terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Lula põe intuição à prova – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Presidente antecipa 2026 e quebra regra básica do manual da política

É raro, senão inédito, que um presidente da República abra oficialmente a temporada da sucessão ou reeleição com dois anos de mandato pela frente.

Reza o manual que isso antecipa o "fim" da gestão em curso, alimenta disputas internas, dá mais espaço para a oposição atuar sem ser acusada de só querer atrapalhar o governo devido a interesses de palanque e deixa à vontade os governistas de ocasião que por conveniência ainda não tenham explicitado a intenção de, adiante, pular do barco.

Além disso, para um governo que tem atraído desconfiança, essa antecipação estimula suspeitas bastante fundadas de que não se possa esperar nos próximos dois anos quaisquer ações de caráter impopular, a despeito de serem necessárias.

Luiz Inácio da Silva (PT), como temos visto neste terceiro mandato, anda menos disposto a seguir os ditames da cartilha política tradicional. Portanto, pode ser que sua celebrada intuição fina o tenha aconselhado a agir diferente. A motivação por ora não está clara.

O que lhe disse o anjo da guarda vamos conseguir desvendar ao longo do andar da carruagem, mas é possível fazer alguma suposição a partir da declaração feita na mesma reunião ministerial em que deu a largada para 2026.

Aventou ali a hipótese de não concorrer à reeleição devido a problemas de saúde ou ao imponderável. A decisão, disse, está "nas mãos de Deus". Conhecendo a avaliação de Lula a respeito de si, sabemos a quem ele se refere quando alude ao divino.

Nessa perspectiva, talvez esteja repetindo o jogo feito em outras ocasiões em que disseminava dúvida sobre se disputaria a próxima eleição a fim de alimentar no PT, temeroso da derrota, a unidade em torno dele e desestimular outras candidaturas no partido.

Na atual conjuntura e na condição de presidente, ele corre o risco de jogar com cartas descartadas do baralho pela passagem do tempo e mudança nas circunstâncias, pois Lula, o PT, a oposição e os anseios dos brasileiros não são mais os mesmos. Diante disso, a intuição pode não bastar.

 

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