quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

G20 traz mistura de celebração e resignação

O Globo

Ainda que declaração final tenha sido tímida, é essencial haver espaço onde líderes globais possam dialogar

Quando foi criado, em 2008, o G20 — grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana — se revelou um fórum crucial para debelar a crise financeira sem precedentes que abalava o mundo. Reunindo 85% do PIB global e 75% do comércio mundial, o grupo tinha legitimidade para pôr em marcha decisões que teriam custo alto demais para cada país individualmente, mas eram necessárias coletivamente. Passada a crise aguda, porém, a diversidade de regimes políticos e interesses econômicos passou a impor dificuldades crescentes às decisões de impacto do grupo. Nem na pandemia o G20 teve papel de destaque. De lá para cá, cada reunião tem produzido um misto de celebração quando se alcança algum consenso e resignação com seu caráter necessariamente limitado e insatisfatório.

Não foi diferente no encontro realizado nesta semana no Rio de Janeiro. No entender do Itamaraty, o documento final foi um sucesso. Incorporou a ideia brasileira da aliança contra a fome e a pobreza, mencionou a necessidade de reforma na governança global, defendeu a taxação sobre grandes fortunas, reconheceu a gravidade da mudança do clima e a necessidade de elevar a participação das mulheres na economia e na vida pública. Certamente a deslumbrante paisagem carioca contribuiu para impressionar os chefes de Estado e suas delegações, e a cooperação da população local com os transtornos inerentes ao encontro resultaram num evento sem sobressaltos. Mas os efeitos práticos serão pequenos.

Fracasso não desculpa golpistas - Merval Pereira

O Globo

É assustador saber que, dentro do Palácio do Planalto, havia gente colaborando com tentativas de assassinatos e golpes. Não apenas os integrantes do gabinete do ódio, mas também os do gabinete presidencial participavam dessas operações criminosas

É estranho que a primeira reação dos bolsonaristas tenha sido dizer, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro, que planejar um crime não é crime. Pode ser que, legalmente, quando se trata de um crime comum, seja essa a conclusão jurídica. Mas, no caso do plano de um golpe de Estado, toda a movimentação, mesmo que os autores não consigam concretizar o objetivo, é uma conspiração contra o Estado de Direito e deve ser considerada como tal pela Justiça. Uma conspiração não pode passar impune porque não deu certo.

Os militares, alguns da ativa, envolvidos nessa trama não podem ser liberados apenas porque a tentativa não deu certo. Muito menos é razoável tentar afirmar que a trama que vai sendo revelada é uma invencionice política do governo atual, quando o relato que baseia as acusações foi feito pelos próprios envolvidos, em documentos que deixaram para trás, arquivados em computadores ou telefones celulares.

O risco maior da impunidade - Míriam Leitão

O Globo

Quantos mais participaram da tentativa do golpe, além dos militares já presos? O inquérito tem que chegar a todos os envolvidos na trama

Dois anos depois de terem tramado matar o presidente da República, o vice-presidente e o então presidente do Tribunal Eleitoral, eles estavam todos soltos. Três dos militares presos na terça-feira são da ativa no Exército. Um deles, o tenente-coronel Rodrigo Azevedo, é oficial do Estado Maior e do Comando das Operações Especiais. Veio ao Rio e pediu para “visitar o planejamento” da GLO do G20. Tudo é estarrecedor nos documentos divulgados na operação "Contragolpe", mas esse detalhe de Azevedo é inquietante. Ele permanecia dissimulado com poder e influência. Quantos mais?

“Os investigados continuam a exercer seus postos no Exército e na Polícia Federal, salvo o general da reserva Mário Fernandes, que, entretanto, possui grande ascendência em relação aos kids pretos”, diz o texto da decisão de Alexandre de Moraes, citando o pedido de prisão da Polícia Federal.

O golpe e as quatro linhas - Malu Gaspar

O Globo

O plano revelado pela operação que prendeu nesta semana um general, um coronel, dois majores e um policial federal acusados de tramar um golpe de Estado no final de 2022 pode parecer delirante — e é. Não quer dizer que não deva ser levado a sério.

A história do submundo militar está cheia de tramas ousadas e amalucadas. Se tivesse ocorrido de forma isolada, a viagem da tropa do general Olímpio Mourão de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro teria sido uma quartelada sem maiores consequências, e não o ato inicial do golpe de 1964.

Anos depois, quando o fim da ditadura era questão de tempo, outro grupo de militares desembestados planejou detonar bombas durante um show do Dia do Trabalhador, no Riocentro. A intenção era incriminar a oposição e sabotar a redemocratização, mas a única vítima fatal foi um sargento que estava no carro onde um dos artefatos explodiu.

Diante desse histórico, não surpreende que uma facção fardada tenha trabalhado até o final do governo Bolsonaro para impedir a posse de Lula — mesmo que, para isso, fosse necessário sequestrar Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e envenenar o presidente e o vice-presidente eleitos.

Brasil fica mais perto da nova Rota da Seda – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Os chineses tentam atrair a adesão do Brasil ao programa há anos. Até agora, os governos brasileiros resistiram, por razões econômicas e geopolíticas

O Brasil está mais perto da Rota da Seda, ou vice-versa, com a assinatura de 37 novos acordos bilaterais com a China, no encontro entre o presidente chinês Xi Jinping e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a visita de Estado do líder asiático, que foi recebido com honras militares no Palácio da Alvorada, residência oficial. Eles se reuniram a portas fechadas com a participação de diversos ministros de ambos os países. Os acordos alcançam as seguintes áreas: agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, ciência e tecnologia, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde, educação e cultura.

Lula destacou que, apesar das distâncias geográficas, há meio século China e Brasil "cultivam uma amizade estratégica, baseada em interesses compartilhados e visões de mundo próximas". Maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, o comércio com a China teve, em 2023, o recorde histórico de US$ 157 bilhões. "O superavit com a China é responsável por mais da metade do saldo comercial global brasileiro", lembrou Lula. Para Xi Jinping, a relação entre os dois países vive o seu melhor momento na história.

Por trás do lobo solitário - Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

Não existe lobo solitário: mesmo quando usa apenas suas mãos sem apoio externo, a mente isolada foi inspirada por aqueles que promovem o terror moral

Há meses, Donald Trump vem divulgando a ideia de que os Estados Unidos estão sendo invadidos por estrangeiros que, segundo ele, matam e comem animais de estimação dos cidadãos norte-americanos, tomam seus empregos e ocupam seus espaços urbanos. Não será necessário que o presidente ou auxiliar ordene: o ódio tomará corpo contra os imigrantes. Não faltarão pessoas influenciáveis para exercerem o papel de lobos solitários do terrorismo. Não farão necessariamente parte de conspiração organizada, serão ações isoladas, mas induzidas. Os lobos podem ser solitários, mas conectados.

Golpismo bolsonarista vem dos porões da ditadura - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Tramas reveladas pela PF expõem necessidade de cordão de isolamento entre a política e as Forças Armadas

As investigações da Polícia Federal acerca das tramas golpistas no entorno de Jair Bolsonaro vão confirmando o que já se sabia: o ex-presidente é um filhote dos porões da ditadura militar, discípulo e admirador de Carlos Brilhante Ustra e da facção de torturadores e fanáticos que viviam nos subterrâneos tenebrosos do regime e acabaram derrotados durante seu processo de decadência.

Mentiroso contumaz, sádico e inimigo da democracia, Bolsonaro foi acusado de indisciplina em campanhas por ganhos salariais no Exército e de tramar explosões de bombas para desestabilizar os comandos. Foi considerado culpado por uma junta de três coronéis e depois absolvido por 8 a 4 pelo Superior Tribunal Militar, numa decisão acochambrada, que antecedeu sua saída da Força.

Os que não viveram para ver – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Tom Jobim, Millôr e Cony já não levavam muita fé no Brasil e não viveram para ver Bolsonaro

A realidade não para de desmoralizar a ficção. A ficção científica, então, nem se fala —longe vão os tempos em que, para nosso deleite e admiração, seus romancistas viajavam a planetas impossíveis, aboliam o espaço/tempo e bolavam as piores formas de destruir a Humanidade. Hoje, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert Heinlein não seriam admitidos nem como estagiários na Altair, filial da sueca Morbius dedicada à substituição dos neurônios no cérebro humano por impulsos algorítmicos pela inteligência artificial.

Antes da meia-noite na segurança pública - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Não faltam sinais de que estamos mergulhando na treva, enquanto o crime organizado muda de escala

Alejandro Arcos foi morto e decapitado seis dias depois de se eleger prefeito de Chilpacingo, no estado mexicano de Guerrero. O crime escancarou a força de cartéis da droga, estrategicamente ali instalados, às margens do oceano Pacífico. Os estudiosos da questão debatem quando a situação saiu do controle no país. No livro "Midnight in Mexico" (Meia-Noite no México), o jornalista Alfredo Corchado narra o que chama de descida do país rumo às trevas com as mudanças das políticas do governo federal em relação às drogas –da tolerância mutuamente proveitosa entre os políticos do PRI (Partido da Revolução Institucional) e os chefões dos cartéis à fracassada guerra às drogas quando o PAN (Partido de Ação Nacional) chega ao poder. Ao mesmo tempo, o autor vai acompanhando as trágicas transformações da cidadezinha onde nasceu, na fronteira dos Estados Unidos, trazidas pela chegada do narcotráfico.

O Brasil e o capital chinês - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pressionada por EUA e cia., China dirige mais investimento para países em desenvolvimento

Brasil e China divulgaram um desses comunicados café com leite de encontros bilaterais —aqueles acordos de cooperação vagos. Mas pode ter carne nesse cardápio.

A China tem mudado o endereço de seus investimentos. Em 2017, 3 dos 10 maiores destinos de capital chinês eram "países em desenvolvimento". De 2018 a 2022, passaram a ser algo em torno de 5. Em 2023, 9 de 10. Os dados foram compilados pela Câmara Empresarial Brasil-China.

Em 2018, Donald Trump declarou guerra comercial contra a China. Como é sabido, as restrições americanas e do Ocidente a negócios com os chineses vão além.

Não estamos à beira de receber jorro de capital chinês. Para começar, esse fluxo amainou em anos recentes, por causa da epidemia, de Jair Bolsonaro e porque o PIB brasileiro se arrastava na poeira. Além do mais, o dinheiro não virá por graça política. A condição necessária é a de sempre: estabilidade econômica, perspectiva de crescimento e barganhas.

Lula recupera a posse da bola - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Êxitos na política externa e constrangimento da extrema-direita favorecem o governo na preparação do terreno para o segundo biênio

A primeira-dama queimou a largada acocorando-se para ofender Elon Musk, e 34 chefes de Estado, o maior quórum de uma reunião do G20, acordaram com a notícia de que a segurança do evento estava sendo provida por militares que chegaram a fazer planos para envenenar o colega anfitrião. Parecia que tudo ia dar errado para um presidente que pretendia fazer uma retumbante estreia na trilha dos grandes eventos mundiais que presidirá - COP30 e Brics acontecerão em 2025-, mas a emenda saiu melhor que o soneto.

Janja da Silva recebeu uma reprimenda pública inédita do marido ao mesmo tempo em que o Brasil anunciava entendimentos com a China para buscar alternativas à Starlink de Musk. A notícia de que o G20 estava salvaguardado por golpistas se provaria falsa e a operação policial que ameaçava ofuscar o evento acabou trazendo dividendos externos e internos para o governo.

Busca de monitoramento com a China no comércio - Assis Moreira

Valor Econômico

Exportações da China para o Brasil cresceram 24,9% de janeiro a outubro deste ano, a maior alta nas vendas para grandes parceiros

A criação de um mecanismo de diálogo rápido com a China para monitorar disrupção nos fluxos de comércio entrou no radar, em Brasília, refletindo a preocupação com uma escalada de guerra comercial a partir de 2025.

As conversas com os chineses ganharam força no pós-eleição de Donald Trump, com as suas ameaças de impor sobretaxas de 60% sobre produtos chineses e de 20% sobre os de outros países e o risco de que sejam reproduzidas por outros mercados relevantes. Não se esperava algo concreto, ainda, na visita de Xi Jinping ao Brasil, ontem.

Se os Estados Unidos frearem a entrada de parte dos US$ 430 bilhões em produtos que importam da China a cada ano, as empresas chinesas tentarão, evidentemente, vendê-los para outros países, repetindo uma estratégia bem-sucedida quando Trump deflagrou a primeira guerra comercial, em 2018.

Quem fez a cabeça de quem - William Waack

O Estado de S. Paulo

Politização das Forças Armadas é o pano de fundo de esquema de golpe apontado pela PFs

A frase para se entender como oficiais de alta patente se envolvem em esquemas de golpe como o que a Polícia Federal afirma ter desvendado seria aquela de Bolsonaro: “o Exército é meu”. Não era nem nunca foi, mas os comandantes militares deixaram parecer que fosse.

Está nessa complacência a raiz da indisciplina e insubordinação, que sempre acompanham a politização de forças armadas. Contudo, a complacência de chefias militares diante da erosão da própria instituição não foi uma atitude deliberada ou talvez sequer consciente.

Já tinham perdido a mão quando decidiram não punir o general Pazuello por participar de ato político em 2021. O comando formal da arma manteve-se intacto mas a autoridade do comando esvaiu-se.

A economia à espera de Godot - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável personagem de Beckett. Mas há diferenças essenciais

Na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma dupla espera Godot num esforço quase descomunal, além de confuso. O pacote de cortes de gastos do ministro Fernando Haddad não é Godot, tampouco o mercado financeiro deveria exasperar-se e confundir-se tanto. Cabe ao governo apresentar medidas concretas para reequilibrar as contas públicas.

O compromisso político em torno de uma regra fiscal bastante razoável, o chamado novo arcabouço fiscal, veio no ano passado com a aprovação e promulgação da Lei Complementar n.º 200/2023. O desafio, agora, é providenciar as ações necessárias para que as receitas e as despesas se comportem de acordo com a lei.

Do lado das receitas públicas, o Ministério da Fazenda conseguiu aprovar uma série de ações, no Congresso, incluindo a revisão de um iníquo benefício fiscal baseado no ICMS, antes abatido pelas empresas na hora de apurar o lucro.

Para ter claro, aquele regime erodia a arrecadação de tributos federais com incidência sobre o resultado das empresas. Formadores de opinião que costumam criticar os chamados gastos tributários exibiram um silêncio ensurdecedor ao não elogiar essa ação. Curioso.

Salário mínimo não é a maravilha que Lula imagina - Roberto Macedo

O Estado de S. Paulo

Presidente ignora o efeito do salário mínimo na ampliação do mercado de trabalho informal

Escrevi este texto na última terça-feira e ainda não havia sido divulgado o pacote fiscal que o governo federal pretende anunciar. Mas já havia uma novidade, pois vieram várias notícias, inclusive num editorial deste jornal na segunda-feira passada, de que o governo desta vez pretende estabelecer alguma restrição sobre a regra de reajuste anual do salário mínimo, que é a de um aumento pela inflação passada mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Essa segunda parte da regra foi instituída por Lula da Silva, mas tem um custo muito alto. Nesse editorial é apontado que “cada R$ 1 a mais no salário mínimo gera um aumento de despesas de R$ 422 milhões no Orçamento”. Lembro-me de ter lido em algum lugar que essa segunda parte teria anulado boa parte da poupança obtida com a reforma previdenciária de 2019.

A necessidade de superar o capitalismo - Cláudio Carraly*

O sistema capitalista, que tem sido o motor econômico dominante por séculos, está atualmente sob intenso escrutínio devido aos seus impactos cada vez mais negativos na sociedade. Esses impactos vão desde a crescente degradação ambiental até a desestabilização do bem-estar social, portanto, é imperativo explorar a urgente necessidade de transcender o sistema capitalista em prol do avanço e prosperidade da comunidade global. Isso requer uma abordagem inclusiva, que não apenas aponte os problemas inerentes ao modo de produção capitalista, mas também destaque alternativas viáveis e soluções para uma sociedade mais justa e sustentável.

Sob qualquer perspectiva realista, a disparidade econômica e social exacerbada pelo capitalismo é considerada inaceitável, a concentração de riquezas e poder nas mãos de poucos contradiz os princípios de igualdade e dignidade para todos os indivíduos. Surge, então, a pergunta: como podemos equilibrar a busca pela eficiência econômica com a necessidade de garantir justiça social e equidade?