Mudança climática impõe às cidades maior
preparação
O Globo
De 3 mil municípios que enfrentaram desastres
nos últimos anos, 60% não têm planos de risco ou de contingência
A tragédia vivida pelos gaúchos no ano
passado, quando chuvas torrenciais mataram mais de 180 moradores, deixaram
milhares de desabrigados, levaram serviços ao colapso e comprometeram a
infraestrutura, deveria ter surtido efeito pedagógico em políticos e gestores.
Esperava-se que se preparassem melhor para eventos climáticos cada vez mais
frequentes e devastadores. Pelo visto, pouco se aprendeu com as cenas
dramáticas que comoveram o Brasil.
Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram que, de 2.977 cidades de estados que registraram desastres climáticos nos últimos anos, a maioria (60%) não tem planos de risco ou de contingência, como mostrou reportagem do GLOBO. O levantamento inclui municípios de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Espírito Santo. Na Bahia, de 417 prefeituras, apenas 25 (6%) produziram planos de riscos. Mesmo no Rio Grande do Sul, que guarda cicatrizes do dilúvio, de sete municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre atingidos pelas cheias, apenas dois se prepararam.
Em dezembro de 2023, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva sancionou a Lei Complementar 14.750, que aperfeiçoa a Lei 12.608,
sobre a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.
A legislação determina que municípios e estados adotem medidas para reduzir
riscos de desastres. No caso dos estados, elas devem ser atualizadas a cada
dois anos. Mas apenas a lei não basta. A CNM diz que falta apoio técnico dos
estados e do governo federal. Para tentar contornar o problema, criou um
consórcio para dar assistência às cidades, mas os resultados só poderão ser
avaliados a partir deste ano.
Planos de risco e contingência não são mera
burocracia. São de suma importância em momentos que exigem decisões rápidas,
objetivas e coordenadas, como tempestades. Detalham áreas de risco, estratégias
para socorrer moradores, ações para retirar populações de zonas vulneráveis,
rotas de fuga, locais para abrigo seguro ou redes de atendimento médico. É
fundamental que governos e cidadãos saibam o que fazer nos momentos de
emergência, quando os próprios serviços de Defesa Civil ficam sobrecarregados e
não conseguem atender à demanda.
Volumes excepcionais de chuva costumam servir
de desculpa para justificar inação e despreparo. Dizer que choveu em poucas
horas o volume previsto para todo o mês é um argumento frágil. Com as mudanças
climáticas, os eventos extremos ficaram mais severos e frequentes no mundo
inteiro. Não há perspectiva de que a situação melhorará. O planeta está cada
vez mais quente. O jeito é se preparar para enfrentá-los com o menor dano
possível. Isso demanda planejamento. Esperar o caos se instalar para começar a
agir é uma irresponsabilidade.
É óbvio que cidades com moradores em áreas
suscetíveis a enchentes e deslizamentos devem ter plano de contingência. União
e estados, que dispõem de estruturas e orçamentos mais robustos, deveriam
socorrer os municípios, especialmente os de menor porte, com ajuda técnica e
financeira. O verão mal começou, e já se sucedem cenas de casas soterradas por
barreiras, carros arrastados pelas águas, cidadãos em desespero tentando se
salvar em meio às inundações. Não há como evitar enxurradas, mas, com
planejamento, pode-se enfrentá-las de forma menos improvisada e mais eficaz.
Volta de Trump marca inflexão para a direita
nos países ricos
O Globo
Risco não está no conservadorismo do eleitor,
mas no populismo que ameaça as instituições democráticas
O retorno de Donald Trump à
Casa Branca é o exemplo mais nítido de como a esquerda e as forças
progressistas têm perdido força eleitoral. Mas está longe de ser o único. Na
Alemanha, maior economia da Europa, a coalizão de centro-esquerda implodiu, e
os radicais de direita do Alternativa para a Alemanha (AfD) estão em segundo
lugar nas pesquisas de opinião das eleições marcadas para fevereiro. No Canadá,
o primeiro-ministro Justin Trudeau, queridinho da esquerda por ter priorizado
políticas voltadas ao meio ambiente e às questões identitárias, deverá ser
forçado a antecipar as eleições deste ano, tamanha sua impopularidade. Na
França, o presidente Emmanuel
Macron foi surpreendido pelo avanço do ultradireitista Reunião
Nacional (RN) nas eleições europeias e perdeu a aposta de que derrotaria os
adversários se convocasse eleições parlamentares — o RN se tornou a maior força
na Assembleia Nacional.
Com a Itália governada por Giorgia
Meloni, líder de um partido com raízes fascistas, a ultradireita
desfruta popularidade rara entre os países do G7, as maiores economias
democráticas. Na avaliação do Wall Street Journal, três quartos dos governos da
União Europeia são hoje liderados pela direita ou por uma coalizão que inclui
pelo menos um partido direitista.
É certo que a direita não é um bloco
homogêneo. Ela vai dos conservadores tradicionais à ultradireita populista. O
populismo costuma dar respostas fáceis e extremas (como a deportação em massa
ou as tarifas sugeridas por Trump) a questões de solução complexa (caso da
imigração ilegal ou do declínio da indústria americana). Ao mesmo tempo, se
aproveita da inépcia da esquerda para lidar com inflação, imigração e outros
problemas que afligem um eleitorado cansado da ortodoxia progressista que
enxerga todos os problemas sob o prisma identitário.
A popularidade da ultradireita serve de
alerta não apenas à esquerda, mas também aos conservadores tradicionais. Não é
coincidência que, na tentativa de atrair os eleitores, estes tenham adotado
discurso mais populista — é o caso de Pierre Poilievre, adversário de Trudeau
no Canadá. Quando a reação conservadora é bem-sucedida, é mais difícil que os
populistas conquistem o poder. Na Alemanha, mantidas as preferências atuais, o
AfD chegaria em segundo e provavelmente ficaria fora de uma coalizão governista
entre conservadores e sociais-democratas ou verdes.
E, ainda que os populistas cheguem ao
governo, isso não significa necessariamente que a democracia esteja condenada.
Desde que sigam as regras democráticas, como faz Meloni na Itália, governos da
ultradireita, por mais que incomodem as elites acadêmicas ou intelectuais,
serão apenas o reflexo legítimo dos anseios do eleitorado. A alternância no
poder, não custa lembrar, é parte do jogo democrático. O preocupante não é o
movimento pendular natural na direção da direita, mas a ascensão de extremistas
cujas credenciais democráticas são duvidosas. O risco está em movimentos
violentos, como a invasão do Capitólio em 2021 ou o 8 de Janeiro aqui no
Brasil.
Calor recorde ressalta urgência de avanços
concretos na COP30
Valor Econômico
Ainda que haja avanços pontuais nas negociações climáticas nas últimas COPs, as lideranças globais não têm feito o suficiente para lidar com o problema
O ano de 2024 entrará nas estatísticas
climáticas de forma muito negativa. É o mais quente já registrado na Terra,
fechando uma sequência de recordes consecutivos batizada de “década mortal de
calor” pela ONU. Também é o primeiro a terminar com uma média de temperatura
superior a 1,5º C em relação aos níveis pré-industriais, o limite estabelecido
pela ciência para que os efeitos mais trágicos do aquecimento global sejam
evitados. Diante desse cenário alarmante, com consequências visíveis a cada
rastro de destruição causado por eventos cada vez mais extremos mundo afora,
cresce a importância da COP30, em novembro, em Belém, incluindo o desafio
diplomático do Brasil para obter resultados concretos em negociações que foram
frustradas nas últimas cúpulas pelos poucos avanços produzidos.
Não é de hoje que cientistas e ambientalistas
alertam que o mundo está se aquecendo em uma velocidade assustadora, mais
rápido até do que as projeções mais pessimistas previam. O último dos avisos
foi feito pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), que ressaltou que o ano
foi marcado por chuvas recordes, inundações catastróficas, ondas de calor
escaldantes, com temperaturas superiores a 50ºC, e incêndios florestais
devastadores. As mudanças climáticas ainda intensificaram 26 de 29 eventos
climáticos extremos analisados em 2024, que deixaram 3,7 mil mortos e milhões
de desalojados em todos os cantos do planeta.
No Brasil, as consequências do aquecimento
global ficaram evidentes ao longo do ano passado. As inundações no Rio Grande
do Sul em abril, uma das maiores catástrofes já vividas pelo país, e as
queimadas que arderam em diversos Estados nos meses seguintes deram o tom do
que está por vir se nada for feito para limitar o aumento das temperaturas.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), 2024 também entrará para
as estatísticas nacionais como o ano mais quente desde 1961, quando teve início
a série histórica - a temperatura média foi de 25,02ºC, 0,79°C acima da média
histórica de 1991/2020.
Ainda que haja avanços pontuais nas
negociações climáticas nas últimas COPs, como a criação de um mercado de
carbono sob supervisão da ONU, as lideranças globais - sejam elas políticas ou
empresariais - não têm feito o suficiente para lidar com o problema. Enquanto,
no discurso, o mundo caminha para uma transição energética e verde, a realidade
mostra o oposto. No ano passado, as emissões de dióxido de carbono (CO2)
provenientes dos combustíveis fósseis, principal causa do aquecimento global,
atingiram um nível recorde, de 37 bilhões de toneladas, alta de 0,8% em relação
ao ano anterior. A última COP, realizada no Azerbaijão, um dos grandes
produtores globais de petróleo, terminou sem uma menção explícita à eliminação,
ainda que gradual, do uso destes combustíveis, um enorme retrocesso após a
inclusão da proposta na cúpula anterior, em Dubai.
Acentuou-se ainda uma grande divisão entre
países ricos e em desenvolvimento sobre os valores a serem destinados para o
financiamento climático e sobre em quem recai a responsabilidade desta conta. O
acordo fechado em Baku, de US$ 300 bilhões anuais até 2035, ficou muito aquém
do US$ 1,3 trilhão estimado como necessário. Resta saber, ainda, se a promessa
será cumprida. A meta anterior, de US$ 100 bilhões por ano, assumida em 2015,
só foi atingida 13 anos depois, segundo a OCDE, uma demora que hoje teria consequências
ainda mais trágicas.
O cenário que se configura para a COP30 é
tortuoso. Não bastassem o legado de poucos avanços nas cúpulas recentes e a
trajetória de aquecimento cada vez mais alarmante, o contexto geopolítico muda
com o retorno de Donald Trump ao poder, em 20 de janeiro. Notório negacionista
climático, o presidente eleito dos Estados Unidos já prometeu retirar mais uma
vez o país do Acordo de Paris e anular políticas ambientais adotadas por seu
antecessor.
Para o Brasil, evitar que a cúpula de Belém
seja um fracasso passa pela adoção de estratégias diplomáticas bem-sucedidas
recentemente. A exemplo do G20 no Rio, o país deve iniciar as negociações o
quanto antes e deixar de protelar a nomeação do presidente da COP30, para
garantir que os países respeitem o compromisso de apresentar Contribuições
Nacionalmente Determinadas (NDCs) mais ambiciosas, capazes de limitar o
aquecimento a 1,5º C, como acordado em Paris. Outra tática a ser replicada é a
de costurar consensos possíveis antes de entrar em temas mais divisivos, o que
por si só pode garantir avanços importantes e ajudar na construção de confiança
entre as partes.
Ainda será preciso que o governo Lula resolva
suas contradições ambientais internas. O Planalto deve decidir se defenderá uma
real transição energética ou se continuará obcecado apenas em explorar o
petróleo da Margem Equatorial. Além disso, o país tem de melhorar o trabalho de
combate a incêndios, que registraram no ano passado a pior marca desde 2010,
segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para não manchar de
fumaça sua pretensão de liderar o esforço climático urgente para conter o aquecimento
global.
Salto do saneamento privado é boa notícia
Folha de S. Paulo
Com novo marco legal e venda da Sabesp, 30%
dos municípios já são atendidos por empresas não estatais, ante 5% até 2020
Completados quatro anos
de vigência do marco do saneamento que abriu o setor para
investimentos privados, vai se consolidando uma profunda transformação que
poderá enfim universalizar o acesso à água tratada e à coleta de esgoto.
Com numerosos leilões e parcerias
público-privadas (PPPs) realizadas, incluindo a privatização da Sabesp no
ano passado, o atendimento
do setor privado já chega a 30% dos municípios, um salto em relação
aos 5% medidos antes da mudança da lei.
No final de 2024, já eram 1.648 municípios
cobertos, ante 291 em 2019. O número deve continuar crescendo neste ano, com a
expectativa de que ao menos 24 projetos sejam oferecidos a investidores, com
atração de R$ 74,6 bilhões em novos aportes.
Segundo estimativas da associação que reúne
as empresas concessionárias privadas, a parcela do mercado atendida pelo
segmento poderá chegar a 50% neste ano, com compromissos de recursos em
infraestrutura multiplicados em relação ao padrão anterior —dominado por
contratos de prefeituras com estatais muitas vezes sem metas ou padrões
técnicos definidos.
Há desafios e riscos, por certo. A regulação ainda
é recente e não testada. As atribuições da Agência Nacional de Águas (ANA)
foram ampliadas para a definição dos requisitos técnicos em nível nacional, mas
há um desafio de coordenação com a miríade de órgãos estaduais e municipais.
Dirimir incertezas quanto à confiabilidade
das regras será essencial para reduzir o custo de capital dos projetos, que em
geral dependem de financiamento de longo prazo, uma dificuldade ainda maior
diante do cenário atual de juros em alta.
Outro tema crítico é o bom funcionamento dos
blocos regionais, criados para abarcar numa mesma concessão municípios de maior
e menor potencial econômico com vistas a assegurar a cobertura plena. É um
processo ainda em evolução que exige atenção tanto do órgão regulador quanto de
governadores e prefeitos.
Também há receio com a concentração
em poucas empresas —apenas quatro dominam 80% da parcela do
mercado já atendida pelo setor privado. Um risco é alguma delas ter problemas
financeiros que comprometam o desenvolvimento dos projetos.
De todo modo, há salvaguardas nas regras de
concessões e PPPs. Além disso, a cobertura de água e esgoto, assim como
distribuição de energia, forma o chamado monopólio natural em cada localidade,
ou seja, a infraestrutura é única por razões econômicas.
Daí que a qualidade regulatória se torna mais
essencial, e neste sentido é inegável que houve evolução nos últimos anos.
Também se espera que o número de participantes cresça nas próximas rodadas de
leilões.
Mesmo com riscos e aprendizado ainda por vir,
o setor passa por transformações promissoras. A realidade estatista anterior,
afinal, negava coleta
de esgoto a 100 milhões de brasileiros.
Mais vigilância para conter os crimes
ambientais
Folha de S. Paulo
Dificuldades para apurar esse tipo de
infração, com baixo indiciamento, e crise do clima exigem ações de prevenção e
fiscalização
Levantamento da Folha revela mais
um dado que contribui para a percepção de impunidade em relação a crimes
ambientais. E, assim como ocorre com qualquer infração, essa percepção estimula
ações ilegais num setor no qual o Brasil se pretende referência global.
Entre 2019 e 2024, apenas 25%
dos inquéritos abertos pela Polícia
Federal para apurar desmatamentos e queimadas produziram
indiciamento —ou seja, alguém foi apontado como responsável pela conduta
criminosa.
Em 1.385 investigações, de um total de 5.406,
foi apontada autoria de ato contra a lei. No caso de desmatamentos, a taxa de
indiciamento é de 26% (1.313 de 5.045 inquéritos); já no de queimadas é menor,
de 19,9% (72 de 361).
Segundo a PF, a taxa para ambas as infrações
é similar à verificada no total de inquéritos sobre todos os crimes
investigados pela instituição (28%). O órgão alega ainda que "crimes
relacionados a incêndios florestais são de maior dificuldade de solução".
De fato, devido a fatores como a localização
remota das áreas atingidas, as ações ilegais na seara ambiental são de difícil
apuração. Mesmo assim, deve-se sempre buscar melhorar a eficiência das
investigações —por exemplo, a partir do uso de tecnologia.
Além disso, e por causa dos desafios impostos
pela natureza do crime, governos precisam incrementar prevenção e fiscalização.
Coibir também é fundamental para evitar a
expansão da devastação, ainda mais considerando os efeitos da mudança
climática.
Com altas temperaturas e seca severa, uma
queimada para abrir pasto pode se transformar rapidamente em incêndio
florestal. Foi o que se viu na amazônia em
2024: dos 169 mil km² impactados, 76 mil km² eram de florestas que no geral não
são atingidas pelo fogo oriundo da agropecuária.
Atividades como o garimpo também
contribuem para a degradação florestal, que resseca a mata e a torna mais
inflamável.
Foi com fiscalização que o desmate na
amazônia caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, em comparação ao
período correspondente anterior; no cerrado,
a queda foi de 25,7%. A mata
atlântica teve redução de 55% de janeiro a junho de 2024 ante o
mesmo intervalo de 2023.
Mas também é preciso lidar com a impunidade
nesse setor. Estima-se que só cerca de
5% das multas aplicadas pelo Ibama sejam pagas. O montante devido ao
órgão chega a R$ 30 bilhões.
Dada a complexidade dos crimes ambientais e
sua conexão com a crise do clima, o poder público brasileiro precisa cada vez
mais punir e vigiar infratores.
PAC nas sombras
O Estado de S. Paulo
A infraestrutura é especialmente suscetível à
malversação de verbas públicas. Os PACs trazem más lembranças, e a opacidade
auferida pela Transparência Internacional, maus augúrios
Sob o céu do Planalto Central, célebre por
seu resplendor e limpidez, as maquinações do poder em Brasília avançam envoltas
em grossas nuvens de fumaça. Congressistas manobram para manter na penumbra o
contrabando de emendas parlamentares a sua clientela espalhada pelo País. Os
ministros do STF multiplicam e perpetuam inquéritos elásticos e secretos. O
governo atual recicla subterfúgios do anterior para impor sigilo a documentos e
sonegar dados solicitados via Lei de Acesso à Informação.
Segundo levantamento da Transparência
Internacional, um dos fetiches lulopetistas ressuscitados nesta gestão, o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está sendo operado igualmente nas
sombras. Pelos critérios de disponibilização de informações do guia de
Infraestrutura Aberta da própria Transparência Internacional, o PAC obteve 8,5
pontos de um total de 100. A organização também mensurou o programa pelos
indicadores do Compêndio de Boas Práticas para Promoção de Transparência e
Integridade em Infraestrutura, um padrão endossado pelo G-20. Só 10% foram
satisfeitos.
O setor de infraestrutura é particularmente
suscetível a riscos de malversação de recursos públicos, improbidade e
corrupção. A esse respeito, os PACs não evocam boas lembranças. Não é só que
fracassaram no seu intento de acelerar o crescimento – por sinal, os
anabolizantes injetados via BNDES contribuíram para precipitar a recessão de
2016. A má governança tornou muitos projetos verdadeiros sumidouros de recursos
públicos e terreno fértil para a corrupção.
Segundo levantamento do Tribunal de Contas da
União do fim de 2023 – à época do lançamento do PAC 3 –, o PAC 1, do segundo
mandato de Lula, só concluiu 9% das ações de infraestrutura previstas. O 2,
lançado pela “mãe do PAC”, Dilma Rousseff, apenas 26%. De 21 mil obras
financiadas com recursos da União, 8,6 mil estavam paralisadas; das 10 maiores,
8 nasceram com o PAC. Em 2021, o Tribunal apontou que “11 mil obras
desapareceram dos bancos de dados”. O maior apagão estatístico foi nos dados do
PAC.
Além do metrô de Caracas, outros elefantes
brancos sob o guarda-chuva do PAC, como a Refinaria Abreu e Lima ou as Usinas
de Belo Monte e Angra 3, se notabilizaram por projetos mal elaborados e mal
executados, gastos ineficientes, paralisações e atrasos – fora os indícios de
superfaturamento e corrupção.
Não surpreende que, segundo levantamento
do Estadão/Broadcast em agosto, dos 11.656 projetos previstos no
relançamento do PAC um ano antes, 5.666 ainda estivessem em “ação
preparatória”. Mas, dada a opacidade que envolve o programa, talvez não seja
uma notícia de todo ruim.
Pelos critérios da Transparência
Internacional, o programa obteve nota zero na disponibilização de informações
sobre as fases de planejamento preliminar, riscos socioambientais e fase
interna de licitação; consultas prévias livres e informações à população
atingida; e elementos específicos para concessões. Na disponibilização de dados
e documentos sobre a fase externa de licitação, a nota foi de 6,25, e nos
contratos das obras, 11,1.
As informações estão pulverizadas em diversos
portais, muitos restritos a entes públicos, e mesmo naqueles que deveriam
centralizar dados, como o PAC Seleções ou o Painel Obras, a sistematização é
precária. Os critérios para seleção de projetos não foram publicados até hoje,
inviabilizando a fiscalização do processo decisório. As informações sobre
investimentos feitos por concessão e parcerias público-privadas também são
obscuras.
O Brasil certamente precisa ampliar sua
infraestrutura. Mas a precondição para garantir que os recursos sejam alocados
com eficiência e integridade é garantir que os órgãos de controle e a sociedade
civil possam monitorar sua execução.
Em agosto de 2023, Lula afirmou que o
lançamento do PAC marcava o começo de seu governo. Se é assim, começou mal, e
avança tropegamente envolto em sombras. Já que o governo insistiu em exumar o
PAC, deveria cuidar de sepultar os riscos que suscitaram um nada edificante
apelido: “Programa de Aceleração da Corrupção”.
A educação básica exige empenho
O Estado de S. Paulo
Prefeitos eleitos e reeleitos de todo o País
iniciam seus mandatos com o dever de tornar a educação uma real prioridade de
suas gestões e acelerar avanços nas etapas de sua responsabilidade
Os 5.568 prefeitos que iniciam seus mandatos
em todo o Brasil – dos quais 2.571 reeleitos em outubro de 2024 – estão
convocados a, nos próximos anos, responder a um desafio urgente: tornar a
educação uma real prioridade de suas gestões, uma condição que vá além dos
meros discursos, e acelerar avanços significativos nas redes municipais de
ensino. A missão requer retomar a curva de conquistas observadas ao longo da
última década e, ao mesmo tempo, aprofundar o que eram melhorias tímidas. Que
os cidadãos não se enganem: no que é atribuição dos municípios (educação
infantil, de forma exclusiva, e ensino fundamental, de maneira compartilhada
com os Estados), conquistas em geral se combinam com retrocessos em muitos
casos, avanços em outros e resignação em quase todos. As muitas falhas na
educação básica exigem pressa e empenho.
Desde 1988, com o novo desenho federativo
promovido pela Constituição, de fato nossa educação avançou na universalização
do acesso ao ensino fundamental, expandiu o número de vagas na educação
infantil e aumentou as taxas de conclusão em todas as etapas. Diferentes
pesquisas, no entanto, não só apontam a perda de força nos últimos quatro anos
– em boa medida porque, em dois deles, escolas de todo o País ficaram fechadas
em razão da pandemia de covid-19 –, como também a consolidação de deficiências
crônicas, sobretudo na qualidade e na idade certa da aprendizagem, na
trajetória adequada entre as séries e no acesso das crianças e dos jovens à
escola, uma exigência da legislação ainda parcialmente cumprida.
Recentemente, a ONG Todos Pela Educação fez
um mapeamento de indicadores, desafios e iniciativas, reunidos no estudo Educação
Já Municípios. Dele se sobressaem números estarrecedores, mesmo em grandes
redes de ensino como as das capitais. Se é verdade que o acesso das crianças e
jovens de 4 a 17 anos avançou nas últimas décadas – saindo de 87,7% em 2001
para 96,7% em 2023 –, também é verdade que, quando observados os números de
forma segmentada por faixa etária, se nota um descompasso gritante. Na
pré-escola, por exemplo, que abrange crianças de 4 e 5 anos, a taxa é de 93,9%.
Para as crianças de 0 a 3 anos, a média de crianças matriculadas em creches é
de modestos 40,1%. O Brasil tinha uma meta de atender 50% das crianças nessa
faixa etária até 2024. Já não era uma meta ambiciosa e, ainda assim, foi em
grande medida descumprida. Sem falar no atendimento desigual: entre os mais
pobres, o índice mal passa dos 30%.
É muito pouco, sobretudo por se saber que as
creches funcionam como o primeiro contato das crianças com o ambiente escolar,
e que a primeira infância é um momento decisivo no estímulo ao desenvolvimento
psicológico, físico e cognitivo, com efeito direto sobre a sua trajetória
futura, e que mesmo índices positivos escondem deficiências de estrutura, de
valorização de professores e de suporte técnico das Secretarias da Educação às
escolas.
São Paulo, a capital mais rica do Estado mais
rico do País, tem 66% de suas crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches.
Supera a média nacional (40%) e a média das capitais (38%). Mas, durante as
eleições, tornou-se célebre o debate sobre a chamada máfia das creches, que
envolveu desvios de recursos públicos por organizações sociais e mantenedoras
de centros de educação infantil e creches que prestam serviços para a
Prefeitura. No ensino fundamental como um todo, também houve queda acima da
média nacional na alfabetização. O prefeito Ricardo Nunes anunciou a intenção
de conceder à iniciativa privada a gestão de escolas municipais – iniciativa
que vem avançando em outras redes, mas que precisa ser conduzida com cautela e
rigor no acompanhamento e na fiscalização, e jamais ser vista como bala de
prata para resolver os problemas que a gestão pública não consegue superar, por
inépcia ou falta de recursos.
Serão, enfim, quatro anos de oportunidade e
responsabilidade – e de imprescindível vigilância da população – para fazer a
diferença na educação. Ou a vida dos estudantes seguirá à mercê das prioridades
de ocasião, e os bons resultados continuarão a ser exceção, e não regra.
A ameaça da dengue
O Estado de S. Paulo
O Brasil tem o desafio, neste verão, de frear
os números recordes de morte e contaminação
Este verão impõe ao Brasil um desafio
perturbador: frear os números recordes de morte e contaminação de dengue que
2024 registrou entre os brasileiros. Não é uma tarefa trivial, considerando que
muitos dos problemas que levaram o País a essa marca prosseguem, sem tendência
significativa de mudança em formação no horizonte. É um assombro, sobretudo
quando se leva em conta o fato de que há pelo menos 40 anos a dengue passou a
fazer parte do calendário nacional, com maior prevalência durante o verão. A
proliferação do mosquito Aedes aegypti, agente causador da dengue, zika,
chikungunya, oropouche e outras arboviroses, aumenta com as chuvas e o calor. A
transmissão também se expande em locais onde as condições sociais e sanitárias
são mais precárias.
Em 2024 isso se repetiu e se aprofundou.
Enfrentamos o calor recorde e as chuvas acima da média, decorrentes em grande
medida das mudanças climáticas, o que gerou as condições para a reprodução e o
aumento dos focos do mosquito transmissor. Assistimos também à circulação
simultânea de quatro sorotipos da dengue, algo que não acontecia havia muitos
anos, além da interiorização da doença, com cidades pequenas e médias
contribuindo para o aumento da curva de casos. O baixo nível de informação da
população para eliminar criadouros foi, como em outros anos, mais um fator
decisivo.
Esses elementos favoreceram o cenário
epidemiológico de 2024, mas não foram os únicos. Houve evidentes falhas por
parte do Ministério da Saúde. Embora não totalmente omisso, como demonstram as
ações para manter estoques adequados de medicamentos contra a doença e os
repasses de recursos para a vigilância sanitária de Estados e municípios entre
2023 e 2024, foi pequeno o número de novos agentes comunitários de endemias
contratados para atuar na linha de frente do combate ao mosquito. Também cortou
de maneira significativa as verbas destinadas à propaganda de alerta à
população.
A conta desses problemas, naturais ou não,
chegou. Em 2024, a doença matou 5.873 brasileiros, número que superou a soma de
óbitos nos oito anos anteriores, considerando as informações do Datasus até
meados de dezembro. Em março, o Painel de Arboviroses do Ministério da Saúde já
registrava o recorde de casos de dengue na história, com 1,89 milhão de casos
prováveis da doença, superando a marca histórica de 2015, quando foi registrado
1,68 milhão. Dias depois, o mesmo painel informava que o Brasil atingia outra
marca: 2 milhões de casos prováveis de dengue, com a confirmação de 682 mortes.
No mês seguinte, nova alta: 3,8 milhões de casos de dengue e 1,7 milhão de
óbitos. Em maio, o Brasil chegou a 5,1 milhões de casos prováveis de dengue,
2.827 mortes e outros 2.712 óbitos sob investigação.
Observando os números, constata-se o avanço
acelerado nos primeiros meses do ano. O governo até anunciou recursos para
Estados e municípios e mais campanhas de mobilização, mas evitou definir metas
de redução de casos e mortes. Ainda que as condições para a proliferação da
dengue permaneçam igualmente favoráveis, resta torcer para que medidas
anunciadas e mais informações sejam suficientes para que o cenário de 2024 não
se repita em 2025.
Cenário propício para o turismo
Correio Braziliense
Os números confirmam o imenso potencial
turístico do país, mas isso não pode ser motivo de acomodação
A temporada de viagens pelo Brasil está
aberta e com expectativas elevadas. Segundo levantamento inédito feito pelo
Ministério do Turismo (MTur) e pela Nexus - Pesquisa e Inteligência de Dados,
mais de 35% da população planeja se deslocar a lazer até fevereiro de 2025. São
59 milhões de pessoas determinadas a aproveitar a estação quente, que começou
em dezembro. Ótima notícia, mas que não significa que o setor e os aspectos ao
seu entorno estejam totalmente estabelecidos.
No período, a estimativa é de injeção de R$
148,3 bilhões na economia nacional, considerando o gasto médio de R$ 2.514
declarado pelos entrevistados. Esse valor representa um aumento de 34% em
relação ao verão anterior, ainda conforme a pesquisa. A vontade de viajar faz
com que as dificuldades, entre elas a precariedade nas estradas, sejam
superadas. Os números apresentados confirmam o imenso potencial turístico
local, mas isso não pode ser motivo de acomodação para os agentes públicos e
privados da área.
A infraestrutura precária é um dos principais
desafios do turismo no país. Dentro desse pacote, uma questão crucial que
precisa de soluções urgentes está relacionada às opções de transporte. Investir
em aeroportos, trens, ônibus e outros modais, além de modernizar o que já
existe, é medida que não pode parar. Também há espaço para avanços na
logística. No caso aéreo, por exemplo, a distribuição dos voos, inúmeras vezes,
encarece e torna o trajeto mais demorado que o necessário. Nos deslocamentos
terrestres, estradas ruins e, principalmente, vidas sob risco em rodovias sem
segurança são problemas crônicos a serem superados.
Além dos obstáculos do caminho, ainda há o
entrave no que diz respeito à baixa qualidade na prestação de alguns serviços.
A profissionalização em determinados segmentos e até mesmo a oferta da rede
hoteleira deixam a desejar em algumas situações. Deficiências que podem ser
corrigidas com programas de treinamento e investimento, mas que necessitam de
iniciativas duradouras e não somente em períodos de alta procura.
Se o cenário é propício, conforme indica o
Mtur, gestores e empresários precisam aproveitar a oportunidade para
transformar o momento em prática constante, ampliando horizontes de quem vive
aqui - e, com isso, ficando também cada vez mais preparados para receber o
público estrangeiro. Mar, rio, cachoeira, floresta, montanha, sertão, cerrado,
planalto, aventura, arte, história, tradição, gastronomia e cultura são
atrativos espalhados por todo o território brasileiro. Com belezas naturais e
atrações que sempre superam as expectativas, motivações não faltam para fazer
as malas.
Incentivar a maior circulação das pessoas por lazer é produtivo para a economia, e os dados das viagens a passeio no país indicam uma fase de quebra de recordes e bons resultados, convergindo para um momento propício de tomada de decisão. Direcionar políticas públicas de maneira assertiva - a partir da melhoria da infraestrutura turística, da qualificação profissional e da promoção dos destinos - é fundamental para o desenvolvimento do setor.
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