quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Na visão sobre o BC, Lula e Trump são almas gêmeas

O Globo

Ambos atrapalham combate à inflação ao dar declarações criticando política de juros

Por motivos distintos, o mercado aguardou com ansiedade o anúncio da taxa de juros no Brasil e nos Estados Unidos. Aqui, Gabriel Galípolo comandou a primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) como presidente do Banco Central (BC) desde que foi indicado para o cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela confirmou o que era esperado desde dezembro: a Selic subiu 1 ponto, para 13,25% ao ano. Nos Estados Unidos, o Fed fez o primeiro anúncio depois da posse de Donald Trump. Também como esperado, interrompeu a série de cortes consecutivos que promovera desde setembro – e manteve os juros em 4,5%.

Outro aumento da Selic da mesma magnitude está previsto para março. É uma medida indesejada, mas necessária diante da escalada da inflação. Com a maioria dos diretores do BC escolhidos pelo PT, Lula não deverá mais abusar da demagogia, como fazia com o ex-chefe do BC, Roberto Campos Neto, transformado pelos petistas em bode expiatório para as mazelas econômicas. Mas o governo precisa fazer muito mais para ajudar no controle da inflação.

Mesmo que Lula seja mais contido nas críticas ao BC, pode atrapalhar — e muito. Desde que ele assumiu, o governo tem apostado no gasto público para aquecer a economia. A política fiscal expansionista e insustentável é uma das causas da alta de preços. Desde outubro, a inflação tem ficado acima do teto da meta, de 4,5%. Uma das dúvidas é como Lula reagirá quando a economia começar a desacelerar diante do choque de juros. Reconhecerá a urgência de tirar o pé do acelerador para controlar a inflação ou, por motivações políticas de curto prazo, continuará ignorando a necessidade de corte de gastos?

O cenário internacional não lhe dará tranquilidade. A decisão do Fed aumentou a tensão. A exemplo de Lula, Trump tem feito pressão descabida sobre a autoridade monetária. Na semana passada, declarou no Salão Oval saber de juros “muito melhor” que os diretores do Fed. Em pronunciamento no Fórum Econômico Mundial, avisou que “exigiria redução imediata”, porque, segundo ele, sua política de incentivo à produção de combustíveis fósseis diminuiria a pressão inflacionária.

Pelo histórico, são grandes as chances de Trump continuar atacando o presidente do Fed, Jay Powell, e criando dificuldades. É remotíssimo o risco de intervenção do Executivo na autoridade monetária, pois as instituições como o banco central são sólidas nos Estados Unidos. Mas ataques infundados abalam a credibilidade da política de juros, como se viu no Brasil nos últimos dois anos. No caso de Trump, o mais preocupante são as promessas de campanha. Aumentar tarifas de importação faz os preços ao consumidor subirem. Se começar a faltar mão de obra devido às deportações, a pressão inflacionária se fará sentir nos salários mais altos necessários para atrair trabalhadores legais. A confirmação do plano de baixar drasticamente os impostos aquecerá a economia num momento em que a inflação continua acima da meta de 2%.

Lula se gaba de ter uma visão de mundo distinta de Trump. No que diz respeito à visão distorcida sobre o funcionamento da economia e da autoridade monetária, porém, os dois parecem almas gêmeas.

Motoristas sob efeito de drogas levam risco a estradas, apesar do rigor da lei

O Globo

Exame toxicológico deveria ter sido submetido a teste científico para avaliar sua eficácia como dissuasivo

Na madrugada de 21 de dezembro, um acidente envolvendo uma carreta que transportava granito, um ônibus e um carro na BR-116, em Teófilo Otoni (MG), deixou 39 mortos, todos passageiros do coletivo. Investigações preliminares sugerem que a carreta trafegava com carga excessiva, em alta velocidade e que havia problemas na amarração das pedras (um bloco se soltou e caiu na pista). Foi o acidente mais letal em rodovias federais desde 2008, segundo a Polícia Rodoviária Federal.

Na semana passada, o motorista da carreta, Arilton Bastos Alves, foi preso. Exames constataram que ele usara álcool, cocaína, ecstasy e outras drogas. O juiz Danilo de Mello Ferraz, que determinou a prisão, disse não se tratar apenas de descuido, mas de risco deliberado. O exame toxicológico foi feito dois dias após o acidente.

O uso de drogas por caminhoneiros não é novidade. Muitos costumam tomá-las para se manter acordados durante as longas e exaustivas jornadas, aumentando o risco de acidentes. As circunstâncias da colisão em Minas expõem as deficiências na fiscalização das polícias rodoviárias. Inspeções são feitas por amostragem, mas o desrespeito às normas de trânsito mais básicas sugere que o infrator considera remota a chance de ser pego. Ou não se arriscaria em longas viagens.

Em 2020, o Congresso aprovou uma lei determinando que motoristas de veículos de carga, de ônibus, além de habilitados nas categorias C, D e E, são obrigados a fazer exames toxicológicos a cada dois anos e meio. O não cumprimento da norma é considerado infração gravíssima e acarreta multa de até RS 1.467,35. A proposta tinha boas intenções, mas, na prática, seu efeito tem se revelado incerto. Dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) analisados pelo programa SOS Estradas mostram que o exame está vencido para cerca de 1,5 milhão de motoristas, num universo de 11,5 milhões.

Não está claro se a mera exigência de prazo mais curto para o exame toxicológico é suficiente para dissuadir motoristas imprudentes e reduzir os riscos nas estradas. Ou se apenas configura mais um entrave burocrático, que interessa aos laboratórios que vendem o exame, às clínicas que o realizam e ao governo, que cobra multas pesadas sob o pretexto de zelar pela segurança do trânsito.

Políticas públicas, para funcionar, devem ser acompanhadas e submetidas a análises científicas regulares, algo raríssimo no Brasil — e não apenas na área de trânsito. A economia comportamental dispõe de métodos avançados para avaliar incentivos. Evidentemente, é fundamental aperfeiçoar a fiscalização nas estradas e testar os motoristas com mais frequência, de modo a criar maior chance de flagrante para os infratores. A exigência do exame toxicológico, como toda política pública, precisa de acompanhamento e comprovação de eficácia. Por enquanto, a única certeza é que, apesar da exigência mais rígida, motoristas sob o perigoso efeito de álcool e drogas continuam a pôr em risco a própria vida e a de quem trafega pelas estradas.

Saída dos EUA da OMS deixa ônus para o resto do mundo

Valor Econômico

Não só o poder financeiro dos EUA fará falta na OMS, mas também o apoio técnico e científico de seus pesquisadores

Não foi uma surpresa a decisão do presidente Donald Trump de assinar a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), na enxurrada de medidas polêmicas nas primeiras horas do seu novo governo. Trump havia feito isso no mandato anterior, em julho de 2020, quando os Estados Unidos já viam aumentar os casos de covid-19, que levaram à morte um total estimado em 1 milhão de americanos. A medida teria efeito em 2021, mas a saída não foi concretizada. O democrata Joe Biden assumiu a Presidência e revogou a determinação.

Na campanha de 2024, Trump não só disse que retiraria seu país da OMS como nomeou o negacionista Robert F. Kennedy Jr. para comandar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos do país (HHS), o equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil. Kennedy Jr. é conhecido pelas posições antivacina e por sua insistência em suspender a aplicação de flúor na água canalizada nas cidades americanas.

Agora, voltou a reclamar da influência política da China e de que a contribuição anual do país asiático fica ao redor de US$ 100 milhões, um quinto da feita pelos EUA. Queixou-se também da má administração da OMS da pandemia de covid-19 e de outras crises globais de saúde.

Algumas críticas de Trump têm fundamento, como o fato de a OMS ter hesitado em responsabilizar a China pela expansão do surto. E não se descarta que o gosto de Trump pelas barganhas leve os EUA de volta à OMS, como ele mesmo cogitou caso o valor da contribuição americana seja reduzido.

Pelas regras da OMS, a saída da organização só implicaria a suspensão das contribuições um ano depois. Mas Trump estabeleceu que fosse imediata a interrupção da transferência de fundos, apoio ou recursos do governo americano à OMS. Além disso, determinou que funcionários ou contratados do governo dos EUA que estejam trabalhando em funções na OMS sejam chamados de volta e que “parceiros confiáveis e transparentes” sejam identificados para “assumir as atividades necessárias anteriormente realizadas” pela organização. Disse também que o governo vai rever e substituir a Estratégia Global de Segurança Sanitária dos EUA (de 2024) o mais rapidamente possível.

Os EUA eram até agora o maior doador da OMS, responsáveis por quase um quinto do orçamento da organização, que significaram US$ 1,28 bilhão no biênio 2022 e 2023, bem acima do segundo colocado, a Alemanha, com US$ 856 milhões. Em terceiro lugar está a Fundação Bill & Melinda Gates, com US$ 830 milhões, direcionados em sua maior parte para a erradicação da poliomielite.

Um dos principais programas globais de saúde do qual os americanos participam é o Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para a Luta contra HIV /Aids (PEPFAR). A iniciativa foi lançada em 2003 pelo governo americano para controlar a pandemia de HIV até 2030 e tem parceria de mais de 50 países. De acordo com informações oficiais dos EUA, o PEPFAR tem apoiado serviços abrangentes de prevenção, cuidados e tratamento a milhões de pessoas em todo o mundo através do tratamento antirretroviral. Não mais.

As contribuições dos EUA são também destinadas ao combate à tuberculose e à malária e ajudaram na erradicação da varíola, especialmente em países pobres de África e Ásia. No Brasil, a relação mais próxima, incluindo acordos de cooperação técnica, é com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), cujo financiamento, acredita-se, foi preservado por Trump ou ainda não entrou na sua alça de mira.

Não só o poder financeiro dos EUA fará falta na OMS, mas também o apoio técnico e científico de seus pesquisadores. Os EUA têm 72 centros de colaboração com a OMS. Agências americanas importantes como o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e a Food and Drug Administration (FDA) fornecem orientação importante para a OMS como padrões de medicamentos e parâmetros para profissionais de saúde.

Além de deixar a OMS, Trump suspendeu a participação americana nas negociações do Acordo Pandêmico da organização, iniciadas após a crise sanitária da covid-19 para estabelecer um plano global de ação unificada em futuras pandemias. Qualquer decisão nesse sentido não terá “força vinculativa” sobre os EUA, disse Trump.

A OMS, com todas suas falhas, mostrou-se o único foro mundial ativo a estimular a cooperação global contra pandemias e reúne expertise para criar estratégias universais contra novas ameaças. O ano começou com alerta da OMS sobre 42 emergências em andamento - 17 crises de grau 3, as mais graves. Entre as mais desafiadoras estão as epidemias contínuas de cólera e da varíola M (mpox), além da febre hemorrágica Marburg. Os EUA assistem no momento ao perigoso movimento de transmissão da gripe aviária para seres humanos, com mortes. Como a covid-19 comprovou a um custo trágico - 15 milhões de vítimas, segundo a OMS -, pandemias são um problema global, e Trump, que já desdenhou da covid, ignora mais uma vez a realidade.

Derrotas de Lula no Congresso expõem coalizão frágil

Folha de S. Paulo

Folha mostra que petista teve recorde de MPs não aprovadas; governo paga por privilegiar partido em detrimento do centro

A medida provisória 542, de 30 de junho de 1994, instituiu o Plano Real, transformou em definitivo a economia brasileira e decidiu as eleições daquele ano. A despeito de tamanho impacto, o texto permaneceu intocado pelo Congresso por um ano —quando foi convertido em lei, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) já era presidente, e a nova moeda, fato consumado.

Eram tempos de um presidencialismo caracterizado pela subserviência do Legislativo ante desígnios do Planalto. As MPs eram editadas em profusão e reeditadas por anos a fio; os parlamentares aceitavam passivamente os vetos do chefe de Estado a projetos que aprovavam; deputados e senadores dependiam do Executivo para que suas emendas ao Orçamento fossem executadas.

Para o bem e para o mal, o cenário é inteiramente diverso hoje. Especialmente no último decênio, o Congresso passou a exercer com maior evidência seu papel no sistema de freios e contrapesos entre os Poderes, não sem aviltar o gasto público com um volume descabido de emendas de execução impositiva.

É nesse contexto que o governo Luiz Inácio Lula da Silva amarga derrotas legislativas em quantidade inimaginável nos primeiros dois mandatos do líder petista. Segundo levantamento realizado pela Folha, apenas 20 de 133 MPs editadas nos últimos dois anos (15%) foram aprovadas e viraram leis, com modificações.

O desempenho consegue ser pior que o de Jair Bolsonaro (PL), que em período equivalente teve 58 de 156 medidas aprovadas (37%). Na mesma base de comparação, Lula teve 32 vetos derrubados total ou parcialmente, ante 31 do antecessor.

O cotejo entre os dois deve levar em conta peculiaridades como conflitos entre Câmara dos Deputados e Senado que prejudicaram os resultados recentes. Fato é que, em ambos os casos, as coalizões partidárias montadas para a sustentação do governo se mostraram frágeis.

Lula não é um adepto do confronto institucional como Bolsonaro —que, na segunda metade de seu mandato, teve de comprar o apoio do centrão para se manter na cadeira. A administração petista, no entanto, paga um preço elevado por privilegiar o partido e seus aliados à esquerda, que têm no ministério um peso incompatível com sua inserção na sociedade e no Congresso.

O PT, cuja federação partidária tem apenas 16% da Câmara, reservou para si as pastas de maior poder de decisão, como Casa Civil e Fazenda, e outras de grande visibilidade, como Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social. A legendas ao centro e à direita, como PSDMDBUnião BrasilPP e Republicanos, que somam 47% dos deputados, são oferecidos setores secundários.

Lula não divide poder, a exemplo do que já fizera em seus dois primeiros governos. Hoje, sem a popularidade nas pesquisas de opinião e a complacência do Congresso de outrora, as consequências são bem mais severas.

A inteligência artificial da ditadura chinesa

Folha de S. Paulo

Inovação da DeepSeek, que não exibe dados que desagradem o regime, agita Bolsas; há chances de avanço da tecnologia

Nesta semana, ações de empresas ligadas ao setor de inteligência artificial (IA) tiveram quedas importantes, que chegaram a cerca de US$ 1 trilhão no auge da movimentação —desde então, parte do prejuízo já foi revertida.

A americana Nvidia, maior produtora de chips de IA do planeta, chegou a amargar uma desvalorização de 17%. Outros perdedores incluem gigantes como MicrosoftMeta e Tesla.

O motivo da turbulência é que a startup chinesa DeepSeek conseguiu desenvolver uma ferramenta de IA tão boa quanto a das concorrentes, mas a custo menor.

Pelos números divulgados, que devem ser encarados com cautela, o valor do treinamento da DeepSeek foi de cerca de US$ 6 milhões, ante US$ 100 milhões da OpenAI. O produto chinês também consumiu menos energia para ser desenvolvido.

O caso tem importantes implicações geopolíticas. Fracassou a estratégia americana de bloquear, ou ao menos de retardar, a ascensão chinesa nessa área ao proibir a venda de chips com tecnologia de ponta para o gigante asiático. Os avanços da DeepSeek foram obtidos a partir do aperfeiçoamento dos dados utilizados no treinamento da IA.

Assim, Washington precisa refazer seus planos para manter-se à frente nesse setor tecnológico. Com o disruptivo Donald Trump na Casa Branca, o futuro é incerto. Os EUA tanto podem fazer um acordo de convivência quanto entrar em guerra comercial contra Pequim.

Deve-se ressaltar, contudo, que a China é uma ditadura que abusa da censura. A DeepSeek, por exemplo, é incapaz de exibir informações que desagradem o regime autoritário de Xi Jinping.

Isso decerto é um grave problema caso o programa seja usado para pesquisas historiográficas, em ciência política ou economia que envolvam a China.

Vale destacar que a DeepSeek utiliza arquitetura aberta. Quem baixar o programa e tiver competência técnica pode fazer modificações para adequá-lo às necessidades do usuário. Isso tende a torná-lo mais popular e a estimular inovações —os próprios chineses se beneficiaram do código aberto da ferramenta de IA lançada pela Meta em 2023.

Ao menos para quem acredita que a IA não é ameaça à humanidade, o programa da DeepSeek aliado à competição no livre mercado é boa notícia para o mundo.

Em tese, empresas americanas que incorporarem as melhorias desenvolvidas no país asiático e utilizarem seus potentes chips contribuirão para que a tecnologia avance ainda mais.

A ministra da guerrilha

O Estado de S. Paulo

Gleisi Hoffmann é cogitada por Lula a deixar o comando do PT para ocupar a Secretaria-Geral da Presidência – um agrado à esquerda e ao partido e uma afronta a Haddad e aos moderados

A repórter Vera Rosa informou neste jornal que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ocupará a Secretaria-Geral da Presidência, compondo a equipe do presidente Lula da Silva a partir da reforma ministerial. Oficialmente, entre as atribuições da pasta liderada atualmente pelo ministro Márcio Macêdo, está a interlocução do governo com os movimentos sociais, incluindo centrais sindicais, organizações como o MST, sindicatos e ONGs. Só oficialmente. Na prática, o provável embarque de Gleisi na Secretaria, passando a dar expediente diário no quarto andar do Palácio do Planalto, significa tudo menos a desejável melhora na qualidade da equipe ministerial de Lula. Não há meio-termo em relação a ela: Gleisi será a ministra da cisão enquanto o governo precisa de união, ou a porta-voz do desmonte, quando se requer reconstrução.

Só o convite feito a Gleisi representa mais do que a disposição do presidente em ter no Palácio uma petista radical, dando musculatura adicional a um grupo no qual se inclui o chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha – isso num momento em que se esperaria de Lula e do PT um maior compartilhamento do poder com outros partidos que formam a coalizão governista. Se ministra for, Gleisi pode tornar-se ainda um símbolo de mais um constrangimento imposto ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Afinal, ela tem sido um ruidoso e virulento contraponto a Haddad e a qualquer premissa de responsabilidade fiscal. Coube a ela liderar o levante petista contra o próprio governo, aprovando um documento do partido que classificou a política fiscal de “austericídio” – uma pressão que, com a chancela do presidente Lula, desmontou qualquer esforço do ministro da Fazenda e da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de pôr ordem nas contas do governo.

O arsenal de Gleisi é vasto e vai além dos ataques a Haddad. A ex-ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff costuma funcionar como uma espécie de braço retórico armado de Lula da Silva. É nessa condição que frequentemente despeja declarações furiosas contra o Banco Central (pelo menos enquanto a instituição era presidida pelo inimigo preferencial dos petistas, Roberto Campos Neto), o mercado financeiro, o mundo corporativo, o agronegócio, o Congresso, a direita (inclusive a direita que não se enquadra no bolsonarismo fundamentalista), Israel, os evangélicos, a imprensa profissional e, agora, o presidente dos EUA, Donald Trump. Por outro lado, revela-se uma afável defensora de Nicolás Maduro, de Cuba e do Partido Comunista Chinês – aos quais costuma bajular enviando missões do PT ou indo pessoalmente para trocas que decerto geram dividendos políticos à esquerda de linhagem lulopetista e constrangimento ao restante do Brasil.

Com tais atributos, resta entender a natureza do convite feito por Lula a um nome que afrontou, desautorizou e deslegitimou seu ministro da Fazenda, mesmo sabendo que inexiste na história um governo forte com um ministro da Fazenda fraco; que Gleisi exibe um modus operandi de guerrilha contra tudo e contra todos que poderiam inspirar o governo a um padrão mínimo de racionalidade e eficiência; e que a presidente do PT tem como único mérito a defesa implacável de Lula, na alegria e na tristeza. Eis aí a natureza da possível escolha: agradar à esquerda do PT e resolver um problema do partido. Instalar Gleisi numa pasta do governo significa tirar dela o comando do processo eleitoral que escolherá, no fim de junho, o novo presidente do partido. O favorito de Lula, o ex-ministro e ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva, é visto por Gleisi como um nome indesejável. O defeito de Edinho, na visão de Gleisi, é ser moderado, ter bom trânsito no mercado financeiro e em outros partidos e ser próximo de Haddad. Uma vez ministra, ela deixará o posto que ocupa desde 2017, substituída por um mandato-tampão até a eleição petista.

Eis aí uma artimanha tipicamente lulista – para o bem do PT e a ruína do País.

Bastava fazer o ‘feijão com arroz’

O Estado de S. Paulo

Governo perde tempo cogitando ações inócuas para reduzir os preços de alimentos enquanto recusa um ajuste fiscal que poderia contribuir para conter a inflação e a desvalorização do câmbio

Uma semana após o presidente Lula da Silva ter dado ao governo a tarefa de garantir comida barata na mesa do trabalhador, o governo anda em círculos sem saber o que fazer. E, ao menos desta vez, não se pode culpar a equipe de ministros, pois cumprir essa missão não é algo simples ou que esteja nas mãos do Executivo.

Depois da péssima repercussão de suas próprias palavras, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, descartou a possibilidade de o governo adotar um “conjunto de intervenções” nos preços dos alimentos. “Nenhuma medida heterodoxa será adotada, não haverá congelamento de preços, tabelamento, fiscalização, não terá fiscal do Lula nos supermercados e nas feiras”, afirmou.

Menos mal que o ministro tenha rechaçado propostas que prevejam a concessão de subsídios ou a criação de uma rede estatal de distribuição de alimentos nos moldes do programa Farmácia Popular. Isso não significa que iniciativas dessa natureza não existam nos ministérios, mas ao menos indica que elas não contam – ainda – com o aval do Palácio do Planalto. Uma das possibilidades aventadas pelo Executivo é cortar as alíquotas de importação de alguns alimentos que, segundo o ministro, estariam mais baratos no exterior do que no Brasil.

Não se sabe a que itens ele se referia, mas, independentemente disso, trata-se do tipo de medida que costuma ter efeitos inócuos no preço final dos produtos. Em primeiro lugar, porque a redução de impostos indiretos tende a ser absorvida ao longo da cadeia produtiva. E, em segundo lugar, porque um dos motivos pelos quais os alimentos subiram tanto é a valorização do dólar.

Na remotíssima hipótese de que os preços caíssem pelo corte de impostos, a demanda aquecida atuaria no sentido oposto. As carnes subiram devido a problemas climáticos e à redução da oferta de bois, após dois anos de muitos abates, mas também há pressões do lado da demanda no exterior e no Brasil, cujo consumo foi impulsionado pela queda do desemprego e pela valorização do salário mínimo.

No caso do milho, a redução das tarifas de importação, hoje em 8%, não seria suficiente para assegurar a competitividade ao produto norte-americano nem ao argentino. Ademais, isso poderia desestimular o plantio da segunda safra de milho do País e reduzir a oferta nos próximos meses.

A mera cogitação da medida foi suficiente para mobilizar o campo. A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) disse que o setor opera em condições absolutamente normais, o que torna a medida, além de desnecessária, “absolutamente perturbadora”. “Isso é uma medida do século passado. Não estamos mais lá”, afirmou a entidade.

Mirando no que viu, a Abag acertou no que não viu. O problema do governo Lula da Silva vai muito além da questão dos preços dos alimentos. Há, na verdade, uma incompreensão sobre o funcionamento dos mercados e uma visão ingênua sobre o poder do governo para interferir em qualquer área que seja.

Toda intervenção – ainda que o governo prefira chamar de “medidas” – gera consequências. O setor afetado não fica inerte, pelo contrário, e reage a elas. Longe de ser exclusividade do agronegócio, isso se repete em muitas outras áreas, entre elas o mercado financeiro. Mas prevalece no Executivo uma avaliação segundo a qual o agronegócio e os investidores torcem contra o presidente Lula da Silva e, por isso, boicotam o País.

É uma visão bastante atrasada, mas também muito conveniente. Afinal, ao encontrar “inimigos” para culpar, o governo se desobriga de fazer a sua parte para melhorar o ambiente de negócios. Em vez de elencar ações para atuar na ponta da cadeia de alimentos, na qual seu poder é bastante limitado, o governo deveria agir na origem do problema, reconhecendo o quanto tem contribuído para agravá-lo.

A falta de disposição para adotar os tão necessários cortes de gastos no fim do ano passado foi a razão pela qual o real perdeu tanto valor em relação ao dólar. Mais do que qualquer das medidas cogitadas na última semana, uma taxa de câmbio mais apreciada aliviaria os preços dos alimentos e, consequentemente, a inflação como um todo. Mas não se deve esperar autocrítica de um governo que só almeja a reeleição.

A crise que Lula inventou

O Estado de S. Paulo

Ao colocar Marcio Pochmann na chefia do IBGE, o petista jogou o instituto na fogueira

O presidente Lula da Silva não pode se queixar da atual crise no IBGE, porque foi ele quem a produziu, ao nomear um fiel sabujo seu para presidir o instituto. Não se podia esperar outra coisa do economista Marcio Pochmann, aquele para quem a criação do Pix seria “um passo na via neocolonial a qual o Brasil já se encontra ao continuar seguindo o receituário neoliberal”. Só essa declaração deveria bastar para desqualificá-lo, mas Lula achou que era o caso de colocar no comando do principal provedor oficial de dados econômicos e sociais do País um companheiro cuja única competência é a lealdade absoluta ao PT e a Lula.

Se o governo está preocupado com a turbulência no IBGE – e deveria estar –, está mais do que na hora de demitir o sr. Pochmann, que poderá ser mais útil animando assembleias petistas ou reuniões de grêmios estudantis.

Nas últimas semanas, quatro diretores do IBGE, todos servidores de carreira, pediram exoneração dos cargos, citando divergências com Pochmann. Na escalada da crise, 136 servidores – a maioria gerentes e coordenadores – publicaram carta aberta de apoio aos exonerados em que denunciam o “viés autoritário, político e midiático” da atual gestão. O documento já reúne mais de 670 assinaturas e, em resposta, Pochmann ameaçou recorrer à Justiça para impedir a “disseminação de inverdades” e, em denúncia ao Ministério Público, fala da “existência de consultorias privadas de servidores instaladas ilicitamente dentro do IBGE”.

Hoje bombardeado por críticas de economistas de diferentes matizes e sob a desconfiança do corpo técnico do IBGE, Pochmann já havia causado crise semelhante quando administrou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff. Na época, pesava sobre ele a gestão tendenciosa que causou uma debandada inédita de pesquisadores.

É sintomático que uma das poucas vozes a defender o presidente do IBGE tenha sido a da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para quem “o caráter político e partidário da campanha contra Pochmann é evidente”.

A credibilidade do IBGE depende não apenas do apuro técnico, mas, sobretudo, de seu distanciamento claro da rinha política. Quanto mais o instituto parecer próximo do governo, menor será a confiança dos agentes econômicos e da população em geral nos dados ali produzidos. Não são poucos os brasileiros que desconfiam do índice de inflação oficial ante a percepção, obviamente subjetiva, de que a alta de preços é maior. Cabe ao governo não dar chance para que essa suspeita se consolide.

Há meses o caldeirão interno do instituto fervilha, mas Lula prefere fingir indiferença. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, pasta à qual o IBGE é vinculado, mantém distância semelhante à adotada quando foi mantida à parte do processo de escolha para o instituto: em nota, o Ministério diz que acompanha os desdobramentos, mas destaca a autonomia do órgão. É pouco. Enquanto o sr. Pochmann estiver à frente do IBGE, a crise continuará e poderá custar muito caro ao Brasil.

Crise da imigração e a necessidade de novas posturas

Correio Braziliense

No comando da maior economia do mundo, há um político também bastante disposto a reinaugurar a era das bravatas. Qualquer descuido é combustível para a gestão performática

A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) suspendeu a reunião de emergência, marcada para hoje, que discutiria a deportação de imigrantes latinos pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, uma promessa de campanha eleitoral que começou a  ser cumprida nos primeiros dias do seu segundo mandato. A falta de consenso entre os presidentes da Celac — Argentina e  El Salvador são aliados do republicano — foi o que  pesou para o adiamento, segundo a presidente de Honduras e da Comunidade, Xiomara Castro. Não há nova data para encontro.

O recuo se soma a outro, que teve o chefe de Estado colombiano, Gustavo Petro, como protagonista. Na sexta-feira, Petro avisou, em uma rede social, que impediria a entrada no país de avião da força aérea americana com deportados pelo fato de os passageiros estarem sendo tratados como criminosos. Trump reagiu de imediato, anunciando que elevaria para 25% a taxação de todos os produtos colombianos comercializados nos Estados Unidos. Petro retrucou, prometendo aplicar as mesmas tarifas, mas acabou voltando atrás e autorizando o desembarque dos imigrantes transportados em aviões militares em Bogotá.

No Brasil, 88 deportados desembarcaram em Manaus, na sexta-feira, nas mesmas condições. Chamou a atenção do governo brasileiro e causou indignação o fato de os passageiros estarem com algemas nas mãos e pés acorrentados. Para muitos, foi uma humilhação e um desrespeito aos direitos humanos. O Ministério de Relações Exteriores entendeu como degradante o tratamento dado aos brasileiros e anunciou que pediria explicações ao governo norte-americano. Diferentemente do governo colombiano, agiu de forma menos precipitada. Ainda assim, Trump, dias depois, afirmou que o Brasil é um "tremendo criador de tarifas" e que vai imputar tarifas a países que querem prejudicar os Estados Unidos.

Em uma de suas primeiras entrevistas, na cerimônia de posse, o republicano afirmou a jornalistas que os latinos precisam dos Estados Unidos, que, por sua vez, não precisam de ninguém. A realidade, no entanto, é bem diferente. A intenção de tarifar os produtos importados em patamares elevados pode ter impacto nas negociações entre os exportadores e os compradores norte-americanos. Um deles seria o aumento da inflação nos Estados Unidos. Um efeito negativo para o governo de Trump. Dependendo das exigências, os fornecedores podem direcionar os produtos para outros mercados, reduzindo os insumos necessários às indústrias e a outros segmentos da economia americana.

Desprezar a importância de imigrantes e expulsá-los também pode causar prejuízo expressivo aos Estados Unidos, como mostra relatório feito por eles próprios. Divulgado em julho, um estudo do Gabinete de Orçamento do Congresso intitulado Efeitos do aumento da imigração no orçamento federal e na economia previu que o crescimento da imigração, entre 2024 e 2034, elevaria tanto as receitas federais quanto os gastos obrigatórios e juros da dívida. Entre efeitos diretos e indiretos, haveria uma redução dos deficits em US$ 900 bilhões ao longo dos 10 anos seguintes.

Trump parece não medir esforços para demonstrar que voltou à Casa Branca para estremecer as estruturas do planeta em nome do seu alicerce de campanha: "Make America first again" (Tornar a América grande novamente). No comando da maior economia do mundo, há um político também bastante disposto a reinaugurar a era das bravatas. Qualquer descuido é combustível para a gestão performática. Ainda que tenham interesses diversos em relação aos Estados Unidos, Brasil e demais países da América Latina precisam considerar o modus operandi do polêmico chefe da Casa Branca ao se movimentar no novo tabuleiro diplomático.

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