quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Quem se trumbica não se comunica – Elio Gaspari

O Globo

Sempre que o governo reconhece que tem um problema de comunicação, ele tem um problema, mas não é de comunicação. O velho Chacrinha dizia que “quem não se comunica se trumbica”. Certo, mas quem se trumbica não se comunica, e é esse o problema.

A ekipekonômica e o Planalto fizeram um pacote mal-ajambrado, tentando embrulhar uma vassoura, bananas e uma gaiola, o dólar passou os R$ 6, e o problema estaria na comunicação.

Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secom, não é nenhum Washington Olivetto, mas não é dele a responsabilidade pela encrenca. Indo aos fatos.

A ekipekonômika começou a divulgar o pacote plantando notícias de uma tunga sobre o salário-desemprego dos trabalhadores demitidos sem justa causa. Começaram a soprar essa tunga sem ao menos conversar com o ministro do Trabalho, coisa de onipotentes mal-educados. 

Quando chegou a hora de divulgar as medidas, Lula jogou o ministro Fernando Haddad na frigideira. Uma semana antes, o presidente foi com gosto para a ribalta, propondo uma aliança mundial contra a fome. Palavras bonitas, que não produzem um só sanduíche de mortadela.

Se Lula tivesse ido para a ribalta expondo um dos aspectos essenciais do pacote, o dólar poderia ter batido a marca dos R$ 6, mas seus críticos revelariam o real motivo da zanga. O governo quer isentar quem ganha até R$ 5 mil do pagamento de Imposto de Renda. Para compensar a perda de arrecadação, taxaria em no mínimo 10% as rendas superiores a R$ 600 mil. Essa mordida pegaria sobretudo quem ganha milhões no rentismo e, em alguns casos, paga mixarias de impostos. Lula poupou sua retórica e terceirizou a tarefa para o dialeto semimercadista de Haddad. Deu errado, e a Secom nada teve a ver com isso.

Prova de que o governo está trumbicado está no fato de, com a alta do dólar, o Planalto ter posto na mesa a velha carta da reforma ministerial. Ela costuma aparecer na época das festas natalinas. Estimula ambições, assusta ministros e acaba em mais do mesmo.

Lula 3.0 tem boas marcas de desempenho. Desemprego e pobreza derrubados a índices inéditos não são pouca coisa. O Programa Pé-de-Meia, do Ministério da Educação, estancará a evasão de jovens do andar de baixo, que desistem do ensino médio.

Trumbicado, o PT insiste na patranha dos bodes expiatórios. Paulo Pimenta seria o bode da casa, mas Roberto Campos Neto é o culpado de sempre. O Diretório Nacional do partido chamou-o de “serviçal do mercado financeiro”. Ele pode até achar que isso é um elogio, mas as altas dos juros foram decididas pelo voto unânime do Copom, onde tem assento Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central. Será divertido ver a reação do PT no ano que vem, quando os juros subirem com Campos Neto na praia.

O governo não se trumbica por falta de comunicação, mas por crise de identidade, e isso não há Olivetto que resolva. Só a falta de identidade explica que uma ekipekonômika ensaie tungar o salário-desemprego para cortar despesas enquanto finge que não vê os ministros que complementam seus salários com assentos em conselhos. Essa seria uma economia de grampos, mas revela a identidade dos adoradores de boquinhas.

 

4 comentários:

  1. Excelente coluna!
    Destaco: "Para compensar a perda de arrecadação, taxaria em no mínimo 10% as rendas superiores a R$ 600 mil. Essa mordida pegaria sobretudo quem ganha milhões no rentismo e, em alguns casos, paga mixarias de impostos."
    Será que isto explica por que o pessoal do dito Mercado financeiro se decepcionou tanto?

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  2. Excelente artigo, sem meias palavras.

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