Debate sobre dominância fiscal serve de alerta
O Globo
Brasil está longe do ponto em que alta de
juros é ineficaz contra inflação, mas economistas já cogitam tal cenário
O Comitê de Política Monetária (Copom),
do Banco Central (BC),
aumentou a taxa básica de juros de 11,25% ao ano para 12,25%. Diante das
expectativas de inflação acima
do teto da meta em 2025, não havia outra alternativa senão aumentar o custo do
crédito, para deter o crescimento da demanda e a alta dos preços. Foi o maior
aumento nos juros desde fevereiro de 2022 e o maior do atual governo. A medida
— necessária para deter a escalada inflacionária — ocorre num momento de
intenso debate entre economistas sobre o risco de o Brasil chegar a um ponto em
que subir os juros não adiantará mais para deter a inflação, situação conhecida
tecnicamente como “dominância fiscal”.
Essa anomalia acontece quando a dívida pública sai de controle, e o aumento dos juros acaba contribuindo para aumentá-la ainda mais, deteriora a percepção de risco, alimenta a alta do dólar e repercute negativamente na própria inflação. Quando um país chega a tal ponto, a alta dos juros pode até surtir o efeito oposto ao desejado. É consenso que o Brasil ainda está muito longe dele, mas o simples fato de que a questão seja debatida revela até que ponto se deteriorou a credibilidade do governo para manter as contas públicas sob controle.
Os analistas projetam para o ano que vem mais
aumento dos juros, acompanhado de subsequente queda da inflação. Persiste,
portanto, a confiança na força da política monetária para deter a alta dos
preços, ainda que enfraquecida. Tal constatação não torna a situação fiscal
menos preocupante. Governo e Congresso precisam estar alertas para a gravidade
do momento. Devem deixar de lado o cacoete infantil e estéril de demonizar o
mercado e tratar de tomar medidas críveis para conter a escalada da dívida
pública.
As taxas de crescimento acima das
expectativas em 2023 e 2024, assim como a queda do desemprego, da pobreza e da
miséria, merecem ser celebradas. Mas vale lembrar que a obrigação do governo
não é promover melhoras passageiras sob o efeito de anabolizantes. Desde a
transição entre os governos Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, o gasto
público cresceu R$ 345 bilhões. Entre 2023 e 2026, a relação entre a dívida
pública e o PIB deverá aumentar entre 12 e 14 pontos percentuais, segundo as
projeções. Nessas horas, uma análise do passado é pedagógica. O crescimento
econômico alimentado por uma política fiscal irresponsável já se provou
insustentável mais de uma vez.
O momento, portanto, exige ação. O Congresso
deveria votar com urgência o pacote fiscal apresentado pelo governo no mês
passado. Mesmo tímido, ele será melhor que nada. Feito isso, a equipe
econômica, com o apoio do presidente Lula, precisará promover um novo pacote de
controle de gastos, desta vez com medidas de maior efeito e duradouras. Para
estancar o aumento da dívida, o país precisará de ajustes anuais da ordem de R$
300 bilhões, não dos R$ 30 bilhões ou R$ 40 bilhões dos dois primeiros anos de
mandato. Cortes sempre causarão insatisfação entre os atingidos. Diante da
gritaria, o Congresso precisará priorizar o bem comum. Se o governo e o
Parlamento precisavam de um alarme para ter noção do perigo diante do país,
difícil pensar em outro mais estridente que a dúvida se o Brasil caminha para
um estado em que a alta de juros se tornará ineficaz contra a inflação.
Avanço do crime organizado sobre a Amazônia
exige ação estadual e federal
O Globo
Pelo menos um terço dos municípios amazônicos
abriga alguma facção criminosa, segundo novo estudo
É preocupante a constatação de que
organizações criminosas atuam em um terço dos municípios da Amazônia Legal.
No ano passado, 260 das 772 cidades amazônicas abrigavam ao menos uma facção do
crime organizado, 46% mais que em 2022, segundo a terceira edição do estudo
“Cartografias da violência na
Amazônia”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o
Instituto Mãe Crioula (IMC). Em 84 dessas cidades, havia mais de uma facção.
Entre as 19 organizações criminosas que atuam
nos nove estados da região, a hegemônica, segundo o estudo, é o Comando
Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, que controla o tráfico em 130 municípios. O
Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, atua em 28. Grupos locais
completam a lista. O CV passou a marcar presença no Norte a partir de 2017,
quando perdeu rotas na fronteira com o Paraguai. “Boa parte do dinheiro que
circula na região hoje é do crime”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do
FBSP. “Em termos etnográficos, é possível dizer que o crime organizado é o
principal empregador na Região Amazônica.”
Embora os assassinatos tenham caído 6,2% na
Amazônia em 2023 — como resultado de políticas públicas bem-sucedidas, mas
também da hegemonia do CV —, o quadro ainda é dramático. O índice da região
supera a média brasileira (32,3 ante 22,8 mortes por 100 mil habitantes). A
ação das facções ocupa lugar central. Não só pelo narcotráfico, mas também pela
conexão com desmatamento e garimpo ilegal. O entrelaçamento das atividades
criminosas ficou patente no assassinato do indigenista Bruno Pereira e do
jornalista britânico Dom Phillips em junho de 2022, por quadrilhas que, segundo
as investigações, praticavam tráfico de drogas e pesca ilegal.
O combate a esses grupos se torna mais
desafiador diante das conexões do crime com a política. Em outubro, a Polícia
Federal deflagrou uma operação em Parintins (AM) para investigar a associação
de agentes públicos e uma facção para favorecer uma candidatura à prefeitura.
Reportagens especiais do GLOBO mostraram que municípios
com altas taxas de desmatamento elegeram prefeitos acusados de infrações
ambientais. Revelaram ainda a influência
do garimpo ilegal nas eleições.
A Amazônia é estratégica para o tráfico por
fazer fronteira com Colômbia, Bolívia e Peru, grandes produtores de drogas. Mas
o que acontece lá não é muito diferente do que ocorre noutras regiões acossadas
pelo poder das facções e pelas disputas sangrentas por território. O estudo
torna evidente que o enfrentamento ao crime organizado não pode ficar restrito
a forças e instituições locais. O problema do Norte é o mesmo do Sudeste, do
Nordeste, do Sul e do Centro-Oeste. Precisa ser tratado por inteiro. Durante
décadas, o Brasil se preocupou com a soberania da Amazônia. Não há soberania
num território dominado pelo crime. Ou o governo federal se une aos estados num
plano de segurança robusto para atacar as organizações criminosas, ou os
próximos diagnósticos trarão dados ainda mais desalentadores.
Sem apoio da política fiscal, BC dobra ritmo
de alta dos juros
Valor Econômico
Sem uma correção de rumos séria na política
fiscal, a conta de juros ultrapassará R$ 1 trilhão anual, da qual está perto, e
os custos de retração da economia serão, além de grandes, desnecessários
O Banco Central decidiu dobrar a dose de
juros para enfrentar a acelerada deterioração das expectativas de inflação,
acompanhada de aumentos do IPCA que o distanciam cada vez mais do teto da meta.
O Copom não só elevou em 1 ponto a taxa básica, para 12,25%, como se
comprometeu com aumentos da mesma magnitude nas próximas duas reuniões. Nessa
trilha, está assegurada uma Selic de 14,25% em março, ratificando as
expectativas mais elevadas de investidores e analistas privados.
Para justificar um aperto monetário de muito
maior fôlego, o Comitê de Política Monetária apontou que “o cenário mais
recente é marcado por desancoragem adicional das expectativas de inflação,
elevação das projeções de inflação, dinamismo acima do esperado na atividade e
maior abertura do hiato do produto, o que exige uma política monetária ainda
mais contracionista”.
Dois fatos mudaram para pior as condições em
que o BC atuava. Tanto o comunicado como a ata do Copom da reunião anterior
ainda eram aproximativas em relação ao real nível de atividade — não era
conhecido o PIB do terceiro trimestre — e colocavam a possibilidade de uma
reversão positiva nas expectativas dos agentes econômicos sobre o comportamento
fiscal do governo, que prometera um pacote de ajuste. Agora foram divulgados e
se afiguraram desfavoráveis.
O PIB do terceiro trimestre registrou
crescimento em um ano de 4%, impulsionado por um forte aumento do consumo das
famílias e gastos do governo, o que, para o Copom, “indicou abertura adicional
do hiato” — a economia está crescendo com mais força acima de seu potencial.
Já o pacote fiscal foi visto pelos
investidores e analistas como claramente insuficiente para conter a expansão
dos gastos e dar mais equilíbrio ao regime fiscal, além de vir acompanhado da
isenção do Imposto de Renda para os que ganham até R$ 5 mil que descredenciou
as supostas intenções de contenção do déficit público que o anúncio sempre
adiado das medidas de arranjo fiscal alimentou.
O comunicado do Copom é explícito a esse
respeito: “A percepção dos agentes econômicos sobre o recente anúncio fiscal
afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes,
especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de
câmbio. Avaliou-se que tais impactos contribuem para uma dinâmica inflacionária
mais adversa”.
Para piorar, a desilusão dos investidores com
o pacote fiscal deu mais um grande empurrão nas cotações do dólar, que rompeu a
barreira dos R$ 6, mudou de patamar e ameaça estacionar nesse novo nível. A
disparada do dólar, perto de 24% no ano, é um dos três pontos do balanço de
riscos, que pende para a alta da inflação. Os outros dois — desancoragem da
inflação por um período mais prolongado e maior resistência da inflação de
serviços em função de um hiato do produto maior — também se materializaram. Para
o Copom, “o cenário se mostra menos incerto e mais adverso do que na reunião
anterior”.
As projeções de inflação, do BC e privadas,
se elevaram. As registradas no boletim Focus para este ano e o próximo saíram
de 4,6% e 4%, na reunião anterior, para 4,8% e 4,6% agora. Se elas estiverem
certas, o BC completará cinco anos sem atingir a meta de 3%. No cenário de
referência do BC, aumentaram de 4,6% e 3,9% para 4,9% e 4,5%. Para o segundo
trimestre de 2026, cenário relevante para a política monetária, a projeção se
elevou de 3,6% para 4%.
O BC, na última reunião presidida por Roberto
Campos Neto, ratificou as piores expectativas do mercado, e voltou a dar uma
orientação sobre seus próximos passos, o que havia deixado de fazer nas
reuniões anteriores. Aceita por unanimidade, a majoração de mais dois pontos
percentuais da taxa básica de juros alinha o próximo presidente da instituição,
Gabriel Galípolo, a uma política monetária ainda mais contracionista da que o
BC vinha praticando.
Os juros reais, com base no swap de um ano
DI, com inflação e juros projetados (a 14,25%), ultrapassaram 9% no dia 6 de
dezembro, o que por si só já é um aperto gigantesco. Resta ver se novos
aumentos farão o serviço. O IPCA de novembro, que saltou para 4,86% em doze
meses, foi basicamente resultado do aumento de alimentos (especialmente as
carnes) e das passagens aéreas. No primeiro caso, o aumento se deve em boa
parte à entressafra e a condições climáticas desfavoráveis, sobre as quais o
poder de ação dos juros é duvidoso. No mesmo IPCA, seis dos nove itens de
despesas apresentaram deflação. Já os núcleos do IPCA mostram um avanço
moderado. Em novembro, caíram para 0,39%, ante 0,44%, mas em doze meses
avançaram para 4,21%. A inflação de serviços, porém, permanece acima de 5%,
graças ao aumento do poder aquisitivo e a um mercado de trabalho apertado.
A condição básica para a eficácia do forte aumento dos juros é o apoio de uma política fiscal contracionista ou pelo menos neutra. Sem uma correção de rumos séria na política fiscal, a conta de juros ultrapassará R$ 1 trilhão anual, da qual está perto, e os custos de retração da economia serão, além de grandes, desnecessários.
Chega de exceções à regra da reforma
tributária
Folha de S. Paulo
Com benefícios aprovados pelo Congresso a
setores influentes, alíquota básica foi de 25% para mais de escorchantes 28%
Ao que parece, o Congresso conseguirá
concluir, ainda neste ano, a regulamentação de parte maior e essencial da
reforma dos tributos incidentes sobre consumo, sem dúvida uma das maiores
reformas econômicas dos últimos 30 anos.
O projeto de lei na fase final de tramitação
cuida, primordialmente, das regras de fixação de alíquotas sobre bens e
produtos. Isto é, quais deles estarão sujeitos à porcentagem padrão e quais
terão taxação especial —reduzida ou zerada. Concluída a votação no Senado,
o texto será submetido outra vez, e finalmente, à Câmara dos
Deputados.
A cada rodada de audiências públicas,
negociações e votações, aumenta o número de exceções à regra geral, como era de
esperar. A cada favorecimento, a estimativa para a alíquota padrão é elevada, a
fim de compensar possíveis perdas de arrecadação.
O plano é que se mantenha a carga total dos
tributos federais (PIS, Cofins, IPI), do estadual ICMS e do municipal ISS, que
serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços, federal, e pelo
Imposto sobre Bens e Serviços, estadual e municipal.
Haverá ainda um Imposto Seletivo, a incidir
sobre o consumo de produtos que podem ser socialmente daninhos para o ambiente
ou a saúde, por exemplo.
É hora de dar um basta nas barganhas,
ressalvados acertos menores. A alíquota padrão, geral, de início foi estimada
na casa dos 25%; agora passa de escorchantes 28%, dadas as mudanças ora
previstas. O projeto fixa um teto de 26,5% —o que já será uma inconsistência a
se resolver no futuro.
Importa manter o quanto possível a
uniformização, já bem relativa, do peso dos novos impostos sobre diversos
setores, atividades e regiões. Assim é necessário para que se evitem
complexidades, injustiças e distorções econômicas e ineficiências causadas por
alíquotas desiguais, que hoje desorientam o uso mais racional de capital e
trabalho.
Decerto haverá tempo para ajustes. Aprovada a
reforma, a transição começa em 2026. A implementação da cobrança de IBS e CBS
será então progressiva, substituindo a dos velhos impostos, até a vigência
total do novo sistema, em 2033. Haverá ajustes de alíquotas, ano a ano, de modo
a manter a arrecadação em nível estável. Apenas em 2032 o Senado decidirá a
alíquota padrão.
Além do mais, é muito difícil estimar o
efeito dos novos tributos e do novo método de arrecadação sobre a sonegação,
outras fraudes e mesmo sobre a inadimplência dos contribuintes. É possível que
sobrevenham ganhos de receita, que compensariam o impacto das
isenções e reduções que vêm sendo multiplicadas.
Seja como for, não seria esse um motivo ou
justificativa para a criação de ainda mais situações especiais, como insinua o senador
Eduardo Braga (MDB-AM),
relator do projeto na Casa. O objetivo básico da reforma, afinal, é simplificar
um sistema caótico resultante de múltiplas concessões a setores influentes.
Traficantes, grileiros, garimpeiros et
caterva
Folha de S. Paulo
Expansão de facções eleva taxa de mortes
violentas na amazônia; ação do Estado não pode se resumir a conter desmatamento
Após diminuição no desmatamento,
chega da amazônia outra
boa notícia: a queda no
número de mortes violentas intencionais. Em 2023, foram 8.603 casos
de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte ou mortes
causadas por agentes de segurança, ante 9.096 no ano precedente.
De 2021 a 2023, o triênio analisado em
"Cartografias da Violência na
Amazônia" do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa por 100 mil
habitantes caiu 6,2%,
Mas não há razão para gáudio, uma vez que o
indicador é de 32,3 mortos por 100 mil, 41,7% acima da média nacional, de 22,8.
O Amapá tem o pior índice (67,4), seguido por
Amazonas (42,9). Entre os municípios, quatro do Pará —que sediará em 2025 a
cúpula do clima COP30— lideram com números assustadores: Cumaru do Norte
(141,3), Abel Figueiredo (115,5), Mocajuba (110,4) e Novo Progresso (102,7).
A Amazônia Legal vive uma transformação
complexa, que não gera otimismo. O desmate pode estar em recuo, entretanto em
paralelo se observam altas nas queimadas e na degradação da floresta (sem corte
raso).
Assim como mudou o perfil da devastação, o
crime organizado evolui de maneira irregular na região. É possível que a
redução nas mortes intencionais decorra do domínio de facções sobre territórios
cada vez maiores —eram 178 cidades em 2023, agora, 260.
O Comando
Vermelho, do rio de janeiro, controla 129 delas; já a facção
paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) ocupa 28.
E ainda sobra espaço para a Tropa do Castelar, os Piratas do Solimões, o Bonde
dos 40 e outras organizações menores.
Apesar da queda de 93 para 71 toneladas de
cocaína apreendidas entre 2022 e 2023, trata-se de enorme progressão diante das
22 toneladas de 2019.
Há indícios de avanço do garimpo ilegal,
como o aumento de 170,5%, na Amazônia Legal, da receita com a Compensação
Financeira pela Extração Mineral.
Tudo sugere que tráfico de drogas,
extração de madeira, pesca e garimpo ilegais mancomunam-se à grilagem de
terras. O vale-tudo fundiário se evidencia com os 11 mil imóveis rurais
sobrepostos às unidades de conservação e outras 8.610 alegadas propriedades a
esbulhar terras indígenas.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende perfilar-se no cenário global como protetor da amazônia e brilhar na COP30, mas a nova dinâmica da violência na região mostra que, para preservar o meio ambiente, é preciso que o Estado brasileiro exerça controle efetivo sobre a criminalidade em suas variadas frentes.
A saúde do presidente é uma questão nacional
O Estado de S. Paulo
Cirurgia à qual Lula foi submetido mostrou
que, ao menos nos próximos dois anos, o Brasil precisará lidar abertamente, e
de maneira responsável, com o tema da sua saúde – e da sua idade
Conforme muitas análises publicadas
imediatamente após a divulgação da notícia, a cirurgia sofrida pelo presidente
Lula da Silva, na madrugada de terça-feira (10/12), jogou luz sobre a sucessão
de 2026 para o Palácio do Planalto – ainda que o assunto já ocupasse muitos
corações e mentes bem antes de Lula ser submetido à drenagem de um hematoma
provocado por hemorragia intracraniana, consequência do tombo que levou
enquanto cortava as unhas do pé.
Entre avaliações mais sensíveis e cuidadosas
diante do estado de saúde do presidente, e outras que mal escondem o desejo de
antecipação de sua retirada de cena, houve também aquelas que são negação em
estado bruto: a sensação, exibida especialmente por morubixabas lulopetistas,
de que é uma impossibilidade histórica não poder contar com a sua presença em
2026. Afinal, segundo tal ótica, Lula é o presidente da República, a maior
liderança do Partido dos Trabalhadores (PT) e inquestionavelmente o maior triunfo
da esquerda para enfrentar o bolsonarismo. E é mesmo. Poucos hão de duvidar que
o futuro de Lula afetará diretamente as possibilidades de um partido com
evidente dificuldade de encontrar um sucessor.
Mas a cirurgia de Lula e as incertezas dela
decorrentes – incluindo uma segunda intervenção, anunciada ontem – mostram que,
daqui para a frente, o Brasil precisará lidar, aberta e responsavelmente, com a
questão. É o momento de reconhecer que, pelo menos nos próximos dois anos, a
saúde de Lula será um tema nacional.
Não é uma discussão trivial, mas um
imperativo, levando-se em conta tanto a saúde do presidente quanto sua idade.
Como se sabe, hoje com 79 anos, o presidente terá 81 em 2026 – e encerrará um
eventual segundo mandato com respeitáveis 85 anos. Se fosse um cidadão comum,
suas condições de saúde só interessariam a ele próprio e à sua família. Mas
Lula é, repita-se, o presidente da República. Não se trata de preconceito ou
etarismo, como alguns argumentam, mas uma inevitabilidade da vida: é direito do
País refletir sobre a capacidade de um mandatário – qualquer mandatário,
diga-se – de entender a realidade à sua volta e de tomar as melhores decisões,
assim como demonstrar condições físicas boas o suficiente para lidar com a
rotina e as pressões que a Presidência exige.
As consequências do seu tombo podem ter sido
agravadas em decorrência da idade, informam análises médicas. Se bem mais
jovem, nem o tombo de outubro nem o hematoma de agora produziriam o que
produziram. Pouco antes de ser levado ao hospital, Lula estava abatido,
cansado, com dor e mal-estar, com a missão de liderar uma reunião
importantíssima, destinada a estancar o sangramento político do governo no
Congresso. Imaginar se o presidente estava em condições num momento delicado
como esse, que lhe exigiria argúcia e preparo, está longe de ser um exercício
restrito a cassandras antipetistas. Que Lula, o PT e seus aliados se acostumem
com a ideia de se verem questionados sobre esse tema sensível.
O exemplo do presidente dos Estados Unidos,
Joe Biden, é inevitavelmente uma inspiração. Durante meses, a Casa Branca e
lideranças do Partido Democrata tentaram ao máximo varrer para baixo do tapete
o tema da idade de Biden. Quem ousasse questionar sua capacidade mental era
tratado como uma agente de desinformação da extrema direita. A ideia de que ele
estava em forma para um novo mandato só fracassou mesmo num debate com Donald
Trump: com lapsos, incoerências, gaguejos e outras demonstrações de fragilidade,
Biden gerou a pressão definitiva para que renunciasse à candidatura. A saída
tardia da disputa complicou ainda mais o que já era difícil para os democratas,
e o demagogo Trump foi eleito.
Mas que fique claro desde já: velhice não é
sinônimo de senilidade, muito menos de doença. O que estará em questão, isso
sim, é se Lula tem saúde e lucidez compatíveis com os imensos desafios à sua
frente. Encarar esse debate é não só legítimo, como incontornável.
O Irã acuado
O Estado de S. Paulo
Derrota na Síria consuma a humilhação de
Teerã e desmantela seu ‘Eixo da Resistência’. É o momento de combinar pressão e
negociação para impedir que Irã se torne um delinquente nuclear
A queda da ditadura de Bashar al-Assad na
Síria é um golpe para o Irã comparável à retomada do poder pelo Talibã no
Afeganistão em 2021. Mas se no flanco oriental Teerã teve tempo de preparação,
no flanco ocidental o colapso foi súbito. A agressão do Hamas, uma das milícias
do “Eixo de Resistência” iraniano, a Israel se provou um erro de cálculo
massivo, desencadeando uma sequência de revezes que culminou no colapso do
“coração da resistência”, a Síria. Ao menos num futuro próximo, o sonho de um
“Crescente Xiita” de Teerã a Beirute acabou.
A forja do Eixo começou com a criação do
Hezbollah em 1982. A milícia xiita promoveu insurgências contra Israel em 1985
e 2000, ascendeu à dominância política no Líbano e através de suas conexões com
o Hamas assegurou a Teerã uma fortaleza em Gaza. Os xiitas também se tornaram
uma força política e militar no Iraque pós-Saddam Hussein. Com o apoio à
rebelião houthi no Iêmen e a Assad após a Primavera Árabe, os aiatolás
projetaram força por toda a região.
Na véspera do 7 de Outubro de 2023, o Eixo
parecia estar no zênite de seu poder. Catorze meses depois, o Hamas está
encurralado e os arsenais do Hezbollah foram devastados. As defesas de Israel
contra os mísseis iranianos e seus ataques cirúrgicos a lideranças do Eixo
humilharam a Guarda Revolucionária iraniana ampliando suas vulnerabilidades. A
queda de Assad dá à Turquia preponderância no equilíbrio de poder no Levante e
asfixia o fluxo de transmissão de armas ao Hezbollah.
O Eixo foi esquartejado e o Irã está em sua
posição mais vulnerável desde a guerra com o Iraque nos anos 80. A economia
segue em franca deterioração sob as sanções americanas; os protestos nas ruas
estão mais coordenados e agressivos; a sucessão do aiatolá Ali Khamenei, com 85
anos, é incerta e deverá ser tensa.
“A esperança pode ser de que o colapso do
Eixo de Resistência no Levante augure um período de paz e estabilidade”,
ponderou Vali Nasr, pesquisador da Universidade Johns Hopkins, em artigo na
revista Foreign Policy. “O desfecho mais provável, entretanto, é uma
intensificação da competição regional para preencher o vácuo deixado pela
retração do Irã e seus aliados.”
A reação de Teerã é incerta, mas é provável
que desloque o centro de gravidade do Eixo para o Iraque e o Iêmen. Mais
perturbadora é a perspectiva de que um Irã acuado mande pelos ares as
tratativas por um controle nuclear e acelere a construção de ogivas,
desencadeando uma corrida nuclear na região. Para completar a cesta de
incertezas, ninguém sabe o que Donald Trump fará na presidência dos EUA, talvez
nem ele mesmo.
Estrategistas não se entendem sobre se os EUA
e seus aliados deveriam intensificar a “pressão máxima” do primeiro mandato de
Trump ou apaziguar o regime para tentar reviver o acordo nuclear, como ensaiou
Joe Biden, mas talvez a melhor opção seja uma combinação das duas coisas. O Irã
tem uma tradição milenar de alternância calculada entre agressão militar e
engajamento diplomático, e ela pode ser empregada em favor de um equilíbrio de
poder mais benéfico.
As pressões não deveriam ambicionar uma
mudança de regime, que poderia precipitar uma guerra civil similar à da Síria
ou da Líbia, mas podem forçar Teerã a se comprometer com mais limitações ao seu
programa nuclear, à sua produção de mísseis e ao apoio às milícias regionais.
Em troca, Teerã seria brindada com a normalização de relações que permitiriam,
antes de mais nada, a manutenção do regime teocrático, a única coisa que sempre
importou para os aiatolás, liberando os EUA para focar em seus desafios na Ásia.
Trump disse que, se o Irã renunciar às suas
ambições nucleares, ele “gostaria que fosse um país muito bem-sucedido”. Mas
isso foi em novembro, e ninguém sabe se em fevereiro ele terá os mesmos gostos.
Quanto ao regime dos aiatolás, ele já foi humilhado outras vezes e se reergueu,
mas jamais abandonou suas ambições capitais: morte a Israel, morte aos EUA e
expansão da revolução islâmica. Ninguém deveria abandonar esperanças numa
mudança, mas nem arriscar todas as fichas nela. Se os adversários da teocracia
iraniana quiserem paz, precisarão continuar se preparando para a guerra.
A reforma tributária possível
O Estado de S. Paulo
Apesar das falhas, texto trará ganhos em
termos de transparência e simplicidade e pode destravar investimentos
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou
seu parecer sobre a regulamentação da reforma tributária sobre o consumo nesta
semana. E, para a surpresa de ninguém, o texto resultará em aumento da alíquota
padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – dividido em Contribuição
sobre Bens e Serviços (CBS), da União, e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS),
de Estados e municípios. Em seu relatório, Braga acatou, integral ou
parcialmente, nada menos que 657 das mais de 2 mil emendas que haviam sido apresentadas,
mas o estrago até que foi pequeno, elevando a alíquota média do IVA em 0,13
ponto porcentual, para 28,1%.
Entre os acertos, o senador inseriu armas e
munições entre os itens que serão tributados com o Imposto Seletivo, à exceção
das compras feitas pelas Forças Armadas e pelos órgãos de segurança pública.
Foi um gesto corajoso do senador, e ele mesmo admitiu que o fez por convicção
pessoal, sem saber se a mudança será mantida pelos senadores e deputados. Outro
ponto positivo foi a inclusão do setor de telecomunicações no rol de serviços
nos quais as famílias inscritas no Cadastro Único poderão abater créditos tributários.
Braga, no entanto, manteve a isenção de
proteínas de origem animal na cesta básica, uma das benesses propostas pela
Câmara que mais contribuíram para aumentar a alíquota padrão. Além disso, o
senador ampliou, na reta final, os benefícios tributários para empresas
instaladas na Zona Franca de Manaus, algo que não espanta vindo de um relator
que é senador eleito pelo Amazonas e que já governou o Estado no passado
recente.
Após passar pela Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), o texto ainda será submetido ao plenário do Senado e, depois,
terá de retornar à Câmara para uma última análise. Mas já é possível afirmar
que o Brasil terá a maior tributação entre todos os países que utilizam o
sistema do IVA. Esse título, atualmente, pertence à Hungria, com uma taxa de
27%, mas a verdade é que o País só não liderava o ranking até então porque o
sistema atual, confuso e opaco, não permitia que a tributação fosse calculada
com precisão.
Como muitos dos regimes especiais existentes
serão mantidos no novo modelo, não será por decreto, muito menos por uma trava
estabelecida no texto da proposta, que a alíquota padrão cairá de 28,1% para os
26,5% previamente definidos. Esperar que a tributação caia naturalmente, na
expectativa de que a reforma amplie a base de pagamentos e reduza a sonegação,
é mero pretexto do Congresso para evitar o desgaste político e deixar a
responsabilidade na mão do Executivo.
A qualidade do debate sobre a reforma tributária no Congresso ficou aquém do esperado, mas o texto deve avançar rapidamente nos próximos dias, sobretudo depois que o governo publicou uma portaria para executar mais de R$ 6 bilhões em emendas parlamentares. O parecer tem falhas, mas trará ganhos em termos de transparência e simplicidade e pode destravar investimentos capazes de impulsionar o crescimento econômico. É, em suma, a reforma possível, e sua aprovação, quando ocorrer, ainda deve ser celebrada.
Reparação necessária às vítimas da ditadura
Correio Braziliense
O Brasil do século 21 não merece nem pode
voltar ao passado. É fundamental que cresça, elimine as desigualdades
socioeconômicas, evolua e faça a diferença no concerto das nações, por meio de
elevados valores civilizatórios, entre os os quais prevaleçam a paz e a justiça
O 10 de dezembro, data de comemoração dos 76
anos da Declaração Universal do Direitos Humanos, ou Dia Internacional dos
Direitos Humanos, ganhou mais um significado no Brasil. O Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) anunciou a regulamentação do "dever de reconhecer e
retificar o assento de óbito de todos os 434 mortos e desaparecidos pela
ditadura militar, reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV)",
como propôs o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDJC).
Familiares de mortos e desaparecidos, vítimas
de 21 anos de truculência e obscurantismo (1964-1985) poderão, agora, exigir
que, no espaço destinado à causa mortis na Certidão de Óbito, conste a
informação "morte não natural, violenta, causada pelo Estado a
desaparecido no contexto da perseguição sistemática à população identificada
como dissidente política no regime ditatorial instaurado em 1964". Para o
ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal
(STF), a decisão "é um acerto de contas legítimo com o passado".
Há consenso de que as cicatrizes decorrentes
do golpe de 1964 são indeléveis. Para o corregedor nacional de Justiça,
ministro Mauro Campbell Marques, a medida é um importante resgate da verdade
sobre o que se passou neste país. No entendimento da ministra dos Direitos
Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, a decisão do CNJ reaviva a importância da
Comissão da Verdade, criada há 13 anos, para investigar as violações de
direitos humanos ocorridas no período ditatorial, com a chancela unânime do
CNJ, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
Os sofrimentos vivenciados pelas famílias que
perderam filhos, filhas, maridos, pais para a infame brutalidade de um regime
torpe, voltado a suprimir liberdades, ações, escolhas individuais e a sufocar a
pluralidade étnica-racial, são tristes lembranças ainda vivas na memória
coletiva. O pensar diferente do regime imposto à nação era crime, punido com
tortura e morte.
Essa realidade do passado, por alguns
esquecida e, por outros não vivida no século 20, ressurgiu para um bom debate
por meio do filme Ainda estou aqui, dirigido pelo cineasta Walter Salles,
que conta a saga da família do então engenheiro e ex-deputado federal Rubens
Paiva, após a sua prisão e morte por agentes da ditadura entre 1970 e 1971. A
viúva Eunice Paiva tornou-se mãe-solo de cinco filhos, mas não desistiu da
luta. Ela conseguiu a certidão de óbito do marido 25 anos depois de ele ser
declarado morto, apesar de seu corpo nunca ter sido encontrado.
O filme tem atraído o interesse de milhares
pessoas no Brasil e figura entre os indicados ao Oscar, o maior prêmio do
cinema mundial. A presença de jovens, lotando as salas de cinemas para assistir
à obra, tem chamado a atenção. Provavelmente, eles poderão entender a
forte reação de uma larga faixa da sociedade e das instituições de Estado
contra a recente frustrada tentativa de rompimento com o Estado Democrático de
Direito. Se a tentativa de golpe fosse vitoriosa, voltaríamos ao século
passado, com perdas de conquistas sociais, econômicas.
Em vez de mais direitos, haveria um retrocesso ao regime de opressão, tortura e morte, que não pode ficar no limbo da história. O Brasil do século 21 não merece nem pode voltar ao passado. É fundamental que cresça, elimine as desigualdades socioeconômicas, evolua e faça a diferença no concerto das nações, por meio de elevados valores civilizatórios, entre os quais prevaleçam a paz e a justiça.
Falando em reparações necessárias, ontem assisti " Ainda estou aqui ". Pelo menos, para o meu gosto, apesar das qualidades positivas do filme, preferi " Os sonhos de Pepe ".
ResponderExcluirPosso não concordar 100% com ele, mas José Mujica é uma figura sensacional. Admirável.
👏🏻👏🏻👏🏻
Lula concorda 100% com teu parágrafo final.
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