Folha de S. Paulo
A Polícia Federal acaba de desenhar a razão
pela qual o Supremo insiste que haja total transparência no uso das emendas
Se alguém ainda não compreendeu por que o
destaque dado ao interminável assunto das emendas
parlamentares e a insistência para que sejam usadas de maneira
límpida, a Polícia
Federal recentemente desenhou a razão.
Em operação conjunta com o Ministério
Público, Receita
Federal e Controladoria-Geral da União (CGU), a PF cumpriu
mandados de prisões, buscas e apreensões em vários estados onde
há indícios de fraudes em licitações, corrupção e
lavagem de dinheiro com recursos de emendas.
Coisa de bilhão e meio de reais. Fração pequena ante os R$ 50 bilhões que suas altezas mordem do Orçamento? Para efeito de amostragem, mais que suficiente para demonstrar a existência de um buraco bem mais profundo que apenas um comportamento inadequado por parte do Congresso.
Quando falamos desse apetite insaciável
falamos também, e sobretudo, do desequilíbrio nas condições de competição
eleitoral e, consequência mais grave, do cometimento de crimes.
Custa a crer que deputados e senadores não
percebam o potencial de escândalos contido na resistência em cumprir a regra
básica de transparência para a administração pública exposta com toda clareza
no artigo 37 da Constituição.
E aqui já não se trata de uma fatura a ser
paga pelo centrão, porque a contraofensiva amoral é aceita pelo conjunto. Nela
se inclui o PT, que reclama do "excesso de republicanismo" do governo
ao atender adversários, mas ocupa o posto de terceira bancada no rol dos
agraciados com maior volume de dinheiro.
Essa queixa ao "republicanismo" foi
retirada (a pedido do Planalto) na última hora da resolução do diretório
nacional datada do início do mês, mas está na essência do pensamento do
partido. Evoca manifestação do então tesoureiro Delúbio
Soares, em 2004, ao se posicionar contra a abertura das contas
eleitorais na internet: "Transparência assim é burrice", ensinou.
O cerne de tal lição parece conduzir os
parlamentares e, pelo visto na rendição à extorsão, contaminou o Executivo, que
já pagou R$ 7,6 bilhões em emendas para destravar a pauta econômica e ainda é
cobrado pela liberação de mais uns tantos bilhões. A constância da demanda é a
prática comum da chantagem.
Nunca nos anos que acompanho a política em
Brasília, desde a Constituinte, assisti a exigências tão escancaradas.
Consequência talvez —ou melhor, certamente— da aceitação do lema "é dando
que se recebe", instituído com clareza à época e pelo qual seria garantida
a "governabilidade" sob a égide da "coalizão".
E assim, 36 anos depois, chegamos ao
insustentável ponto em que medidas mínimas para redução de gastos, reforma
tributária e o Orçamento de 2025 ficam travados até os
estertores do ano legislativo por causa da sanha dinheirista de um Parlamento
livre de quaisquer amarras de autocontenção.
O governo tentou dar um jeito na situação,
mas o fez de maneira torta ao tentar uma aliança com o STF, da qual
precisou recuar passando por cima de decisão do próprio tribunal a fim de pagar
a fatura exigida.
Espanta que um presidente da República em seu terceiro mandato, e décadas de
vasta experiência em negociações, não tenha se dado conta de por onde
caminharia a carruagem. O sinal estava dado antes mesmo da posse na troca dos
R$ 145 bilhões da PEC da Transição por uma convivência "pacífica" com
o Parlamento de maioria oposicionista.
Na linguagem das onças, isso foi entendido
como autorização para avançar, pois o oponente admitia-se em desvantagem logo
na largada. De no que está dando, sem perigo de melhorar.
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