O Globo
A partir do momento em que o Brasil tiver uma regulamentação, como a União Europeia já tem, a Meta terá de lhe obedecer
A discussão do artigo 19 do Marco Civil da
Internet no Supremo Tribunal Federal (STF) aborda a responsabilidade das redes
sociais sobre as notícias que divulgam e, entre os especialistas, a conhecida
como “notice and take down” parece ser a melhor forma de lidar com a questão.
Nela, a rede passa a ser responsável perante a Justiça no momento em que recebe
uma notificação sobre um post e decide se o tira do ar ou se o mantém por
considerar que a notificação não se justifica. Isso nada tem de censura, e sim
de responsabilização.
Qualquer empresa tem de obedecer à legislação existente no país onde opera. Como o Brasil tem uma legislação superada com a evolução das plataformas digitais, o Supremo Tribunal Federal (STF) acaba definindo as ações nesse sentido. O ideal seria que o Congresso legislasse sobre isso, mas, como a maioria lá é contra a regulamentação, acha que é preciso uma liberdade total, quem vai ter de decidir é o STF. A partir do momento em que o Brasil tiver uma regulamentação, como a União Europeia já tem, a Meta terá de lhe obedecer; e se a nossa lei obrigar uma moderação, a Meta terá de fazê-la, e essa discussão acaba.
O protagonismo do ministro Alexandre de
Moraes, do STF, no debate sobre as big techs no Brasil é registrado, aliás, num
artigo no Financial Times de David Allen Green, um advogado especializado em
regulação e mídia, intitulado “A próxima batalha entre a mídia social e o
Estado”, onde introduz uma intrigante visão política a respeito da recente
decisão de Zuckerberg de suspender a checagem de fatos divulgados nas suas
redes.
Ele cita o recente enfrentamento entre Elon
Musk e sua rede X com o Supremo Tribunal Federal no Brasil como o ponto de
definição de que nenhuma big tech pode enfrentar e ganhar de governos
estrangeiros e seus sistemas legais. Já não é suficiente, diz ele, ter
influentes lobistas, a tentativa da Meta de diálogo com a União Europeia tem
falhado terrivelmente, porque os interesses são díspares.
A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos
deu à Meta uma grande oportunidade para mudar sua política de tentativa de
aproximação para a de confrontação e coerção. David Allen Green destaca que
Zuckerberg assumiu candidamente essa posição ao anunciar suas novas medidas no
Facebook, afirmando que gostaria de trabalhar com o presidente Trump “para
pressionar governos pelo mundo. Eles estão atacando empresas americanas e
forçando mais censura. Os Estados Unidos têm o mais forte esquema de proteção
da liberdade de expressão no mundo. A única maneira de podermos avançar nesse
tema é com o apoio do governo dos Estados Unidos”.
Os líderes das muitas companhias de
tecnologia têm interesse em promover o novo governo dos Estados Unidos, para
enfraquecer a União Europeia por dentro em países como a Hungria, simpática a
Trump. O modelo de negócio das plataformas digitais depende de engajamento, e
eles não estão preocupados se esse engajamento é amplificado por desinformação
ou mal-entendidos. “Moderação e checagem de fatos são dispendiosas, e, se as
plataformas forem obrigadas pelo mundo a usá-las, terão um modelo de negócios
menos rentável”, comenta.
David Allen Green ressalta que essa procura
pelo abrigo do governo Trump “tão abertamente, assumidamente e sem vergonha”
significa que as plataformas reconhecem sua fraqueza diante da batalha pela
regulamentação com governos nacionais”. Para ele, fenômenos da regulamentação
são realidade pelo mundo, e, se o governo americano concordar em intimidar
outros governos em benefício das plataformas, essa é uma batalha da guerra que
elas podem vencer. A questão, diz ele, é se a União Europeia, Brasil e outros países
terão a firmeza e o estômago para enfrentar o que parece será uma guerra entre
os que querem regulamentar as mídias sociais, que, por sua vez, têm capacidade
de influenciar a formação e contaminação do discurso público. O que está em
jogo, na visão de David Allen Green, é uma disputa política e cultural de
visões de mundo.
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