Revista Será?
A prosperidade das nações é o resultado da formação de instituições inclusivas baseadas em um sistema democrático, com regras estáveis e seguras, com mecanismos que permitem que os cidadãos escolham os seus dirigentes e busquem livremente suas ocupações, adquiram educação e conhecimentos, e de instrumentos de distribuição igualitária de serviços públicos, com destaque para a educação. As nações que fracassam contam, ao contrário, com instituições extrativistas constituídas por regimes instáveis e pouco permeáveis, que desincentivam a inovação e os investimentos, convivendo com corrupção política e rede de apadrinhamento que favorecem a apropriação da riqueza por uma minoria e a distribuição desigual de acesso aos serviços públicos. Esta é a interpretação dos economistas que foram agraciados como o Prêmio Nobel deste ano – Daron Acemoglu, James A. Robinson e Simon Johnson. De acordo com o Comitê do Prêmio Nobel em Ciências Econômicas, os três economistas proporcionaram “uma compreensão muito mais profunda das causas fundamentais do fracasso ou do sucesso dos países”, exposta no best seller “Por que as nações fracassam” (assinado por dois dos economistas premiados), publicado em 2012.
O livro apresenta uma extensa pesquisa de
história comparada, analisando a evolução, sucesso ou fracasso de diferentes
nações, para defender que a prosperidade e o fracasso das nações são uma
decorrência direta das características básicas das suas instituições. As nações
podem ser agrupadas em dois arquétipos: instituições inclusivas, que promovem o
desenvolvimento, e instituições extrativistas, que travam o desenvolvimento em
benefício de uma minoria. As instituições não se limitam a órgãos e instâncias
do Estado, contemplando o conjunto amplo de leis, normais, valores, regras e
práticas que definem os incentivos econômicos e sociais e a forma de
distribuição da riqueza e dos serviços públicos na sociedade. Além de explicar
a desigualdade de desenvolvimento das nações, a abordagem permite identificar
eventuais movimentos de construção ou desorganização das instituições como
escolha política da sociedade, novas configurações convivendo com velhas
características.
O Brasil tem, em certa medida, uma mistura
das duas características, instituições inclusivas convivendo com, e contidas
por, elementos extrativistas, velhos e novos. Entretanto, quando analisam o
Brasil, os autores do livro e ganhadores do Prêmio Nobel cometem um grave
equívoco de interpretação das instituições e, principalmente, dos fatores que
determinaram o desempenho econômico e social do país nas últimas décadas.
Começam exagerando na avaliação da prosperidade, sugerindo que o Brasil se
enquadra na categoria de instituições inclusivas, quando afirmam que o país
“rompeu o padrão” extrativista da América Latina. Houve muitos ganhos e criação
de instituições inclusivas nas últimas décadas, é certo, mas o clientelismo, o
populismo, a corrupção, a rede de apadrinhamento, os sistemas de apropriação
indevida de renda, o desigual acesso dos brasileiros aos serviços públicos de
qualidade, a começar pela educação, mostram que estamos muito longe de uma
instituição inclusiva.
Mais grave que este exagero é a visão
tendenciosa e muito simplista dos autores, concedendo todos os créditos dos
avanços institucionais do Brasil, mesmo tímidos, ao PT-Partido dos
Trabalhadores e, particularmente, a Lula da Silva, responsáveis pela criação de
instituições inclusivas no país. Os autores ignoram completamente o governo de
Fernando Henrique Cardoso e as importantes reformas estruturais que foram por
ele implantadas, construindo algumas instituições de grande relevância. O nome
de Fernando Henrique aparece no livro apenas duas vezes e de forma
insignificante: na primeira, em 1973, citando, de passagem, que o intelectual
sugeriu uma “coalisão ampla que tivesse em vista a recriação da democracia e a
transformação da sociedade brasileira”; e a segunda para dizer que Lula foi
derrotado por Fernando Henrique Cardoso nas eleições presidenciais de 1994 e
1998, sem sequer analisar o governo do tucano.
Como podem falar de instituições inclusivas
sem citar o Plano Real, que criou uma moeda estável capaz incentivar a
recuperação da economia e, mais ainda, conter décadas de inflação com a
expropriação de renda da população pobre? O Real é uma grande instituição
inclusiva e foi criada pelo governo de Fernando Henrique, com a oposição dura
do PT e do próprio Lula. Além do Real, no governo de Fernando Henrique foi
aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal que, mesmo cheia de vazamentos,
permite reduzir o descontrole da gestão do orçamento público, e foi feita a
privatização dos bancos públicos estaduais, que eram um derrame permanente de
recursos públicos. A privatização de grandes estatais ineficientes e
contaminadas pela corrupção e a criação de Agências Reguladoras para lidar com
os oligopólios naturais, assim como a definição de regras para concessão
privada de serviços públicos, foram outros avanços institucionais de Fernando
Henrique. Sempre com a oposição e crítica feroz do PT, diga-se de passagem. E ao
contrário do que diz o livro, foi no governo de Fernando Henrique Cardoso,
graças ao FUNDEF, que o Brasil avançou na universalização do ensino
fundamental, embora persistindo a péssima qualidade do ensino.
No best seller “Por que as nações fracassam”,
Acemoglu e Robinson não fazem referência a estas reformas econômicas e
institucionais e consideram que foi, principalmente, o programa Bolsa Família
que fundou as instituições inclusivas no Brasil. Por mais importante que seja
para moderar a extrema pobreza, o modelo de transferência de renda do programa
Bolsa Família é essencialmente assistencialista e, desta forma, está longe de
constituir uma instituição inclusiva. Por tudo isso, é lamentável que um livro
tão importante desconheça a história recente da economia brasileira e difunda
informações falsas sobre as características das instituições brasileiras e dos
responsáveis pelas mudanças. Como o livro foi publicado em 2012, quando Lula
ainda era “o cara”, o desvio da análise dos autores reflete o ambiente político
no Brasil e no mundo pela redução da pobreza. Mas os cientistas que ganham o
Nobel não podem ser contaminados pelas impressões do momento, ignorando as
mudanças estruturais recentes e caindo no lugar comum da louvação de um
líder.
Agora, eles reconheceram o equívoco. Depois
que receberam o prêmio máximo da economia, os dois autores do livro
reformularam a opinião sobre as instituições do Brasil e mesmo sobre os
governos do PT e de Lula. Em entrevista recente, Acemoglu afirmou que, “os
últimos 8 anos de governo do PT foram desastrosos para a economia do Brasil”,
dando um grande destaque à corrupção. Robinson foi mais longe ao afirmar que “o
Brasil não conseguiu fazer uma transição de instituições extrativistas para
instituições inclusivas”.
Mesmo considerando o desvio grave da análise
do Brasil que, no limite, permitiria desacreditar o conjunto da análise de
história comparada, a abordagem institucional dos premiados com o Prêmio Nobel
oferece um valioso referencial para definição das medidas e reformas que devem
ser implantadas no país para promover o desenvolvimento com qualidade e
equidade. Algumas já foram implementadas no Brasil, e em parte desfeitas, mas
algo já está dado. Do que falta, o mais importante e urgente, para que o Brasil
não se torne uma nação fracassada, é uma profunda reforma no sistema de
educação, em todos os níveis, para universalizar o acesso público com alta
qualidade. Sem isso, o Brasil vai constar numa nova edição do livro como
exemplo de uma nação que fracassou.
Ok
ResponderExcluirFalando em agencias reguladoras :
" A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) decidiu anular algumas das regras de direitos dos consumidores, aprovadas em 2023, atendendo a pedidos das operadoras.
Um dos pontos anulados é a proibição da prestadora de serviços de telecomunicações --como planos de celular, internet e TV por assinatura-- alterar características da oferta durante o seu período de vigência. Com isso, o preço do plano, por exemplo, poderá ser modificado no meio do contrato. "
( G1 )
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