Correio Braziliense
Muito além das notas do Ideb ou do Enem, a
educação também se aufere pelo desenvolvimento humano, como bem nos lembra a
ONU neste dia 24 de janeiro, o Dia Internacional da Educação
Em 24 de janeiro, o mundo celebrou o Dia Internacional da Educação. Instituída pela ONU, a efeméride deste ano foi dedicada à discussão sobre a inteligência artificial (IA) e seu impacto em sala de aula. Mais do que o uso adequado desse recurso, a discussão sobre esse ou qualquer outro tema ligado à educação precisa estar alinhada à missão civilizatória do ensino. Esse direito universal transcende não apenas a tecnologia, mas também as gerações e os territórios, na busca do desenvolvimento humano, com equidade e paz.
Como em todo o planeta, nosso Brasil chega a
2025 com muitos e complexos desafios na educação. Por aqui, os efeitos da
pandemia ainda ecoam nas escolas, sobretudo nos estudantes que, durante o
isolamento, enfrentaram uma situação de extrema vulnerabilidade econômica.
Quase sempre de famílias lideradas por mulheres, esses alunos sentiram o abalo
do já fragilizado equilíbrio familiar, vendo suas mães impedidas de trabalhar,
logo, sem garantir o sustento e a capacidade daquela casa em acreditar no
futuro. Dados coletados pelo Instituto Cultiva à época revelam que grande parte
dessas pessoas passava mais de seis horas seguidas de frente para a televisão,
em silêncio, dentro da verdadeira gruta que se transformaram as suas apertadas
residências.
Com a limitação da interação, do universo
vocabular e da prática da convivência em sociedade, os efeitos econômicos da
pandemia se somaram a uma consequência ainda pior para a educação no país: a
baixa tolerância de crianças e adultos para se respeitarem uns aos outros.
Quando as escolas foram reabertas, houve uma grande preocupação em recuperar o
tempo perdido do ensino com sobrecargas de conteúdo na garotada. Novas
tecnologias foram implantadas e fórmulas de ensino salvadoras eram — e são até
hoje — vendidas como a solução para preparar os jovens para o mercado.
Mas e o convívio social? Muito além das notas
do Ideb ou do Enem, a educação também se aufere pelo desenvolvimento humano,
como bem nos lembra a ONU neste dia 24 de janeiro. O que esperar dos nossos
alunos diante da chegada da inteligência artificial, por exemplo? Para além da
promessa de acesso ao conhecimento, sabemos que essa é mais uma tecnologia que
irá exacerbar as desigualdades brasileiras se não for utilizada de forma
inclusiva, sem contar o impacto psicológico e cognitivo nos estudantes.
Assistimos recentemente à proibição do uso
dos celulares nas escolas, como uma tentativa de mitigar esse problema. Em A
geração ansiosa, Jonathan Haidt apresenta evidências sobre como o uso excessivo
de smartphones prejudica a saúde mental de adolescentes, especialmente meninas,
que enfrentam uma pressão por validação social em plataformas digitais. Sabemos
da relação direta entre o aumento de depressão, automutilação, tentativas de
suicídio e violência com o uso de redes sociais. Contudo, como o foco excessivo
em preparar o aluno para o vestibular vai nos ajudar a sanar essas questões tão
urgentes?
Enquanto celulares e IA são regulados, a
desvalorização dos professores completa nosso cenário desolador. Hoje, somente
2% dos estudantes de ensino médio desejam seguir a carreira docente. Não
poderia ser diferente, dado os baixos salários e a completa falta de
infraestrutura enfrentada pelos professores. Precisamos que a valorização do
magistério vire tema de redação do Enem para os gestores públicos investirem na
profissão?
É alarmante que o ensino público, sob a
justificativa de inovação, esteja utilizando modelos prontos de gestão que
desvirtuam o papel social, humanizador e comunitário da escola. Para avançarmos
rumo a uma sociedade mais equitativa, precisamos redefinir as prioridades do
sistema educacional. A educação não é uma mercadoria; é um bem público
essencial para a consolidação da democracia.
Tudo isso é pauta para o novo Plano Nacional
de Educação, a ser discutido no Congresso em 2025. A celebração deste Dia
Internacional da Educação pode ser, portanto, uma das últimas chances para
refletirmos sobre o tipo de educação que realmente desejamos para os próximos
10 anos do Brasil e o quão distantes estamos desse sonho.
*Cientista político e presidente do Instituto
Cultiva
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