análises estariam contaminadas por suas preferências políticas, segundo apurou
o Estadão. Também segundo a reportagem, técnicos do Ministério da Fazenda
entendem que o mercado “está exagerando” e argumentam que os fundamentos da
economia brasileira não justificam uma disparada tão forte do dólar.
Isso deixa claro que o governo começa a
operar no universo paralelo característico do lulopetismo, ignorando que o
mercado não se move apenas pelos indicadores macroeconômicos atuais, mas,
sobretudo, pelos futuros.
O fato é que o frágil pacote de gastos que o
governo apresentou permite afirmar, com alguma segurança, que o câmbio vai se
desvalorizar, com a saída de capital externo; que os juros serão elevados pelo
BC, para tentar conter a inflação; e que o endividamento continuará a subir na
proporção do PIB, uma vez que os gastos crescem em uma intensidade maior que a
das receitas.
É bom lembrar que a desvalorização do real
ante o dólar não é algo tão recente. No fim do ano passado, a moeda
norte-americana estava cotada a R$ 4,90. A perda de valor se acentuou em abril,
quando o governo decidiu mudar as metas fiscais de 2025 e 2026 sem qualquer
comunicação ou justificativa.
O governo, no entanto, prefere brincar com
fogo na expectativa de que o mercado se acalme por conta própria, sem qualquer
sinalização mais firme a respeito de seu compromisso fiscal. Ainda que isso
venha a ocorrer, o que é certo é que o câmbio, nesse patamar, terá forte
impacto na inflação, que já acumula alta de 4,87% nos 12 meses encerrados em
novembro, acima do teto da meta.
Por enquanto, o dólar já tem acelerado a
inflação ao produtor e a da construção civil, mais próximas de 6% no acumulado
em 12 meses, mas logo esse estrago chegará ao consumidor. Enquanto isso, o
governo só enxerga o ano eleitoral de 2026, esquecendo o quanto a inflação
elevada pode prejudicar os mais pobres e, por consequência, suas chances na
disputa.
Os privilegiados estão nervosos
O Estado de S. Paulo
Como se fossem raivosos líderes sindicais,
magistrados fazem ameaças cada vez mais acintosas ao País ante a perspectiva de
corte dos penduricalhos que engordam seus contracheques
O Judiciário resolveu emparedar acintosamente
o Executivo e o Legislativo para defender seus privilégios classistas, de resto
aberrações de uma República que, 135 anos depois, ainda peleja para se afirmar
como tal em sua plenitude.
Após o presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Luís Roberto Barroso, dizer com espantosa naturalidade que “o
Judiciário não tem participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal” do
País, à guisa de defesa dos penduricalhos que são pagos aos juízes sem o devido
corte pelo teto constitucional, as comportas do corporativismo mais desabrido
se abriram. Ao que parece, a declaração do sr. Barroso encorajou outros
magistrados a repetirem o mesmo insulto à inteligência alheia.
No dia 13 passado, o desembargador Carlos
Muta, presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3) – o maior
do País, abrangendo os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul –, criticou em
termos absurdos o plano de corte de gastos apresentado recentemente pelo
governo Lula da Silva ao Congresso. Como se sabe, um dos principais pontos do
pacote é a contenção dos supersalários de uma casta de servidores públicos,
formada em sua maioria por membros do Judiciário e do Ministério Público.
Segundo o desembargador Muta, o Judiciário
atravessa um momento “particularmente difícil”, embora não se saiba exatamente
por quê. De modo que, para ele, a eventual aprovação do pacote pelo Congresso
seria, pasme o leitor, um “atentado constitucional ao sistema de Justiça”.
Sendo perfeitamente capaz de saber que sua fala expressa um teratismo jurídico,
o desembargador Muta não fez outra coisa senão um discurso político – e dos
mais descabidos, por seu tom ameaçador.
O que está posto à discussão no Legislativo
nada mais é do que a reafirmação de um mandamento da Constituição, que proíbe
expressamente que qualquer servidor público receba vencimentos superiores aos
que são pagos aos ministros do STF, hoje fixados em pouco mais de R$ 44 mil.
Portanto, se “atentado” à Lei Maior há, ele se consubstancia na pletora de
manobras que conselhos e associações representativas dos interesses de juízes e
promotores engendram para driblar o teto constitucional. Por meio do que chamam
convenientemente de “verbas indenizatórias”, robustecem os holerites de Suas
Excelências em milhares de reais além do que seria permitido, e sem a
incidência de Imposto de Renda, como é sempre bom lembrar.
Como fizera Barroso antes dele, o presidente
do TRF-3 ainda achou que era o caso de ameaçar o Congresso e o País com um
suposto “colapso” do sistema judicial caso os ótimos salários das carreiras
jurídicas do Estado se restrinjam, ora vejam, ao teto constitucional. Se o
pacote de corte de gastos for aprovado, chantageou o desembargador Muta, nada
menos do que 32 dos 54 desembargadores federais do TRF-3 poderiam antecipar
suas aposentadorias. “Serão centenas de milhares, para não falar milhões, de
processos que podem sofrer atraso”, disse o doutor. Mais um pouco, e o
magistrado ameaçaria o País com uma greve.
Seguindo a inspiração paredista do
desembargador Muta, o desembargador Nino Toldo, presidente da Associação dos
Juízes Federais do Brasil (Ajufe), clube associativo bastante conhecido por ser
um dos mais agressivos defensores dos privilégios corporativos do Judiciário,
exortou juízes País afora a engrossarem um “movimento de resistência” contra o
plano de ajuste – ajuste este que já é muitíssimo tímido, diga-se. Segundo
Toldo, “os servidores públicos, especialmente os magistrados e,
particularmente, os federais, não são os responsáveis pelas mazelas fiscais do
Brasil”.
A virulência das reações no Judiciário à
simples ideia de cortar privilégios evidentemente antirrepublicanos mostra que,
mesmo tímido, o pacote do governo tem seus méritos. Como já ficou claro, parte
do Judiciário considera que os mimos da magistratura são intocáveis, mesmo no
momento em que todos, a começar pelos privilegiados, são chamados a apertar os
cintos.
Tudo em família
O Estado de S. Paulo
Mais um ministro do governo Lula consegue
emplacar a esposa num tribunal de contas estadual
O ministro da Educação, Camilo Santana,
conseguiu emplacar sua mulher, Onélia Santana, como conselheira do Tribunal de
Contas do Estado do Ceará (TCE-CE), um cargo vitalício e com salário mensal de
R$ 39,7 mil. A força política do ex-governador certamente pesou sobre a
Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), que chancelou o nome de sua
companheira na disputa por uma vaga reservada, ao menos em tese, à indicação
dos deputados estaduais.
Secretária estadual de Proteção Social,
Onélia recebeu apoio expressivo na Casa. Em votação secreta com 41
parlamentares presentes na sexta-feira, 13, o placar lhe foi favorável por 36
votos a 5. No dia anterior, o nome de Onélia havia sido aprovado na Comissão de
Constituição, Justiça e Redação (CCJR), onde participara de sabatina. O êxito
de Onélia era mais do que esperado, uma vez que o governador Elmano de Freitas,
também petista, é aliado de seu marido, foi seu sucessor no Palácio da Abolição
e detém maioria entre os deputados da Assembleia.
A Constituição do Estado do Ceará define
alguns critérios para o cargo. O indicado deve ter mais de 35 anos de idade e
menos de 65; idoneidade moral e reputação ilibada; notórios conhecimentos
jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; e
mais de dez anos no exercício de função ou de efetiva atividade profissional
que exija os conhecimentos para a investidura. Além de secretária, Onélia, aos
42 anos, é psicopedagoga, formada em Letras e doutora em Ciências da Saúde. A
oposição atacou seu currículo, mas esse certamente não era o maior dos
problemas. Mesmo que tivesse qualificação inquestionável, sua escolha não seria
oportuna. Políticos até podem tomar esse tipo de decisão, mas não deveriam,
sobretudo se observassem os princípios da administração pública.
O passado recente mostra que a falta de
moralidade e prudência não é exclusividade de um ministro ou de um único
Estado. As mulheres dos ministros da Casa Civil, Rui Costa, e do
Desenvolvimento Social, Wellington Dias, ex-governadores da Bahia e do Piauí,
respectivamente, também ascenderam a conselheiras em Tribunais de Contas dos
Estados já comandados por seus maridos. Com a esposa de Renan Filho
(Transportes) no TCE de Alagoas e a de Waldez Góes (Integração e
Desenvolvimento Regional) no do Amapá, já são cinco os ministros de Lula da
Silva com mulheres nesses órgãos de fiscalização.
Por trás desse aparelhamento por meio de
primeiras-damas parece haver bons motivos financeiros. Além de alta
remuneração, integrantes do TCE-CE recebem auxílio-alimentação, auxílio-saúde,
auxílio-moradia e diárias, além de gozarem das mesmas garantias, prerrogativas,
salários, direitos e vantagens dos desembargadores do Tribunal de Justiça.
A ocupação de cargos com tantas vantagens
individuais por mulheres de ministros e ex-governadores explicita uma confusão
intencional entre o que é público e o que é privado. E isso ocorre, claro,
sempre em benefício próprio daqueles que estão no poder ou em sua órbita.
Trata-se da expressão do persistente patrimonialismo que tanto prejuízo causa
ao País, que independe de partido ou espectro político.
Ataques xenófobos ameaçam brasileiros
Correio Braziliense
Se, evidentemente, é impossível frear 100%
dos casos de violência, o Itamaraty deve prestar suporte aos brasileiros
agredidos
Adolescente agredido em uma escola em
Aveiro, Portugal.
Entregadores de comida perseguidos e espancados nas imediações de Dublin, na
Irlanda. Mulher vítima de golpes de canivete em Massachusetts, nos Estados
Unidos. Todos esses casos têm uma circunstância em comum: os alvos são
brasileiros que vivem fora do país e são vítimas da
xenofobia.
O que nasce como um ideal — a busca por uma
vida melhor fora do país, por exemplo — pode encontrar desafios não planejados.
No caso de Aveiro, um elemento a mais compõe a cena: o racismo. O
estudante brasileiro de 16 anos foi chamado de "macaco" e
"preto" e, na sequência, agredido fisicamente. "Colegas"
gravaram toda a atrocidade.
Na Irlanda, o modus operandi é conhecido. As
emboscadas armadas, com uso até de barras de ferros, são protagonizadas por
xenófobos em bairros nos arredores de Dublin, principalmente durante a noite.
Grupos cercam os entregadores, que, para se proteger, fizeram um pacto: evitam
atendimentos a determinados bairros irlandeses. A vítima mais recente é
Alexandre Athos Pinheiro Teixeira. O goiano de 23 anos foi perseguido por um
SUV enquanto entregava comidas. Levou garrafadas e foi atropelado. Sofreu uma
fratura exposta na perna esquerda.
Todos os ataques têm o ódio e a crueldade
como fatores primordiais. Os xenófobos culpam os imigrantes pela redução das
vagas de emprego e pelo aumento da população local, o que, acreditam, eleva o
preço dos aluguéis devido ao aumento da demanda e do custo de vida em
geral.
Quem procura razões para tamanha violência
ignora, no entanto, a maneira como se construiu a riqueza do Norte Global. A
maior parte das famílias ricas europeias conquistou a ascensão social a partir
do colonialismo, que, no Brasil, deixa feridas nunca superadas do ponto de
vista econômico e social a partir, principalmente, da escravidão. Mas não só
dela.
Em seu livro As veias abertas da América
Latina, um clássico da literatura socioeconômica sobre a história do
continente, o jornalista uruguaio Eduardo Galeano afirma, com outras palavras,
que o cidadão nascido nas Américas perdeu o direito até de se chamar como
"americano", gentílico hoje usado para se referir somente aos
estadunidenses.
Na obra, o escritor narra, historicamente,
como aconteceu o desmonte imperialista no continente. Entre outras histórias,
cita o caso de Potosí, cidade boliviana que chegou a ser uma das mais ricas do
mundo a partir de jazidas de prata da montanha de Cerro Rico, posteriormente
esgotadas pela exploração espanhola — uma história que se estende aos demais
países latinos e também à África.
Diante de tais constatações e por sua atenção sempre muito dedicada à agenda diplomática, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem o dever de zelar pelos brasileiros vítimas da xenofobia. Se, evidentemente, é impossível frear 100% dos casos de violência, o Itamaraty deve prestar suporte aos brasileiros agredidos. A intermediação internacional não consegue fazer milagres, mas pode, ao menos, se mostrar preocupada com quem sofre tais injustiças.
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