terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Uma convalescença sob pressão - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Última semana de votações mostra que o golpismo ruma para ser desbaratado sem que a ordem política que o sustentou seja desmontada. É disso que a convalescença de Lula será obrigada a se ocupar

No único momento de exaltação da entrevista que deu à jornalista Sônia Bridi, do “Fantástico”, por ocasião de sua alta hospitalar neste domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que ninguém no país tinha mais responsabilidade fiscal que ele. Dois dias antes, o Banco Central havia subido em um ponto os juros e indicado que a taxa poderia bater em 14,25%. No dia seguinte, o ministro da Fazenda saiu do primeiro dos despachos que o presidente fará de sua casa, em São Paulo, até quinta, quando será reavaliado, dizendo que o pacote fiscal não será desidratado. Enquanto Fernando Haddad estava com Lula, o BC fez sucessivos leilões que somaram US$ 1,6 bilhão.

Nem o juro, nem Lula, nem Haddad e tampouco os leilões foram capazes de evitar que a moeda americana batesse a cotação máxima do ano. A entrevista de Lula foi encerrada depois de 20 minutos cumprindo as prescrições, mas não há recomendação médica capaz de conter um pregão. Não há convalescença que apazigue a guerra cambial. O governo vai à luta nesta terça-feira para garantir que as votações preservem o pretendido ganho fiscal, mas enfrentará um clima de várzea em Brasília.

Tudo é agravado pelo fim do mandato do atual presidente da Câmara dos Deputados. Depois de ser fortalecido, ao longo dos últimos dois anos, por um arcabouço fiscal que lhe deu meios de manter o governo sob permanente chantagem, Arthur Lira (PP-AL) busca estabelecer uma ordem para manter seu feudo depois que entregar a cadeira para Hugo Motta (Republicanos-PB). Aliançou-se com um colégio de líderes unicamente focado em arrancar seu quinhão - de emendas e dos inúmeros lobbies que contaminam a votação do ajuste fiscal, das leis orçamentárias e da regulamentação da reforma tributária.

E não apenas na Câmara. Na tarde em que o Senado aprovou a regulamentação da reforma tributária um lobista do setor de saneamento permaneceu ao lado de um senador do PL numa cadeira privativa dos parlamentares. Não se via cena igual havia tempo. Mesmo para os padrões do Senado, Casa que já violou até o painel de votação, a cena chocou, mas obteve dividendos. O setor conseguiu uma tributação reduzida impactando a alíquota do IVA. O alegado objetivo de poupar os mais pobres poderia ter sido obtido com a devolução do imposto, como acontecerá com a energia.

Depois de marcar a votação da regulamentação da reforma tributária para terça-feira, Lira mudou de ideia cinco horas depois e anunciou sua inclusão na pauta da Câmara na noite desta segunda-feira. No fechamento desta edição, a votação do texto na Câmara tinha acabado de se iniciar, mas a perspectiva era de reabertura de muitos dos acordos fechados no Senado e da negociação de outros, nem todos em benefício de um IVA mais contido. E não apenas na reforma tributária. O Programa de Aceleração da Transição Energética também foi pautado para a noite de ontem coalhado de jabutis que garantirão aos parlamentares um Natal farto e, aos brasileiros, uma conta de luz mais cara.

Quando quarta-feira chegar, será a vez do ajuste fiscal. A isenção do Imposto de Renda para aqueles que têm renda até R$ 5 mil ficará para o próximo ano, mas esta perspectiva não acalmou os pregões. O governo cedeu na proposta de enxugamento do BPC, requerida pelo Congresso, mas ainda não estão claras as medidas que relator vai propor para compensar o ganho pretendido.

Na última das votações, as leis orçamentárias, que avançarão até a sexta-feira, o eixo da discussão vai girar em torno do gatilho de contingenciamento quando houver risco de descumprimento da meta fiscal. Se for bem negociada, pode garantir um instrumento ao governo para conter a sangria de recursos desatada pelo Congresso, mas não será fácil.

Parlamentares experientes apostam que uma nova abertura do mercado com o dólar em alta nesta terça-feira, apontando para R$ 6,50, pressionará um recuo do Congresso. Ainda que isso aconteça, já terá fixado o preço a ser pago em 2025 por uma taxa de juros que vai atravancar a economia.

Quando Lula fizer a reunião de seu Ministério na sexta, é possível que seja a última da equipe em seu atual formato. O estresse da última votação do ano demonstrou que um segundo biênio não poderá ser enfrentado com o equilíbrio de forças que aí está. Parece evidente que Lula terá que aceitar um Palácio do Planalto menos petista, ainda que não esteja claro que garantias uma mudança como esta trará. Uma Secretaria de Relações Institucionais nas mãos do atual ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, por exemplo, aumentaria o controle do Palácio pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, mas não necessariamente asseguraria a Lula uma outra relação com o Congresso.

O emparedamento do golpismo pelo Supremo Tribunal Federal não teve sua tradução política na correlação de forças de um Congresso que se empoderou nas asas do bolsonarismo.

A queda de braço das emendas parlamentares estabelecida pela Corte, que o Executivo não tem sido capaz de manter, não poderia ser uma tradução melhor disso. O golpismo ruma para ser desbaratado sem que a ordem política que o sustentou seja desmontada. É disso que a convalescença do presidente da República será obrigada a se ocupar.

 

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