quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Investigação da PF foi técnica, ampla e detalhista

O Globo

Inquérito traz evidências robustas contra os envolvidos na tentativa de golpe de Estado

É ao mesmo tempo profunda, robusta e assustadora a investigação que resultou no relatório da Polícia Federal (PF) descrevendo, ao longo de 884 páginas, a trama urdida nos bastidores do governo Jair Bolsonaro para dar um golpe de Estado e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Baseado não só em depoimentos, mas sobretudo em cruzamentos de informações colhidas ou recuperadas de celulares, computadores e anotações dos acusados, o inquérito traz um farto e consistente material à disposição da Procuradoria-Geral da República para apresentar denúncia.

A PF pediu o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros 36 envolvidos, entre eles o general Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa, da Casa Civil e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022), o general da reserva Augusto Heleno (ex-chefe do GSI), o general da reserva Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), o almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e o general da reserva Mário Fernandes (ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, preso na semana passada).

O autogolpe - Merval Pereira

O Globo

Teremos de enfrentar mais cedo ou mais tarde a fragilidade das normas democráticas diante de corporações fardadas e armadas

O relato oficial da Polícia Federal revela, além dos fatos concatenados desde os primeiros momentos do governo Bolsonaro até a sublevação de 8 de janeiro de 2023, um grave problema que teremos de enfrentar mais cedo ou mais tarde: a fragilidade das normas democráticas diante de corporações fardadas e armadas. O fato de Bolsonaro ter apresentado a dois comandantes militares, general Freire Gomes, do Exército, e brigadeiro Baptista Junior, da Aeronáutica, a minuta do golpe, sem consequências punitivas imediatas, revela a facilidade com que um presidente da República faz lobby por um golpe de Estado — e a dificuldade que militares democratas encontraram para superar essa situação sem criar uma crise institucional que, no limite, poderia até facilitar o golpe.

O comandante do Exército, general Freire Gomes, advertiu Bolsonaro de que ele poderia ser preso se levasse adiante tal iniciativa, mas não encontrou condições reais para prender o presidente em flagrante delito. Um coronel rebelado que enviou a ele uma mensagem de WhatsApp agressiva e impertinente tampouco foi colocado nas grades e continuou conspirando. A hierarquia quebrada nesses e noutros episódios dessa sedição fracassada mostra a delicadeza da questão, fazendo com que o comandante em chefe das Forças Armadas possa agir de maneira ilegal sem ser contido. Se fosse um presidente civil, a reação seria a mesma? Não creio.

De golpe em golpe - Malu Gaspar

O Globo

As revelações do relatório da Polícia Federal sobre a trama golpista impressionam pela quantidade de detalhes e pela ousadia do grupo de militares que estava disposto até a matar para impedir que o resultado da eleição presidencial de 2022 fosse respeitado. Mas ninguém que tenha seguido o noticiário no Brasil desde que Jair Bolsonaro foi eleito pode alegar surpresa.

As investigações deixaram claro que os surtos golpistas de Bolsonaro já eram acompanhados por articulações no submundo militar desde 2021, quando se desenhou um plano de fuga do então presidente para o exterior, caso uma tentativa de virar a mesa não desse certo.

Foi um período conturbado. Começou com a renúncia conjunta dos três comandantes das Forças Armadas, que se recusaram a aderir ao decreto de Garantia da Lei e da Ordem ou ao Estado de Sítio desejados por Bolsonaro para acabar com o isolamento social contra a Covid-19, decretado por prefeitos e governadores e chancelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O golpe durou o governo inteiro – Míriam Leitão

O Globo

A mentira era o primeiro pilar. O alvo era minar a confiança na democracia, fabricar o ‘clamor popular’ e legitimar o golpe

Não foi um governo. Foi uma conspiração que durou um mandato. Começou em 2019 e a arma inicial foi a mentira. Durante todos os quatro anos a mentira foi usada como método. O objetivo era sedimentar a ideia, por repetição, de que o sistema eleitoral era fraudado e, assim, minar a confiança na democracia. A partir daí seus atos pareceriam legítimos. Os desdobramentos foram sendo escritos mas eram previsíveis. Cercar-se de militares, cortejar as Forças Armadas, especialmente o “meu Exército”.

Escolher alvos que seriam atacados tanto pelo então presidente da República, quanto pela milícia digital para o desmonte institucional. Por fim levar seguidores para Brasília, produzir o “clamor popular de 64”.

A realidade paralela do golpismo e o pacote fiscal - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Se o relatório mostra as digitais golpistas das autoridades sob uma realidade paralela capaz de mobilizar boa parte dos 58 milhões de eleitores de Bolsonaro, é no bolso dos brasileiros que o efeito concreto do pacote se fará sentir

As 884 páginas produzidas pela Polícia Federal dão ainda maior responsabilidade ao pacote fiscal do governo. Se o relatório mostra as digitais das principais autoridades da República em ações concretas pela abolição do Estado de Direito sob uma realidade paralela capaz de mobilizar boa parte dos 58 milhões de eleitores de Jair Bolsonaro, é no bolso dos brasileiros, para além dos 60 milhões que votaram no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que os efeitos concretos do pacote fiscal se farão sentir.

O conjunto de mensagens, depoimentos, documentos e registros de entrada e saída nos palácios do Planalto e da Alvorada permite divisar com mais clareza o rumo a ser percorrido pelo inquérito até a prisão do ex-presidente. Colocá-lo atrás das grades vai elevar o custo do golpismo. Se a cultura democrática do país não se mostra capaz de se impor por suas virtudes, que o seja pela ameaça a quem a afronta.

Conspiração de 2022 foi uma caricatura de 1964 - César Felício

Valor Econômico

Golpe em 1964 envolvia governadores dos três Estados mais importantes do Brasil à época, amplos setores do Congresso, nata do empresariado, Igreja Católica e movimentos sociais enraizados na classe média

O ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, tenente coronel Mauro Cid, afirmou que, em 1964, para dar um golpe, os militares não precisaram assinar nada. É o que consta no relatório da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado, enviado, quarta-feira (26), para a Procuradoria Geral da República.

"Em 1964 não precisou ninguém assinar nada", escreveu no WhatsApp, em conversa com outro golpista, o tenente coronel Sérgio Cavaliere. Os dois lamentavam a falta de apoio dentro da cúpula do Exército para endossar o decreto que formalizaria a ruptura institucional.

A evocação histórica golpista é incorreta em diversos níveis. Em 1964, os militares que deram um golpe assinaram um monte de papéis e procuraram, de diversas maneiras, revestir o golpe de legitimidade. Conforme a historiografia já estabeleceu, essa era uma condicionante para a destituição do então presidente João Goulart ter o reconhecimento dos Estados Unidos, fundamental para que o golpismo fosse adiante.

Problemas para o Ano Novo – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Antes mesmo de conter descrédito fiscal, governo se obriga a caçar mais receita, a fim de bancar novo IR

A preocupação do governo Lula de evitar danos de imagem com o plano de contenção de gastos é muito maior do que se imaginava. É tamanha que ministros não se importaram de dizer que a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil seria amarrada no dito pacote fiscal. Com o novo IR, o governo terá de caçar receita em volume equivalente ao que talvez economize com o pacote. O governo não se deu conta de quanto pode minar as chances de ter dólar, juros e inflação menores em 2025.

O que vai entrar por uma porta pode sair pela outra: o governo pode mostrar que foi "duro" com os mais ricos também. Mas logo pode ver os mais pobres padecerem os efeitos práticos do descrédito fiscal, como inflação em alta, o pior, ou crediário mais caro, economia esfriando etc.

Bolsonaro, militares e o golpe fracassado - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Não se pode subestimar o estrago feito pelo ex-presidente ao Estado de Direito

Presidente, Jair Bolsonaro não seguiu o roteiro dos líderes populistas que chegam ao governo. Não usou os instrumentos ao seu dispor para mudar as leis a fim de submeter o Congresso, controlar o Judiciário, calar a imprensa e emparedar as oposições.

Sua estratégia foi outra. Tratou de desacreditar o DNA da democracia: a escolha dos governantes em eleições periódicas e livres, com o respeito à vontade da maioria. Não deixou de fazer ameaças ao Supremo Tribunal Federal e aos meios de comunicação. Mas investiu mesmo, com virulência e constância, contra as instituições eleitorais —em especial o sistema eletrônico de votação e o ramo do Judiciário que zela pela lisura dos pleitos. Preparou-se para continuar no poder —pela lei, se as urnas o favorecessem; pela força, se derrotado.

Braga Netto se amarrou a Bolsonaro - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Declaração de lealdade feita pelo general não é uma mera demonstração de amizade

Por ordem do STFJair Bolsonaro e Walter Braga Netto não podem manter contato um com o outro. É uma medida comum para impedir que investigados combinem versões, troquem ameaças ou fechem acordos de sobrevivência. Uma conversa entre o capitão e o general, no entanto, ocorre em público.

As reações da dupla ao indiciamento por tentativa de golpe revelam a busca por um pacto. Braga Netto divulgou duas notas em que foi incapaz de negar de forma categórica seu envolvimento nos planos para permanecer no poder. O general afirmou apenas que "nunca se falou em golpe". Seus advogados gastaram caracteres para dar outros recados.

As falas da rataria – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Deus, a Pátria e a Família estão horrorizados com o baixo nível dos generais que dizem defendê-los

Deus está chocado. A Pátria e a Família, então, nem se fala. Pois não é que justo aqueles que vivem falando em Seus nomes demonstraram que, ao querer passar os adversários na bazuca, no punhal e no veneno, estão pouco ligando para os valores que os ditos Deus, Pátria e Família defendem? Deus, a Pátria e a Família se referem aos áudios descobertos outro dia, que mostram generais espumando de patriotismo e pregando ódio e ranger de dentes.

A Grande Anistia é outra - Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

A gente perdoa golpe para dar à instituição golpista uma nova chance

— Tô perto da posição, vai cancelar o jogo?

— Abortar... Áustria volta para local de desembarque, ainda estamos aqui.

— Gana prossegue para resgate com Japão.

— Brasil já foi para ponto resgate.

diálogo entre Gana, Áustria, Japão e Brasil, codinomes dos executores do plano de sequestro e assassinato da "professora", codinome de Alexandre de Moraes, ilustra momento mais dramático da operação bolsonarista do golpe. "Por onde anda a professora?", perguntava Mauro Cid pouco antes. "Informação de que foi para escola em SP". Talvez se referissem à faculdade onde o ministro leciona.

"Brasil já foi para ponto resgate" nos deu uma metáfora notável. Desses achados que sintetizam uma época. Está em curso, de novo, o "resgate" da instituição militar contra sua sujeição a controle constitucional. A tradição de leniência perante nossa maior instituição de delinquência política volta a mostrar sua força.

Denúncias não abalaram popularidade de Bolsonaro – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Pesquisa acendeu uma luz amarela no Palácio do Planalto, que está às voltas com a repercussão do ajuste fiscal preparado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad

Pesquisa do Instituto Paraná, divulgada nesta quarta-feira pelo site Poder 360, mostra que a repercussão do indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas, entre as quais cinco generais de quatro estrelas, por tentativa de golpe de Estado, não abalou a popularidade do ex-chefe do Executivo. Talvez até tenha ocorrido o contrário: se as eleições presidenciais fossem hoje, Bolsonaro teria 37,6% dos votos, contra 33,6% do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A pesquisa acendeu uma luz amarela no Palácio do Planalto, que está às voltas com a repercussão do ajuste fiscal preparado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, nesta quarta-feira, fez um pronunciamento oficial em cadeia nacional de rádio e tevê para anunciar a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. A medida, uma das promessas de campanha do presidente Lula, vem no contexto de um pacote de corte de gastos que será encaminhado ao Congresso nos próximos dias.

Ideologia, ideologia - Eugênio Bucci

O Estado de S. Paulo

Pesquisa revela fragmentos de um sistema em que a identidade se dissolve no líder forte e rico, e nos explica, em parte, por que dezenas de milhões sufragaram os golpistas

Conforme vai ficando mais evidente – como se fosse possível ficar ainda mais evidente, e como se fosse preciso – que o ocupante da Presidência da República até 2022 tramava, planejava e tentava executar um golpe de Estado, uma pergunta se projeta para fora das sombras da conveniência: como explicar o apoio que ele angariou? Por que tantos ricaços o adularam de modo tão pegajoso? Por que tantos políticos experientes se dobraram em mesuras tão solícitas? Por que tantos segmentos da caserna se comportaram feito gangues tão analfabetas? E, por fim, por que as massas espoliadas se prestaram a aplaudi-lo quando ele subia em caminhões para vomitar a treva sobre o asfalto? Como entender que tenham votado numa figura declaradamente empenhada em degradar-lhes um pouco mais a vida?

A política e a política fiscal - José Serra

O Estado de S. Paulo

A fragilidade governamental na condução da tramitação do novo pacote fiscal é fonte de turbulência e descrédito na percepção da política econômica

Estamos no epicentro de um novo pacote fiscal, considerado por muitos como o momento decisivo do terceiro governo Lula. Os analistas da política econômica enfocam a validade e qualidade das medidas. O mercado financeiro deseja o primário ajustado e o arcabouço fiscal do ministro Fernando Haddad funcionando. Não creio, no entanto, que as discussões que esses atores vêm fazendo consigam dar conta de tudo que está sendo jogado neste momento.

É verdade que as expectativas sobre a economia brasileira atravessaram semanas de deterioração. Temores sobre a inflação, escalada do dólar, descrença sobre a situação fiscal e um cenário externo mais restritivo com o segundo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos geraram tensões que resultaram em vigorosa expansão da curva de juros no longo prazo.

Fatos e desejos - William Waack

O Estado de S. Paulo

Cortar gastos de um lado e criar um buraco de outro é tão inteligente quanto enxugar gelo. É uma postura que o governo Lula 3 parece perseguir na economia e na política. A decepção manifestada por agentes econômicos (que não têm CPF nem CNPJ nem escritório na Faria Lima, como pensa Lula) é sobretudo política. Tem a ver com uma das mais velhas frases sobre agentes políticos e uma das mais repetidas: não aprenderam nem esqueceram nada.

É o que se dizia dos senhores do “ancien regime” na França do começo do século 19.

Não tinham entendido os erros do passado nem as contingências do presente. Lula 3 é a expressão perfeita do “ancien regime” na política brasileira.

¿Qué falta para que Bolsonaro sea encarcelado? - Fernando de la Cuadra*

En el extenso y contundente informe de 884 páginas elaborado por la Policía Federal se concluye que el ex presidente Jair Bolsonaro operó como el líder de una organización criminal que planificó un Golpe de Estado para mantenerlo en el poder después que perdió las elecciones en octubre de 2022. Y no solo eso, los investigadores también descubrieron que ese plan incluía el asesinato del candidato vencedor, Lula da Silva, de su vicepresidente Geraldo Alckmin y del Ministro del Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

En una de sus partes el documento señala que “los elementos de prueba obtenidos a lo largo de la investigación demuestran de forma inequívoca que el entonces presidente de la República, Jair Messias Bolsonaro, planificó, actuó y tuvo el dominio de forma directa y efectiva de los actos ejecutorios realizados por la organización criminal que tenía por objetivo la concretización de un Golpe de Estado y la Abolición del Estado Democrático de Derecho”.

Por lo mismo, la Policía Federal solicita el procesamiento de Bolsonaro y otras 36 personas fundamentalmente por estos tres crímenes: Intención de dar un Golpe de Estado; abolición violenta del Estado democrático de derecho y formación de organización criminal. De acuerdo a las indagaciones realizadas y a un amplio material comprobatorio, el Golpe no se habría consumado por “circunstancias ajenas a la voluntad del ex presidente” y sus cómplices.