Sem mentiras e discurso de ódio
Correio Braziliense
A mentira não pode se sobrepor à democracia nem ser plataforma de opressão, tortura e morte de um povo
Cinquenta e nove anos depois da falência do obscurantismo, uma horda de inconsequentes, movidos a fake news e discursos de ódio, tentaram reeditar o golpe militar, ocorrido em 31 de março de 1964. Invadiram a Esplanada dos Ministérios e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). A abominável ocupação criminosa da área dos Três Poderes ocorreu em 8 de janeiro de 2023, sete dias após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou ao terceiro mandato, e do seu vice, Geraldo Alckmin.
Ontem, em cerimônia para comemorar a vitória da democracia e tornar a data mais um momento de glória para o país, o presidente Lula reuniu ministros de Estado, representantes do Congresso Nacional, do STF e das Forças Armadas. Apesar do evento não ter atraída um grande público, Lula afirmou que "um ato em defesa da democracia brasileira, mesmo que tenha apenas uma pessoa, uma única pessoa, numa praça pública, num palanque, falando em democracia, já é suficiente para a gente acreditar que a democracia vai reinar neste país".
A luta pela democracia é permanente. Nos últimos anos, a ultradireita tenta ampliar seu domínio no planeta, e no Brasil não é diferente. Hoje, 49 dos 193 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) estão sob o comando de ditadores. Um regime que desqualifica e oprime os cidadãos. Para eles, direitos humanos, liberdade de expressão, conquistas socioeconômicas e quaisquer outros avanços civilizatórios são desprezíveis, e a manutenção dessa forma de enxergar o mundo tem como principal canalizador a disseminação de fake news.
Nesse sentido, o retorno de Donald Trump à Casa Branca, no próximo dia 20, causa temores. Primeiro porque, também contaminados por inverdades, apoiadores do republicano protagonizaram a violenta invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e podem ser anistiados. Também pelo recado que o político reeleito tem dado, agora, às nações. Trump comemorou ontem a decisão de Mark Zuckerberg, dono da empresa Meta, que agrega Instagram, Facebook e WhatsApp, de encerrar o programa de checagem da veracidade de publicações e disse acreditar que a mudança "provavelmente" é em consequência das ameaças que fez ao CEO.
Zuckerberg, por sua vez, argumentou que impedir quaisquer publicações seria censura. Por isso, a decisão de "voltar às raízes (...), simplificar políticas e restaurar a liberdade de expressão". No meio das explicações, entendeu-se que houve um recado ao Supremo brasileiro, que, ano passado, impediu a farra de informações inverídicas postadas no X (antigo Twitter), de propriedade de Elon Musk. O bilionário foi anunciado como chefe do Departamento de Eficiência Governamental da nova gestão Trump.
Acertadamente, o ministro Alexandre de Moraes tratou, também ontem, de ressaltar que "as redes sociais não são terra sem lei" e "só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira". Musk, Zuckerberg e outros grandes empresários do ramo precisam entender que o Brasil não é uma republiqueta. Tem leis. A mentira não pode se sobrepor à democracia nem ser plataforma de opressão, tortura, morte ou qualquer outro tipo de crime.
O Globo
Se aplicados no Brasil, fim da checagem de
fatos e redução de filtros serão alvo da Justiça
Em vídeo, Mark
Zuckerberg, presidente da Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp),
anunciou na terça-feira o fim do programa de checagem de fatos e a redução da
ação de filtros que automaticamente retiram certos conteúdos das plataformas
digitais. As medidas valem inicialmente para os Estados Unidos, mas Zuckerberg
declarou que trabalhará com Donald Trump para
enfrentar governos que, na sua visão, perseguem empresas americanas e
pressionam por censura. Em sua declaração, o criador do Facebook mencionou a
Europa e a América Latina, onde leis proíbem a proliferação de discursos de
ódio e têm definições de liberdade de expressão distintas. No conteúdo e na
forma, as palavras de Zuckerberg são uma desgraça. O plano de impor aspectos da
legislação americana a países democráticos e o tom de confronto não têm lugar
no mundo civilizado.
Caso confirme a intenção de contrariar leis no Brasil, a Justiça será obrigada a repetir o tratamento dado a Elon Musk. Diante do cenário que se avizinha, também seria salutar o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizar o julgamento da responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados por usuários. O artigo 19 do Marco Civil da Internet prevê punição somente nos casos em que as big techs recebem notificação judicial determinando remoção e não a cumprem. Passados dez anos de experiência, é evidente que tal regra fere direitos fundamentais dos brasileiros. Quando quem tem acesso à Justiça consegue uma ordem judicial, o estrago está feito. A maioria não tem nem como mostrar contrariedade.
Numa outra frente, a defesa do ordenamento
jurídico brasileiro precisa se dar no plano das ideias. É oportunista e
problemático o discurso de Zuckerberg. O fim da checagem e a flexibilização dos
filtros são notícias muito boas para os negócios da Meta, por aumentarem
engajamento e receitas. O alinhamento com Trump garante imunidade contra
pressões da Casa Branca de todo tipo. A desculpa de que era preciso acabar com
as checagens porque estavam sendo feitas com vieses é obtusa. Por que não
melhorar o processo? Mais bizarro é o imperialismo explícito na ameaça de impor
o entendimento americano de liberdade de expressão. Por questões históricas,
países têm conceitos diferentes. Na Alemanha, a legislação proíbe o uso da
suástica nazista e o discurso antissemita. As leis brasileiras não permitem
ataques ao Estado Democrático de Direito. É uma falácia dizer que faz censura
quem não adota a interpretação americana.
Por interesse ou ignorância, expoentes do
Vale do Silício têm uma visão equivocada da História da informação. Para eles,
a impressão com tipos móveis se disseminou pela Europa, proporcionando a maior
circulação de ideias, e, dois séculos depois, aconteceu a Revolução Industrial.
Como lembra Yuval Harari, nesse período o continente europeu foi infestado de
mentiras e teses conspiratórias que incentivaram as piores guerras religiosas e
caças às bruxas. Não faltam exemplos na atualidade para reforçar a necessidade
de regulação das redes sociais. O Facebook é acusado de ter contribuído para a
morte de milhares em Mianmar ao ter permitido a disseminação de desinformação
contra uma minoria. Diante do que está em jogo, as instituições no Brasil
precisam ficar atentas aos próximos passos de Zuckerberg. Com serenidade, mas
também com firmeza.
Demanda por alistamento feminino é medida do
acerto da iniciativa
O Globo
Com inovação, Forças Armadas pretendem
aumentar efetivo de mulheres acima dos atuais 10%
Em menos de três dias, 7 mil mulheres que
completam 18 anos em 2025 se inscreveram para concorrer a uma das 1.465 vagas
como marinheiro-recruta da Marinha, soldado do Exército ou da Aeronáutica
disponíveis em 13 estados e no Distrito Federal. A demanda inicial para o
primeiro alistamento militar feminino dá a medida do acerto da iniciativa. A
procura deve se manter aquecida até 30 de junho, quando se esgota o prazo para
interessadas participarem do processo de seleção. A decisão de iniciar o
serviço militar voluntário de 12 meses, que pode ser prorrogado por até oito
anos, foi oficializada em agosto e marca uma nova etapa na inserção feminina.
As mulheres fazem parte das Forças
Armadas desde o século passado, mas nas escolas que preparam
oficiais e praças.
A meta do Ministério da Defesa é elevar
progressivamente o número de recrutadas até atingir 20% das vagas de
alistamento. Dessa forma aumentará a fatia de mulheres no efetivo das três
Forças, atualmente em torno de 10%.
No caso do Brasil, a atração das jovens tem
um componente qualitativo. Nas diferentes etapas do ensino, as mulheres são
academicamente melhores que os homens. Desde o fundamental, as meninas
registram taxas menores de evasão e repetência. Na faixa entre 18 e 24 anos, o
percentual de mulheres que estudam é maior. Entre a população com 25 anos ou
mais, a proporção de mulheres com nível superior completo é de 21,3%, 4,5
pontos percentuais à frente dos homens. Seria contraproducente o país não
explorar todo esse talento.
A presença feminina crescente é uma realidade
nos Estados Unidos e países europeus. Nas Forças Armadas americanas, as
mulheres são 17,7% do total. Desde o governo de Barack Obama, podem ocupar
todas as posições. Pilotam aviões, dirigem veículos de combate e trabalham como
mecânicas. A França vem logo atrás, com 16,6%. Entre os países da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o retardatário é a Turquia, onde não
chega a 1%.
O processo de emancipação feminina ganhou
ímpeto no século passado, e a abertura das Forças Armadas foi uma entre várias
conquistas. No Canadá e na Suécia, a integração aconteceu no final da década de
1980. À medida que a participação aumentava, ficou evidente a contribuição em
conflitos armados e também em missões de paz. O conjunto de pesquisas sobre a
eficácia operacional em todos os cenários de combate ainda é inconclusivo. Um
estudo feito nos Estados Unidos mostra que grupos integrados apenas por homens
tiveram desempenho acima de times mistos na maioria das tarefas numa simulação
do que acontece numa linha de frente de um conflito. Pete Hegseth, secretário
de Defesa apontado por Donald Trump que passará por sabatina no Senado na
próxima semana, defende retirar as mulheres das operações de combate. Esse é um
dos debates que devem se intensificar depois da posse do novo governo
americano.
Meta se rende a Trump para barrar regulação
das redes
Valor Econômico
Ainda que as novas regras de moderação de conteúdo sejam inicialmente restritas aos EUA, Mark Zuckerberg pretende travar uma batalha global pela desregulamentação e bajula Trump para tê-lo como aliado
O combate à desinformação sofreu o mais duro
golpe desde que se tornou um dos principais problemas globais dos últimos anos.
A Meta se rendeu a Donald Trump ao anunciar uma guinada radical na moderação de
conteúdo de Facebook, Instagram e Threads, em uma nova ameaça ao já deteriorado
ambiente informacional global. A submissão de Mark Zuckerberg, porém, vai muito
além de um simples movimento oportunista. Estão em jogo os projetos de
regulamentação das plataformas digitais em vários países, entre eles o Brasil,
uma batalha na qual a empresa quer ter o novo presidente dos Estados Unidos
como um aliado.
O fundador da Meta deixou claro, no vídeo
publicado para revelar o enfraquecimento das regras, o que deseja em troca de
aderir ao clube de bilionários tecnolibertários liderado por Elon Musk para
bajular o futuro inquilino da Casa Branca. “Trabalharemos com o presidente
Trump para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas
americanas e pressionando por mais censura”, diz Zuckerberg, se apropriando da
falsa retórica da extrema direita, em um trecho do anúncio. Em outro, acrescenta
que o único caminho para reverter a “tendência mundial” contra a suposta
liberdade de expressão defendida por ele é com “o apoio do governo americano”.
O reposicionamento da empresa diante do
retorno do trumpismo ao poder vem com a eliminação de um programa de checagem
independente de fatos que havia sido implementado em 2016. Era uma resposta de
Zuckerberg após o Facebook ter se tornado um dos pivôs do escândalo da
Cambridge Analytica. Na ocasião, a rede social foi acusada de permitir que a
companhia britânica usasse a base de usuários da plataforma para espalhar
notícias falsas nas eleições americanas daquele ano e favorecer Trump.
Quem agora passa a ser responsável pela
moderação de conteúdos publicados nas plataformas da Meta são os próprios
usuários, um modelo semelhante ao adotado por Musk na transformação do antigo
Twitter em X. Embora o modelo de checagem de fatos da empresa estivesse longe
da perfeição, a adoção de diretrizes mais flexíveis abrirá as portas para uma
nova onda de desinformação. Não resta dúvida de que deixar nas mãos dos
usuários a tarefa de acrescentar informações, contexto ou corrigir postagens
falsas e enganosas é um retrocesso gravíssimo, como alertam especialistas e já
se pode observar no X.
Com um Trump que volta ao poder sem as
amarras que impediram no primeiro mandato a adoção de medidas mais agressivas,
Zuckerberg, Musk e outros bilionários do Vale do Silício, que se uniram em
torno do presidente eleito em busca de benesses do governo para suas empresas,
se veem mais perto do que avaliam ser o mundo ideal para este tipo de
plataforma digital: ter um sistema automatizado de moderação de conteúdo, a
custo zero ou baixíssimo graças ao trabalho não remunerado de voluntários, e
que isente as empresas de responsabilidade pelo que é publicado.
Ainda que as novas regras sejam inicialmente
restritas aos EUA, Zuckerberg antecipou que pretende travar uma batalha global
pela desregulamentação das redes. Os inimigos, inclusive, já foram escolhidos.
A Europa, que, segundo ele, “tem um número cada vez maior de leis
institucionalizando a censura”, e os países latino-americanos, que teriam
“tribunais secretos que podem ordenar que as empresas removam conteúdos de
forma silenciosa”, uma referência nada sutil à correta atuação do Supremo
Tribunal Federal (STF) contra a circulação de desinformação nas plataformas no
Brasil e o descumprimento da legislação nacional, como no caso que culminou na
suspensão do X no país.
As declarações de Zuckerberg tornam ainda
mais urgente a retomada dos debates sobre a regulação das plataformas no
Brasil. Apesar da importância do tema, é pouco provável que projetos que
ampliem as obrigações e os deveres das empresas consigam avançar no Congresso
Nacional. Mesmo antes da mudança de postura da Meta, o lobby das big techs já
se mostrava eficaz em cooptar políticos bolsonaristas para barrar a tramitação
de medidas contrárias a seus interesses - como o PL das Redes Sociais -, uma
tendência que deve se intensificar com o apoio de Trump à desregulamentação.
O STF precisa agir, especialmente diante da
disposição mostrada por Zuckerberg de desafiar países que avancem na direção
correta de regulação das plataformas. Um primeiro passo nesse sentido é retomar
o julgamento o Marco Civil da Internet, suspenso após pedido de vista pelo
ministro André Mendonça em dezembro do ano passado.
O artigo 19 da lei, um salvo-conduto que já
se mostrou inadequado à dinâmica informacional imposta pela nova realidade
tecnológica, deve ser declarado inconstitucional - opção já defendida por dois
dos ministros do STF em seus votos. Em seu lugar, o país deve adotar um sistema
de “notice and take down”, implementado com sucesso na Europa, em que as
empresas passam a ter responsabilidade sobre determinado conteúdo a partir do
momento em que sejam notificadas pelos atingidos e não após a decisão de um juiz.
Problema do governo Lula não é a comunicação
Folha de S. Paulo
Planalto traz marqueteiro para o 1º escalão,
mas faria melhor em mirar eficiência gerencial e maior sustentação no Congresso
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
começou o que pode vir a ser uma reforma ministerial pela área da
comunicação. Paulo Pimenta,
um político petista, deixa a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom)
e quem assume o
posto é o marqueteiro Sidônio Palmeira.
Por trás da troca está
a tese disseminada em gabinetes de Brasília segundo a
qual o governo se comunica mal —um lugar-comum do exercício do
poder que raramente se pode sustentar.
Em geral cercados por auxiliares pouco
dispostos a contrariar o chefe, governantes sempre tendem a acreditar que estão
fazendo um bom trabalho, preferindo os fatos e números favoráveis e deixando de
lado os demais.
Se a avaliação popular não acompanha o juízo
que o mandatário faz de si mesmo, uma reação frequente é concluir que o governo
falha em divulgar suas realizações —não em gerir o país.
No caso de Lula, chama a atenção que o
desempenho da economia e
do emprego nos
últimos dois anos, melhor do que o esperado pelos analistas, não se traduza em
índices mais robustos de popularidade. Isso não é tão paradoxal assim, porém.
O eleitorado costuma avaliar governos a
partir de uma combinação subjetiva de percepções e expectativas, na qual o
bem-estar material sem dúvida tem grande peso. Mas bons números no PIB e no
mercado de trabalho nem sempre se refletem na vivência cotidiana de todos, ou
podem ser ofuscados por dissabores como a alta da inflação, fora inúmeros
fatores não econômicos.
Um bom marqueteiro até pode conseguir,
momentaneamente, valorizar as boas notícias e suavizar as más, mas não se deve
esperar que seja capaz de mudar substancialmente a opinião pública.
Os índices de popularidade do governo Lula
pouco mudaram desde o início de seu terceiro mandato. Segundo o Datafolha,
ele tem hoje 35%
de aprovação e 34% de reprovação; em seu o melhor momento, foi
considerado ótimo ou bom por 38%.
A avaliação, portanto, não sofreu grande
impacto de indicadores econômicos favoráveis. Isso deve tirar o sono do
presidente da República e de seus aliados, já que, daqui para a frente, o
cenário deverá ser menos benigno.
A alta do dólar e dos juros, para a qual o
petista contribuiu, projeta maior risco inflacionário e um crescimento
econômico menor. Enfrentar o desajuste orçamentário, que está na raiz da
turbulência financeira, exige providências que contrariam a base petista.
A conjuntura internacional também piorou
substancialmente. Dentro de
alguns dias haverá a posse de Donald Trump nos
EUA, cercada por temores de tarifas de importação e juros mais altos.
Ainda pelo Datafolha, 61% dos
brasileiros consideram que a economia está no rumo errado —má
notícia para um governo que ainda não firmou marcas em outros setores. Uma
reforma ministerial faria melhor, nesse contexto, em mirar eficiência gerencial
e maior sustentação no Congresso.
Data venia, meritíssimos
Folha de S. Paulo
Com linguagem empolada, Judiciário começa a
adotar saudável didatismo; democratização, contudo, vai além do fim do
juridiquês
Heranças do sistema lusitano, forjado sob
profunda influência do direito romano-canônico, o demasiado formalismo e a
linguagem empolada do Judiciário brasileiro começam a dar sinais de que podem
rumar ao passado.
A exemplo de países mais desenvolvidos, que
há tempos buscam tornar os meandros jurídicos mais palatáveis aos não iniciados
no direito, o Brasil tem dado
passos assertivos nesse sentido.
Recentemente completou-se
um ano da criação do Pacto do
Judiciário pela Linguagem Simples, iniciativa do Conselho Nacional
de Justiça que já conta com a adesão da maioria dos tribunais do país —as
exceções mais notáveis são o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal
Federal, este não subordinado ao CNJ.
Um desses esforços é a criação de um modelo padrão para as ementas: o resumo do que foi decidido
nas cortes deve preconizar uma estrutura objetiva que facilite a compreensão
tanto da comunidade jurídica e das partes como da população em geral.
Difundir versões sintéticas, menos
rebuscadas, é imperioso para que o cidadão comum tome conhecimento dos impactos
de determinada decisão em seu cotidiano, além de servir de estímulo para que
busque seus direitos.
Mas não só. Para fins mais triviais, como a
convocação de mesários por parte da Justiça
Eleitoral dos estados para trabalhar nas eleições, o formato
agilizou consideravelmente esse processo.
O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, por
exemplo, abdicou de texto labiríntico e floreios forenses para ir direto ao
ponto, com diretrizes claras e distribuídas em tópicos. Resultado: houve queda
significativa no número de dúvidas, o que imprimiu celeridade na formação das
turmas.
Há que ir além, sem dúvida. O
famigerado juridiquês não
se resolve somente com mudanças de vocabulário. Especialistas reforçam a
importância da padronização dos métodos nos tribunais (o que ainda não se vê),
hierarquização e estruturação de frases e parágrafos e, sobretudo, organização
visual que favoreça a absorção das informações.
Nas palavras do ministro Luís Roberto
Barroso, presidente do STF e do
CNJ, a linguagem não pode ser instrumento de poder que "exclui do debate
quem não tem aquela chave do conhecimento".
Jargões são inerentes a qualquer profissão, e é desejável que termos técnicos sejam levados à risca pelos operadores do direito. Entretanto a real democratização do sistema de justiça, ainda restrita a parcela diminuta dos brasileiros, começará com a difusão plena de seus preceitos.
Zuckerberg lava as mãos
O Estado de S. Paulo
Dono da Meta se alinha a Trump ao derrubar a
checagem profissional de postagens nas suas redes, mas o fato é que a mediação
excessiva nesse ambiente é ruim para a democracia
O dono da Meta, Mark Zuckerberg, informou que
as postagens nas redes sociais que sua empresa administra não serão mais
submetidas ao serviço de checagem de fatos. Ou seja, a veracidade do que ali
circula passará a ser atestada apenas pelos usuários – um sistema semelhante ao
adotado por um dos concorrentes da Meta, o X, de Elon Musk. Embora tenha
embalado sua decisão num discurso de defesa da liberdade de expressão,
Zuckerberg obviamente foi movido apenas pelos interesses comerciais de sua
companhia: ao reorganizar seu serviço de modo a afrouxar os controles e ampliar
o espaço para postagens políticas controversas, o empresário explicitamente se
alinha ao futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que critica de
modo feroz a moderação nas redes sociais. E Zuckerberg deixou claro que, em
troca, gostaria que o novo governo americano defendesse seus interesses em
países que articulam limites e regras mais duras para as redes sociais e para
as “big techs” que as gerenciam.
Dito isso, a decisão de Zuckerberg não muda
rigorosamente nada no universo das redes sociais. Seu único valor é provar que
a mediação do real nesse ambiente é simplesmente impossível, por mais
formidável que seja a estrutura de checagem de fatos, como era o caso da Meta.
E talvez seja o caso de dizer que Zuckerberg
está certo ao sugerir que a mediação excessiva nas redes sociais tem o
potencial de estigmatizar ou até criminalizar todo tipo de discurso vagamente
político. Se é de democracia que estamos falando, então é preciso haver mais, e
não menos, vozes e informações circulando, sejam falsas ou verdadeiras,
agradáveis ou repulsivas. A democracia é feita de cacofonia. Se todos pensam do
mesmo modo ou interpretam o mundo da mesma maneira, é porque estamos num regime
totalitário.
Aliás, a despeito desse trabalho de
verificação da autenticidade das publicações, ninguém jamais esteve impedido de
mentir nas plataformas de Zuckerberg. As postagens mentirosas, no máximo,
recebiam uma sinalização negativa, o que limitava seu alcance, mas não eram
excluídas. Portanto, não se pode falar em censura, como fez Zuckerberg,
afinadíssimo com Trump.
Lamentavelmente, os arroubos retóricos de
Zuckerberg, bem ao estilo dos novos tempos em Washington, desviam a atenção do
que realmente importa nesse caso. Se por um lado há evidente interesse do
empresário de travestir de cruzada pela liberdade de expressão o que não passa
de estratégia de defesa de seus negócios nos muitos processos que enfrenta
mundo afora, inclusive nos Estados Unidos, por outro lado o caso todo enseja um
debate crucial sobre a liberdade e a responsabilidade.
Esse debate está torto no Brasil. O Supremo
Tribunal Federal, por exemplo, caminha para instituir a censura nas redes
sociais, caso realmente venha a anular o artigo do Marco Civil da Internet que
determina a exclusão de conteúdos nas redes somente depois de ordem judicial.
Tudo isso movido pela percepção de que a desinformação é o veneno da
democracia.
De fato, a democracia depende de um acordo
mínimo na sociedade sobre os fatos, a partir dos quais as decisões políticas
serão tomadas. Se não há acordo, por exemplo, sobre a lisura das urnas
eletrônicas, malgrado não haver um fiapo de prova de que sejam violáveis, então
nenhum resultado eleitoral será aceito. A questão, aqui, é que essa
desinformação não pode ser combatida com censura, e sim com mais informação. E
o fato de que os resultados de todas as eleições desde a implantação das urnas
eletrônicas foram aceitos pela maioria absoluta da população e dos candidatos
derrotados mostra que a boa informação superou a má informação, sem que
houvesse nenhuma necessidade de impor censura.
Sempre vai haver quem invente bobagens sobre
todos os assuntos, e a internet e suas redes sociais ampliaram de modo
formidável a capacidade de disseminar essas bobagens. O antídoto contra isso
não é a limitação da circulação de desinformação, e sim a informação de
qualidade, apurada e editada pela imprensa segundo padrões éticos e
profissionais. No limite, a decisão de Zuckerberg, ao confirmar o caráter
anárquico e irresponsável das redes sociais, acabou por reafirmar o valor do
jornalismo de qualidade.
Lula e o ministro marqueteiro
O Estado de S. Paulo
Petista perde o que restava de pudor e nomeia
seu marqueteiro para tocar a Secretaria de Comunicação, transformada de vez em
braço publicitário de sua campanha à reeleição
Acabou o pudor. O presidente Lula da Silva
acaba de nomear o marqueteiro de sua campanha eleitoral de 2022, Sidônio
Palmeira, como ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom). O demiurgo
petista decidiu parar de fingir que respeita os limites institucionais da
Presidência e resolveu converter a Secom de vez em braço publicitário de sua
campanha à reeleição.
A bem da verdade, a Secom, quando estava aos
cuidados do petista Paulo Pimenta, já fazia esse trabalho. Em vez de se dedicar
a “formular e implementar a política de comunicação e divulgação social do
Poder Executivo federal”, como diz o texto legal que rege o trabalho da Secom,
Pimenta usava a estrutura estatal para reverberar os discursos palanqueiros de
Lula e do PT.
Portanto, Pimenta foi demitido apenas por
incompetência. Na avaliação de Lula, ao que tudo indica, seu agora ex-ministro
não fez o suficiente para convencer a opinião pública de que o governo é tão
fabuloso quanto os petistas acham que é e que deve ser reconduzido na eleição
de 2026.
Pimenta estava de aviso prévio desde que Lula
afirmou, em dezembro, que havia um erro na comunicação do governo e que faria
as “correções necessárias para que a gente não reclame que não estamos nos
comunicando bem”. Muito antes, porém, o marqueteiro Sidônio Palmeira já estava
dando seus palpites, e de certa forma participou de alguns dos maiores
desastres recentes de comunicação do governo.
Sidônio, por exemplo, esteve presente na
elaboração do ruinoso pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
em novembro passado – aquele que deveria demonstrar o compromisso do governo
com o equilíbrio fiscal, mas que acabou servindo para comprovar a vocação
demagógica de Lula ao incluir a promessa de ampliação da isenção de Imposto de
Renda. Em entrevista recente à GloboNews, o próprio Haddad reconheceu que ali
houve um “problema grave na comunicação”. Segundo ele, “misturar Imposto de
Renda (com pacote fiscal) foi um problema”. O ministro não disse, mas todos
sabem que o tal “problema” não apareceu por abiogênese: foi criado pelo próprio
Lula e por seu marqueteiro.
Além disso, Sidônio pessoalmente dirigiu o
pitoresco vídeo em que Lula apresenta o futuro presidente do Banco Central,
Gabriel Galípolo, e garante que não vai interferir na gestão do rapaz. É o tipo
da mensagem que não deveria nem ter sido produzida, porque a autonomia do Banco
Central não é um favor do presidente, e sim uma determinação legal.
Ou seja, Sidônio já vem mostrando seu
serviço, e a comunicação do governo continua trôpega. A razão disso é muito
simples: nem Pimenta nem Sidônio são mágicos ou fazem milagres. É muito difícil
convencer os brasileiros de que o governo Lula, errático e demagógico, é melhor
do que as aparências sugerem.
Tudo se complica ainda mais diante da
loquacidade de Lula. A lista de gafes e barbaridades cometidas pelo petista é
extensa. Algumas são apenas constrangedoras, como quando Lula disse que a
democracia é um conceito relativo, ao defender o ditador-companheiro Nicolás
Maduro, ou quando comparou a ação israelense em Gaza ao Holocausto. Outras,
porém, resultaram em maior prejuízo ao País, como os ataques apopléticos de
Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que indicaram seu
ardente desejo de interferir na política monetária.
Sidônio não tem nenhuma experiência de
governo nem de comunicação pública, mas nada disso é necessário quando o
objetivo é ajudar Lula a se reeleger. Sidônio já disse que a ideia é investir
nas redes sociais, território em que a oposição a Lula costuma prosperar, e
declarou que o problema de comunicação do governo não se resume à Secretaria de
Comunicação, e sim a todos os Ministérios. Ou seja, o marqueteiro quer ordem
unida: o esforço eleitoral deve ser conjunto e coordenado. Afinal, a campanha,
para Lula, já começou faz tempo – a rigor, desde que ele tomou posse.
O verão da gastroenterite
O Estado de S. Paulo
Surto de virose no litoral paulista mostra
despreparo público para lidar com a alta temporada
O verão de 2025 já é inesquecível para
aqueles que decidiram viajar ao litoral paulista, e não pela combinação de
praia, sol e diversão. Um elevado volume de casos de gastroenterite, que
superlotou os hospitais da região, tornou-se o símbolo desta alta temporada.
Investiga-se também se a morte de uma mulher do interior paulista que
apresentou sintomas de virose após visitar o litoral está relacionada ao surto
de gastroenterite.
Embora ainda não se saiba com certeza o que
exatamente levou ao aumento expressivo de casos, boletins da Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) mostram que a qualidade das águas do
litoral paulista deixa muito a desejar; no relatório de 2 de janeiro, 38 praias
foram consideradas impróprias para banho, condição na qual se enquadram praias
com mais de 100 colônias de bactérias para cada 100 milímetros de água.
Sem surpresa, praias como a da Enseada, no
Guarujá, e várias outras em Santos e na Praia Grande figuram na lista. Nessas
cidades, a procura por atendimento médico por pessoas com sintomas como enjoo,
febre e diarreia gerou movimentação bastante acima do normal para o período em
Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e farmácias do litoral. Levantamento da
Rádio CBN com as Secretarias de Saúde da Baixada Santista contabilizou mais de
8,5 mil casos de gastroenterite na região desde as festas de fim de ano.
A prefeitura do Guarujá notificou a Sabesp
para averiguar o potencial despejo irregular de esgoto na Praia da Enseada, um
dos epicentros do surto de virose. A Sabesp, por sua vez, confirmou a
ocorrência de um vazamento no dia 2, mas negou que isso esteja relacionado aos
casos de gastroenterite, uma vez que eles já vinham sendo registrados bem antes
do dia 2.
Por ora, a triste saga do verão 2025 no
litoral serviu apenas para unir esquerda e direita na cobrança por explicações.
Tanto a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) quanto o deputado estadual
Tenente Coimbra (PL-SP) enviaram ofícios para a Secretaria Estadual de Meio
Ambiente.
Enquanto aguardam-se explicações, resta
evidente que a região não se preparou para a alta temporada. Uma das
justificativas para o surto seria o fato de que a população desses municípios
aumentou em virtude das festas de fim de ano e do período de férias.
Ora, todos os anos as cidades litorâneas
recebem grande fluxo de visitantes nesta época, razão pela qual já deveriam
estar preparadas para lidar com isso, posto que turistas são importante fonte
de renda para tais municípios.
Outra possibilidade aventada para o surto
seria o consumo de produtos de procedência potencialmente duvidosa nas praias.
Mais uma vez, trata-se de desculpa esfarrapada, pois cabe ao poder público
local fiscalizar e garantir que a venda desses produtos esteja minimamente de
acordo com padrões sanitários.
Seja qual for o motivo, o surto de
gastroenterite sinaliza um inaceitável despreparo no Estado mais rico do País
para garantir que seus cidadãos, em pleno século 21, não mergulhem no século 19
ao tomarem banho de mar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.