segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Incêndios florestais devem ser tratados como prioridade

O Globo

Neste ano, as chamas destruíram uma área da Amazônia mais de dez vezes maior que o desmatamento

As chamas têm sido mais devastadoras para a Amazônia que as motosserras. Dados do Monitor do Fogo do MapBiomas, baseados em informações de satélites, revelam que, de janeiro a outubro, incêndios destruíram uma área da floresta mais de dez vezes superior ao desmatamento registrado entre agosto de 2023 e julho de 2024 — 6,7 milhões de hectares ante 650 mil hectares. Com uma agravante: o Brasil sabe como combater o desmatamento — e a redução recente na área desmatada na Amazônia e no Cerrado é prova disso —, mas tem se revelado incapaz de deter o fogo.

O que fizeram com as nossas cabeças – Fernando Gabeira

O Globo

Existe uma incapacidade de atenção prolongada. O estímulo é mudar constantemente no ritmo da ponta dos dedos

Brain rot foi escolhida a palavra do ano pelo Dicionário Oxford. Significa cérebro podre. O termo define a exaustão mental provocada por uma imersão nas telas, pulando de um para outro tema que não contém estímulo intelectual. Na verdade, o termo já foi usado pelo escritor Henry Thoreau ainda no século XIX, em 1854:

— Enquanto a Inglaterra se empenha em curar a podridão da batata, ninguém se empenhará em curar a podridão do cérebro, que predomina de maneira muito mais vasta e fatal?

Na verdade, o esforço de atenuar as imperfeições da mente humana, pelo menos a partir do Pós-Guerra, é bastante comovedor. Lembro-me da popularidade de Erich Fromm, que escreveu inúmeros livros, estimulando a liberdade individual, as possibilidades de uma existência amorosa. Como todo intelectual alemão que sobreviveu ao nazismo, Fromm enfatizava julgamentos independentes, mas já trazia também certa crítica ao capitalismo, refletindo constantemente sobre os verbos ter e ser.

Um estoico à beira do abismo – Demétrio Magnoli

O Globo

‘Mostre-me um que é doente, porém feliz; em perigo, porém feliz; morrendo, porém feliz; no exílio, feliz; em desgraça, feliz. Mostre-o a mim. Pelos deuses, eu desejaria ver um estoico. Não, você não pode mostrar-me um estoico completo; então mostre-me um em formação, um que colocou os pés no caminho.’ O Brasil pode mostrar ao filósofo grego Epiteto (c. 55-135 d.C) um estoico completo. É Haddad, Fernando, o ministro que não permite a Lula ser Dilma. Ou, ao menos, tenta.

“Gasto é vida” — Lula acredita na síntese da teoria econômica petista enunciada por Dilma. Mas, ao contrário da presidente desastrada que inventou, tempera suas crenças por um senso aguçado de prudência política. No segundo mandato, quando trocou Palocci por Guido Mantega, manteve o Banco Central (BC) sob Henrique Meirelles, evitando os delírios heterodoxos que, no mandato da sucessora, precipitaram a queda livre.

Outro lado da farda – Preto Zezé

O Globo

Essa guerra que te mandaram lutar não tem vencedores. Todos perdem. Enquanto as regras injustas ficam intactas, a propriedade está salva

Fala, soldado!

Tu, que foste programado para ser sentimento, sem dor, agora viraste mais um caso isolado, que se repete dia após dia em todos os lugares. E os superiores se limitam a dizer que a instituição não compactua e que você será afastado, e vida que segue.

Tu, que vives de executar ordem, que se formou num treinamento tipo fundamentalista, cheio de humilhações e exploração. E, ao mesmo tempo, jurou defender a sociedade com a própria vida, sabendo que, na selva, a ética é violentada pela sobrevivência. E ensinado somente a morder, esse cão de guarda não ia distribuir flores.

O telefone toca, milhões precisam de ti, um misto de desconfiança, necessidade e sossego. Tipo capitão do mato, caçador de preto, de pobre, palanque fértil no horário nobre pra política.

No teu time, muitos entraram por poder, por dinheiro, por privilégio, uns honestamente sonhando em proteger a sociedade. Uns em áreas ricas que protegem, dizem que “tu é machão na periferia; na área nobre, tu é nada!”. Mas, já que teu superior orientou que as abordagens eram diferentes dependendo do público e da área — pobre ou até nobre —, segue o baile!

Ministério pode mudar depois do carnaval - Andrea Jubé e Fabio Murakawa

Valor Econômico

Lula deve ouvir Lira e Pacheco; presidente do Senado é cotado para um cargo na Esplanada

Ao completar a marca dos dois anos de mandato, aumentou a pressão de aliados do Centrão para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promova mudanças no primeiro escalão. O próprio Lula já reconheceu a interlocutores a necessidade de mexer no time, a fim de garantir a governabilidade na reta final do mandato e fidelizar aliados para a coalizão da campanha à reeleição em 2026. A reforma ministerial, todavia, deve ficar para depois do carnaval.

As discussões ainda não estão maduras, mas os atuais presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de saída dos cargos, serão ouvidos em todo o processo. O próprio Lula tem desejo de levar Pacheco para o primeiro escalão. Lira, por sua vez, já disse a interlocutores que não tem interesse em ser ministro. Mas ele deve indicar um aliado para alguma pasta na reforma em gestação.

Bancadas burlam decisão do STF sobre emendas - Raphael Di Cunto

Valor Econômico

Legislativo aprova ações genéricas para dividir verba que seria para obra estruturante

Ao mesmo tempo em que pressiona o Supremo Tribunal Federal (STF) a rever a decisão de obrigar a divulgação do nome dos padrinhos políticos das emendas de bancada estadual e de comissão ao Orçamento, com o argumento de que se tratam de recursos coletivos, o Congresso Nacional burlou a ordem da Corte e a lei aprovada há poucos dias pelos próprios congressistas para não individualizar as emendas de bancada, que somarão R$ 14 bilhões.

Os deputados e senadores de cada Estado se reuniram esta semana - alguns, em reuniões “secretas”, restritas aos próprios parlamentares - e aprovaram a alocação de dinheiro em rubricas genéricas nos governos estaduais ou ministérios, como “fomento ao setor agropecuário”, “promoção de turismo” e “apoio a projetos de desenvolvimento sustentável”.

Dólar a R$ 6 e o efeito sobre a inflação e o nível do juro - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Sem estratégia de contenção de gastos obrigatórios, câmbio vai continuar desvalorizado; culpar a Faria Lima não ajuda em nada

Um país que cresce há três anos na casa de 3%, com desemprego em queda e renda em alta, convive com um dólar na casa de R$ 6 e juros de longo prazo em níveis elevadíssimos, de 7% ao ano, descontada a inflação. As incertezas sobre as contas públicas levaram a esse salto da moeda e dos juros longos, contribuindo para a piora das expectativas de inflação, combinação que caminha para resultar numa forte alta da Selic.

Se isso ocorrer, o que poderia ser uma desaceleração moderada da atividade corre o risco de se tornar uma perda de fôlego mais expressiva, com interrupção da retomada do investimento, além de uma piora da situação fiscal, por encarecer o custo já pesado da dívida pública. Há projeções de que a Selic, hoje em 11,25% ao ano, poderá superar 14% no fim do ciclo de aumento da taxa. Na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana, a aposta dominante é em alta para 12%.

Uma crônica, as pautas e o Brasil que queremos - Bruno Carazza

Valor Econômico

Decisões políticas refletem as resistências a um país melhor

Poucos dominaram tão bem a arte de tocar o coração das pessoas com uma escrita leve, mas de significado profundo, quanto o capixaba Rubem Braga. Prova disso é que suas crônicas - gênero efêmero por natureza - reverberaram por gerações.

Das historinhas da coleção Para Gostar de Ler, onde muitos que têm mais ou menos a minha idade se iniciaram nos livros, até textos que há algum tempo faziam muito sucesso circulando em correntes de e-mail, suas colunas publicadas nos jornais e revistas de décadas atrás continuam emocionando e levando a reflexões - embora eu suspeite que, ainda que curtas e objetivas, suas crônicas não caibam mais nos poucos segundos dos TikToks e reels.

De árbitro a jogador - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Se querem uma Suprema Corte menos ativa, que se redefinam seus poderes

Desde os eventos antidemocráticos de 8 de Janeiro, muitos têm argumentado que o STF tem atuado de forma consistente com o Executivo, especialmente diante de um Legislativo não tão cooperativo com o presidente. Alguns, inclusive, especularam apressadamente que se tratava de um novo tipo de “coalizão” do governo Lula com o STF em busca de governabilidade.

Mas a decisão do ministro Flávio Dino de impor novas restrições para que a execução das várias modalidades de emendas dos parlamentares seja retomada, referendada por unanimidade pelos demais ministros do STF, parece ter jogado por terra essa suposta coalizão.

Tarifa Brics: o tiro que pode sair pela culatra - Robson Cardoch Valdez*

Correio Braziliense

O acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia parece ter se tornado uma aposta ainda mais relevante para os dois blocos diante da crescente fragmentação do comércio internacional

O aumento de 100% nas tarifas sobre produtos dos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia), conforme ameaça feita pelo presidente eleito Donald Trump na rede social Truth Social, teria impactos significativamente indesejáveis na economia norte-americana, afetando consumidores e setores econômicos importantes dos Estados Unidos. Ainda que essa medida possa incentivar a produção doméstica e a redução do deficit comercial no curto prazo, no médio prazo, porém, poderíamos testemunhar aumento dos preços de itens essenciais, como eletrônicos, alimentos e energia, pressionando a inflação e o custo de vida, enquanto cadeias produtivas sofreriam com elevação dos custos de produção em setores-chave. Adicionalmente, esse "tarifaço" poderia enfraquecer a posição geopolítica e comercial dos EUA, criar tensões e até mesmo acelerar, em vez  de arrefecer, a cooperação entre os países do Brics .

Esperançar para superar os desafios presentes - Rozana Reigota Naves*

Correio Braziliense

Concebemos a universidade como o lugar privilegiado do debate e da crítica para a construção de sujeitos protagonistas da própria transformação

"Enquanto houver batalhas, haverá esperança", assim se pronunciou Dom Quixote, personagem de Miguel de Cervantes, cavaleiro errante que acreditava na luta pelo que considerava justo e nobre. Esperançar, assim tornada verbo, remete à pedagogia de Paulo Freire, o grande educador brasileiro para quem a esperança constitui necessidade ontológica, prática que fundamenta a luta histórica e contínua para melhorar o mundo.

Esse é o sentimento que toma conta de mim e da comunidade da Universidade de Brasília (UnB) desde o dia 21 de novembro último, quando ocorreu a cerimônia de transmissão do cargo de reitora, e, em particular, a partir da noite de 22 de novembro, com a nossa nomeação pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

A invenção do 'fato isolado recorrente' - Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

Isolados são os casos de punição de agentes de segurança que se excedem

Que brasileiro é criativo todo mundo sabe. Em geral, somos mestres em jogo de cintura. Afinal, para a maior parcela da população, sempre foi preciso "rebolar para sobreviver". Ainda assim, nenhuma pessoa de bom senso estava preparada para recepcionar, sem espanto, a invenção do "fato isolado recorrente".

A novidade, tão inusitada quanto fantasiosa, é fruto da criatividade de políticos e autoridades governamentais que têm coragem e cara de pau de dizer que os reiterados episódios de violência policial registrados no país constituem "fato isolado".

Predição é muito difícil - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Dante pôs no Oitavo Círculo do Inferno Adivinhos, Sedutores, Aduladores, Corruptos, Ladrões do sagrado, Maus conselheiros, Semeadores da discórdia

Dante, em "A Divina Comédia", colocou os adivinhadores no Oitavo Círculo do Inferno, com a cabeça torcida, voltada para as costas, com as lágrimas molhando as nádegas, de maneira que não conseguem olhar para a frente. Essa é a punição por alegarem saber o futuro que estaria ao alcance apenas de Deus.

"Predição é muito difícil. Especialmente se for sobre o futuro", a frase é de um dos criadores da física quântica, Niels Bohr. Estimar um modelo com base em um conjunto de dados/variáveis do passado é uma coisa. É como prever o presente. Mas prever resultados futuros ("out of sample") é muito mais complexo, exigindo supostos sobre o papel de fatores ainda desconhecidos. Muitas previsões são muito complexas; outras simplesmente impossíveis.

São Paulo não quer Guilherme Derrite - Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Show de horror de violência policial tem nome e sobrenome

O show de horror de violência policial em São Paulo tem nome e sobrenome: Guilherme Derrite. Alvo de um pedido de impeachment na Alesp, com apenas 40 anos, o atual secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo tem um longo currículo funesto.

De acordo com reportagem publicada na revista Piauí, como membro do 14º Batalhão da Polícia Militar (PM) entre 2006 e 2009, Derrite teria participado de um grupo de extermínio em Osasco, cidade da região metropolitana de São Paulo, chamado "Eu sou a morte".

Sim, ainda vou ao banco - Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Entre outras coisas, a fim de tirar dinheiro para pagar a bic no camelô ou o mate na praia

Queixei-me outro dia ["Conheça a desextinção", 4/11] dos bancários que atendem com impaciência aos clientes, como se estes fossem obrigados a dominar o complexo de senhas, tokens e códigos hoje exigidos pelos bancos para as mais reles operações. Se a dificuldade do cliente referir-se à máquina que não reconhece o seu dedo —embora seja o mesmo dedo que você imprimiu ontem num apetrecho do próprio banco e na presença de um funcionário—, o diagnóstico na cara do bancário é o de que você já está extinto e não demorará a ser recolhido. Não ocorre a ele que é o próximo na linha de extinção e só terá emprego enquanto você existir.