Na visão sobre o BC, Lula e Trump são almas gêmeas
O Globo
Ambos atrapalham combate à inflação ao dar declarações criticando política de juros
Por motivos distintos, o mercado aguardou com
ansiedade o anúncio da taxa de juros no Brasil e nos Estados Unidos.
Aqui, Gabriel Galípolo comandou a primeira reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom) como presidente do Banco
Central (BC) desde que foi indicado para o cargo pelo presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva. Ela confirmou o que era esperado desde dezembro: a Selic subiu 1 ponto,
para 13,25% ao ano. Nos Estados Unidos, o Fed fez o primeiro anúncio depois da
posse de Donald Trump.
Também como esperado, interrompeu a série de cortes consecutivos que promovera
desde setembro – e manteve os juros em 4,5%.
Outro aumento da Selic da mesma magnitude está previsto para março. É uma medida indesejada, mas necessária diante da escalada da inflação. Com a maioria dos diretores do BC escolhidos pelo PT, Lula não deverá mais abusar da demagogia, como fazia com o ex-chefe do BC, Roberto Campos Neto, transformado pelos petistas em bode expiatório para as mazelas econômicas. Mas o governo precisa fazer muito mais para ajudar no controle da inflação.
Mesmo que Lula seja mais contido nas críticas
ao BC, pode atrapalhar — e muito. Desde que ele assumiu, o governo tem apostado
no gasto público para aquecer a economia. A política fiscal expansionista e
insustentável é uma das causas da alta de preços. Desde outubro, a inflação tem
ficado acima do teto da meta, de 4,5%. Uma das dúvidas é como Lula reagirá
quando a economia começar a desacelerar diante do choque de juros. Reconhecerá
a urgência de tirar o pé do acelerador para controlar a inflação ou, por motivações
políticas de curto prazo, continuará ignorando a necessidade de corte de
gastos?
O cenário internacional não lhe dará
tranquilidade. A decisão do Fed aumentou a tensão. A exemplo de Lula, Trump tem
feito pressão descabida sobre a autoridade monetária. Na semana passada,
declarou no Salão Oval saber de juros “muito melhor” que os diretores do Fed.
Em pronunciamento no Fórum Econômico Mundial, avisou que “exigiria redução
imediata”, porque, segundo ele, sua política de incentivo à produção de
combustíveis fósseis diminuiria a pressão inflacionária.
Pelo histórico, são grandes as chances de
Trump continuar atacando o presidente do Fed, Jay Powell, e criando
dificuldades. É remotíssimo o risco de intervenção do Executivo na autoridade
monetária, pois as instituições como o banco central são sólidas nos Estados
Unidos. Mas ataques infundados abalam a credibilidade da política de juros,
como se viu no Brasil nos últimos dois anos. No caso de Trump, o mais
preocupante são as promessas de campanha. Aumentar tarifas de importação faz os
preços ao consumidor subirem. Se começar a faltar mão de obra devido às
deportações, a pressão inflacionária se fará sentir nos salários mais altos
necessários para atrair trabalhadores legais. A confirmação do plano de baixar
drasticamente os impostos aquecerá a economia num momento em que a inflação
continua acima da meta de 2%.
Lula se gaba de ter uma visão de mundo
distinta de Trump. No que diz respeito à visão distorcida sobre o funcionamento
da economia e da autoridade monetária, porém, os dois parecem almas gêmeas.
Motoristas sob efeito de drogas levam risco a
estradas, apesar do rigor da lei
O Globo
Exame toxicológico deveria ter sido submetido
a teste científico para avaliar sua eficácia como dissuasivo
Na madrugada de 21 de dezembro, um acidente
envolvendo uma carreta que transportava granito, um ônibus e um carro na
BR-116, em Teófilo Otoni (MG), deixou 39 mortos, todos passageiros do coletivo.
Investigações preliminares sugerem que a carreta trafegava com carga excessiva,
em alta velocidade e que havia problemas na amarração das pedras (um bloco se
soltou e caiu na pista). Foi o acidente mais letal em rodovias federais desde
2008, segundo a Polícia
Rodoviária Federal.
Na semana passada, o motorista da carreta,
Arilton Bastos Alves, foi preso. Exames constataram que ele usara álcool,
cocaína, ecstasy e outras drogas. O juiz Danilo de Mello Ferraz, que determinou
a prisão, disse não se tratar apenas de descuido, mas de risco deliberado. O
exame toxicológico foi feito dois dias após o acidente.
O uso de drogas por caminhoneiros não é
novidade. Muitos costumam tomá-las para se manter acordados durante as longas e
exaustivas jornadas, aumentando o risco de acidentes. As circunstâncias da
colisão em Minas expõem as deficiências na fiscalização das polícias
rodoviárias. Inspeções são feitas por amostragem, mas o desrespeito às normas
de trânsito mais básicas sugere que o infrator considera remota a chance de ser
pego. Ou não se arriscaria em longas viagens.
Em 2020, o Congresso aprovou uma lei
determinando que motoristas de veículos de carga, de ônibus, além de
habilitados nas categorias C, D e E, são obrigados a fazer exames toxicológicos
a cada dois anos e meio. O não cumprimento da norma é considerado infração
gravíssima e acarreta multa de até RS 1.467,35. A proposta tinha boas
intenções, mas, na prática, seu efeito tem se revelado incerto. Dados da
Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) analisados pelo programa SOS
Estradas mostram que o exame está vencido para cerca de 1,5 milhão de
motoristas, num universo de 11,5 milhões.
Não está claro se a mera exigência de prazo
mais curto para o exame toxicológico é suficiente para dissuadir motoristas
imprudentes e reduzir os riscos nas estradas. Ou se apenas configura mais um
entrave burocrático, que interessa aos laboratórios que vendem o exame, às
clínicas que o realizam e ao governo, que cobra multas pesadas sob o pretexto
de zelar pela segurança do trânsito.
Políticas públicas, para funcionar, devem ser
acompanhadas e submetidas a análises científicas regulares, algo raríssimo no
Brasil — e não apenas na área de trânsito. A economia comportamental dispõe de
métodos avançados para avaliar incentivos. Evidentemente, é fundamental
aperfeiçoar a fiscalização nas estradas e testar os motoristas com mais
frequência, de modo a criar maior chance de flagrante para os infratores. A
exigência do exame toxicológico, como toda política pública, precisa de
acompanhamento e comprovação de eficácia. Por enquanto, a única certeza é que,
apesar da exigência mais rígida, motoristas sob o perigoso efeito de álcool e
drogas continuam a pôr em risco a própria vida e a de quem trafega pelas
estradas.
Saída dos EUA da OMS deixa ônus para o resto
do mundo
Valor Econômico
Não só o poder financeiro dos EUA fará falta
na OMS, mas também o apoio técnico e científico de seus pesquisadores
Não foi uma surpresa a decisão do presidente
Donald Trump de assinar a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da
Saúde (OMS), na enxurrada de medidas polêmicas nas primeiras horas do seu novo
governo. Trump havia feito isso no mandato anterior, em julho de 2020, quando
os Estados Unidos já viam aumentar os casos de covid-19, que levaram à morte um
total estimado em 1 milhão de americanos. A medida teria efeito em 2021, mas a
saída não foi concretizada. O democrata Joe Biden assumiu a Presidência e revogou
a determinação.
Na campanha de 2024, Trump não só disse que
retiraria seu país da OMS como nomeou o negacionista Robert F. Kennedy Jr. para
comandar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos do país (HHS), o
equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil. Kennedy Jr. é conhecido pelas
posições antivacina e por sua insistência em suspender a aplicação de flúor na
água canalizada nas cidades americanas.
Agora, voltou a reclamar da influência
política da China e de que a contribuição anual do país asiático fica ao redor
de US$ 100 milhões, um quinto da feita pelos EUA. Queixou-se também da má
administração da OMS da pandemia de covid-19 e de outras crises globais de
saúde.
Algumas críticas de Trump têm fundamento,
como o fato de a OMS ter hesitado em responsabilizar a China pela expansão do
surto. E não se descarta que o gosto de Trump pelas barganhas leve os EUA de
volta à OMS, como ele mesmo cogitou caso o valor da contribuição americana seja
reduzido.
Pelas regras da OMS, a saída da organização
só implicaria a suspensão das contribuições um ano depois. Mas Trump
estabeleceu que fosse imediata a interrupção da transferência de fundos, apoio
ou recursos do governo americano à OMS. Além disso, determinou que funcionários
ou contratados do governo dos EUA que estejam trabalhando em funções na OMS
sejam chamados de volta e que “parceiros confiáveis e transparentes” sejam
identificados para “assumir as atividades necessárias anteriormente realizadas”
pela organização. Disse também que o governo vai rever e substituir a
Estratégia Global de Segurança Sanitária dos EUA (de 2024) o mais rapidamente
possível.
Os EUA eram até agora o maior doador da OMS,
responsáveis por quase um quinto do orçamento da organização, que significaram
US$ 1,28 bilhão no biênio 2022 e 2023, bem acima do segundo colocado, a
Alemanha, com US$ 856 milhões. Em terceiro lugar está a Fundação Bill &
Melinda Gates, com US$ 830 milhões, direcionados em sua maior parte para a
erradicação da poliomielite.
Um dos principais programas globais de saúde
do qual os americanos participam é o Plano de Emergência do Presidente dos
Estados Unidos para a Luta contra HIV /Aids (PEPFAR). A iniciativa foi lançada
em 2003 pelo governo americano para controlar a pandemia de HIV até 2030 e tem
parceria de mais de 50 países. De acordo com informações oficiais dos EUA, o
PEPFAR tem apoiado serviços abrangentes de prevenção, cuidados e tratamento a
milhões de pessoas em todo o mundo através do tratamento antirretroviral. Não mais.
As contribuições dos EUA são também
destinadas ao combate à tuberculose e à malária e ajudaram na erradicação da
varíola, especialmente em países pobres de África e Ásia. No Brasil, a relação
mais próxima, incluindo acordos de cooperação técnica, é com a Organização
Pan-Americana de Saúde (Opas), cujo financiamento, acredita-se, foi preservado
por Trump ou ainda não entrou na sua alça de mira.
Não só o poder financeiro dos EUA fará falta
na OMS, mas também o apoio técnico e científico de seus pesquisadores. Os EUA
têm 72 centros de colaboração com a OMS. Agências americanas importantes como o
Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e a Food and Drug
Administration (FDA) fornecem orientação importante para a OMS como padrões de
medicamentos e parâmetros para profissionais de saúde.
Além de deixar a OMS, Trump suspendeu a
participação americana nas negociações do Acordo Pandêmico da organização,
iniciadas após a crise sanitária da covid-19 para estabelecer um plano global
de ação unificada em futuras pandemias. Qualquer decisão nesse sentido não terá
“força vinculativa” sobre os EUA, disse Trump.
A OMS, com todas suas falhas, mostrou-se o único foro mundial ativo a estimular a cooperação global contra pandemias e reúne expertise para criar estratégias universais contra novas ameaças. O ano começou com alerta da OMS sobre 42 emergências em andamento - 17 crises de grau 3, as mais graves. Entre as mais desafiadoras estão as epidemias contínuas de cólera e da varíola M (mpox), além da febre hemorrágica Marburg. Os EUA assistem no momento ao perigoso movimento de transmissão da gripe aviária para seres humanos, com mortes. Como a covid-19 comprovou a um custo trágico - 15 milhões de vítimas, segundo a OMS -, pandemias são um problema global, e Trump, que já desdenhou da covid, ignora mais uma vez a realidade.
Derrotas de Lula no Congresso expõem coalizão
frágil
Folha de S. Paulo
Folha mostra que petista teve recorde de MPs
não aprovadas; governo paga por privilegiar partido em detrimento do centro
A medida provisória 542, de 30 de junho de
1994, instituiu
o Plano Real, transformou em definitivo a economia brasileira e
decidiu as eleições daquele ano. A despeito de tamanho impacto, o texto
permaneceu intocado pelo Congresso por um ano —quando foi convertido em
lei, Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) já era
presidente, e a nova moeda, fato consumado.
Eram tempos de um presidencialismo
caracterizado pela subserviência do Legislativo ante desígnios do Planalto. As
MPs eram editadas em profusão e reeditadas por anos a fio; os parlamentares
aceitavam passivamente os vetos do chefe de Estado a projetos que aprovavam;
deputados e senadores dependiam do Executivo para que suas emendas ao Orçamento
fossem executadas.
Para o bem e para o mal, o cenário é
inteiramente diverso hoje. Especialmente no último decênio, o Congresso passou
a exercer com maior evidência seu papel no sistema de freios e contrapesos
entre os Poderes, não sem aviltar o gasto público com um volume
descabido de emendas de execução impositiva.
É nesse contexto que o governo Luiz
Inácio Lula da
Silva amarga derrotas legislativas em quantidade inimaginável nos primeiros
dois mandatos do líder petista. Segundo
levantamento realizado pela Folha, apenas 20 de 133 MPs editadas nos
últimos dois anos (15%) foram aprovadas e viraram leis, com modificações.
O desempenho consegue ser pior que o de Jair
Bolsonaro (PL),
que em período equivalente teve 58 de 156 medidas aprovadas (37%). Na mesma
base de comparação, Lula teve 32 vetos derrubados total ou parcialmente, ante
31 do antecessor.
O cotejo entre os dois deve levar em conta
peculiaridades como conflitos entre Câmara
dos Deputados e Senado que
prejudicaram os resultados recentes. Fato é que, em ambos os casos, as
coalizões partidárias montadas para a sustentação do governo se mostraram
frágeis.
Lula não é um adepto do confronto
institucional como Bolsonaro —que, na segunda metade de seu mandato, teve de
comprar o apoio do centrão para se manter na cadeira. A administração petista,
no entanto, paga um preço elevado por privilegiar o partido e seus aliados à
esquerda, que têm no ministério um peso incompatível com sua inserção na
sociedade e no Congresso.
O PT, cuja federação partidária tem apenas
16% da Câmara, reservou para si as pastas de maior poder de decisão, como Casa Civil e
Fazenda, e outras de grande visibilidade, como Educação,
Trabalho e Desenvolvimento Social. A legendas ao centro e à direita, como PSD, MDB, União Brasil, PP e Republicanos,
que somam 47% dos deputados, são oferecidos setores secundários.
Lula não divide poder, a exemplo do que já
fizera em seus dois primeiros governos. Hoje, sem a popularidade nas pesquisas
de opinião e a complacência do Congresso de outrora, as consequências são bem
mais severas.
A inteligência artificial da ditadura chinesa
Folha de S. Paulo
Inovação da DeepSeek, que não exibe dados que
desagradem o regime, agita Bolsas; há chances de avanço da tecnologia
Nesta semana, ações de empresas ligadas ao
setor de inteligência
artificial (IA) tiveram quedas importantes, que chegaram
a cerca de US$ 1 trilhão no auge da movimentação —desde então, parte
do prejuízo já foi revertida.
A americana Nvidia, maior
produtora de chips de IA do planeta, chegou a amargar uma desvalorização de
17%. Outros perdedores incluem gigantes como Microsoft, Meta e Tesla.
O motivo da turbulência é que a startup
chinesa DeepSeek conseguiu
desenvolver uma ferramenta de IA tão
boa quanto a das concorrentes, mas a custo menor.
Pelos números divulgados, que devem ser
encarados com cautela, o valor do treinamento da DeepSeek foi de cerca de US$ 6
milhões, ante US$ 100 milhões da OpenAI. O
produto chinês também consumiu menos energia para ser desenvolvido.
O caso tem importantes implicações
geopolíticas. Fracassou a estratégia americana de bloquear,
ou ao menos de retardar, a ascensão chinesa nessa área ao proibir a
venda de chips com tecnologia de
ponta para o gigante asiático. Os avanços da DeepSeek foram obtidos a partir do
aperfeiçoamento dos dados utilizados no treinamento da IA.
Assim, Washington precisa refazer seus planos
para manter-se à frente nesse setor tecnológico. Com o disruptivo Donald Trump na
Casa Branca, o futuro é incerto. Os EUA tanto podem fazer um acordo de
convivência quanto entrar em guerra comercial contra Pequim.
Deve-se ressaltar, contudo, que a China é
uma ditadura que
abusa da censura. A DeepSeek, por exemplo, é incapaz de exibir informações que
desagradem o regime autoritário de Xi Jinping.
Isso decerto é um grave problema caso o
programa seja usado para pesquisas historiográficas, em ciência política ou
economia que envolvam a China.
Vale destacar que a DeepSeek utiliza
arquitetura aberta. Quem baixar o programa e tiver competência técnica pode
fazer modificações para adequá-lo às necessidades do usuário. Isso tende a
torná-lo mais popular e a estimular inovações —os próprios chineses se
beneficiaram do código aberto da ferramenta de IA lançada pela Meta em 2023.
Ao menos para quem acredita que a IA não é
ameaça à humanidade, o programa da DeepSeek aliado à competição no livre
mercado é boa notícia para o mundo.
Em tese, empresas americanas que incorporarem
as melhorias desenvolvidas no país asiático e utilizarem seus potentes chips
contribuirão para que a tecnologia avance ainda mais.
A ministra da guerrilha
O Estado de S. Paulo
Gleisi Hoffmann é cogitada por Lula a deixar
o comando do PT para ocupar a Secretaria-Geral da Presidência – um agrado à
esquerda e ao partido e uma afronta a Haddad e aos moderados
A repórter Vera Rosa informou neste jornal
que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ocupará a Secretaria-Geral da
Presidência, compondo a equipe do presidente Lula da Silva a partir da reforma
ministerial. Oficialmente, entre as atribuições da pasta liderada atualmente
pelo ministro Márcio Macêdo, está a interlocução do governo com os movimentos
sociais, incluindo centrais sindicais, organizações como o MST, sindicatos e
ONGs. Só oficialmente. Na prática, o provável embarque de Gleisi na Secretaria,
passando a dar expediente diário no quarto andar do Palácio do Planalto,
significa tudo menos a desejável melhora na qualidade da equipe ministerial de
Lula. Não há meio-termo em relação a ela: Gleisi será a ministra da cisão
enquanto o governo precisa de união, ou a porta-voz do desmonte, quando se
requer reconstrução.
Só o convite feito a Gleisi representa mais
do que a disposição do presidente em ter no Palácio uma petista radical, dando
musculatura adicional a um grupo no qual se inclui o chefe da Casa Civil, Rui
Costa, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha – isso num
momento em que se esperaria de Lula e do PT um maior compartilhamento do poder
com outros partidos que formam a coalizão governista. Se ministra for, Gleisi
pode tornar-se ainda um símbolo de mais um constrangimento imposto ao ministro
da Fazenda, Fernando Haddad. Afinal, ela tem sido um ruidoso e virulento
contraponto a Haddad e a qualquer premissa de responsabilidade fiscal. Coube a
ela liderar o levante petista contra o próprio governo, aprovando um documento
do partido que classificou a política fiscal de “austericídio” – uma pressão
que, com a chancela do presidente Lula, desmontou qualquer esforço do ministro
da Fazenda e da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de pôr ordem nas contas
do governo.
O arsenal de Gleisi é vasto e vai além dos
ataques a Haddad. A ex-ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff costuma
funcionar como uma espécie de braço retórico armado de Lula da Silva. É nessa
condição que frequentemente despeja declarações furiosas contra o Banco Central
(pelo menos enquanto a instituição era presidida pelo inimigo preferencial dos
petistas, Roberto Campos Neto), o mercado financeiro, o mundo corporativo, o
agronegócio, o Congresso, a direita (inclusive a direita que não se enquadra no
bolsonarismo fundamentalista), Israel, os evangélicos, a imprensa profissional
e, agora, o presidente dos EUA, Donald Trump. Por outro lado, revela-se uma
afável defensora de Nicolás Maduro, de Cuba e do Partido Comunista Chinês – aos
quais costuma bajular enviando missões do PT ou indo pessoalmente para trocas
que decerto geram dividendos políticos à esquerda de linhagem lulopetista e
constrangimento ao restante do Brasil.
Com tais atributos, resta entender a natureza
do convite feito por Lula a um nome que afrontou, desautorizou e deslegitimou
seu ministro da Fazenda, mesmo sabendo que inexiste na história um governo
forte com um ministro da Fazenda fraco; que Gleisi exibe um modus operandi de
guerrilha contra tudo e contra todos que poderiam inspirar o governo a um
padrão mínimo de racionalidade e eficiência; e que a presidente do PT tem como
único mérito a defesa implacável de Lula, na alegria e na tristeza. Eis aí a
natureza da possível escolha: agradar à esquerda do PT e resolver um problema
do partido. Instalar Gleisi numa pasta do governo significa tirar dela o
comando do processo eleitoral que escolherá, no fim de junho, o novo presidente
do partido. O favorito de Lula, o ex-ministro e ex-prefeito de Araraquara
Edinho Silva, é visto por Gleisi como um nome indesejável. O defeito de Edinho,
na visão de Gleisi, é ser moderado, ter bom trânsito no mercado financeiro e em
outros partidos e ser próximo de Haddad. Uma vez ministra, ela deixará o posto
que ocupa desde 2017, substituída por um mandato-tampão até a eleição petista.
Eis aí uma artimanha tipicamente lulista –
para o bem do PT e a ruína do País.
Bastava fazer o ‘feijão com arroz’
O Estado de S. Paulo
Governo perde tempo cogitando ações inócuas
para reduzir os preços de alimentos enquanto recusa um ajuste fiscal que
poderia contribuir para conter a inflação e a desvalorização do câmbio
Uma semana após o presidente Lula da Silva
ter dado ao governo a tarefa de garantir comida barata na mesa do trabalhador,
o governo anda em círculos sem saber o que fazer. E, ao menos desta vez, não se
pode culpar a equipe de ministros, pois cumprir essa missão não é algo simples
ou que esteja nas mãos do Executivo.
Depois da péssima repercussão de suas
próprias palavras, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, descartou a
possibilidade de o governo adotar um “conjunto de intervenções” nos preços dos
alimentos. “Nenhuma medida heterodoxa será adotada, não haverá congelamento de
preços, tabelamento, fiscalização, não terá fiscal do Lula nos supermercados e
nas feiras”, afirmou.
Menos mal que o ministro tenha rechaçado
propostas que prevejam a concessão de subsídios ou a criação de uma rede
estatal de distribuição de alimentos nos moldes do programa Farmácia Popular.
Isso não significa que iniciativas dessa natureza não existam nos ministérios,
mas ao menos indica que elas não contam – ainda – com o aval do Palácio do
Planalto. Uma das possibilidades aventadas pelo Executivo é cortar as alíquotas
de importação de alguns alimentos que, segundo o ministro, estariam mais
baratos no exterior do que no Brasil.
Não se sabe a que itens ele se referia, mas,
independentemente disso, trata-se do tipo de medida que costuma ter efeitos
inócuos no preço final dos produtos. Em primeiro lugar, porque a redução de
impostos indiretos tende a ser absorvida ao longo da cadeia produtiva. E, em
segundo lugar, porque um dos motivos pelos quais os alimentos subiram tanto é a
valorização do dólar.
Na remotíssima hipótese de que os preços
caíssem pelo corte de impostos, a demanda aquecida atuaria no sentido oposto.
As carnes subiram devido a problemas climáticos e à redução da oferta de bois,
após dois anos de muitos abates, mas também há pressões do lado da demanda no
exterior e no Brasil, cujo consumo foi impulsionado pela queda do desemprego e
pela valorização do salário mínimo.
No caso do milho, a redução das tarifas de
importação, hoje em 8%, não seria suficiente para assegurar a competitividade
ao produto norte-americano nem ao argentino. Ademais, isso poderia desestimular
o plantio da segunda safra de milho do País e reduzir a oferta nos próximos
meses.
A mera cogitação da medida foi suficiente
para mobilizar o campo. A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) disse que
o setor opera em condições absolutamente normais, o que torna a medida, além de
desnecessária, “absolutamente perturbadora”. “Isso é uma medida do século
passado. Não estamos mais lá”, afirmou a entidade.
Mirando no que viu, a Abag acertou no que não
viu. O problema do governo Lula da Silva vai muito além da questão dos preços
dos alimentos. Há, na verdade, uma incompreensão sobre o funcionamento dos
mercados e uma visão ingênua sobre o poder do governo para interferir em
qualquer área que seja.
Toda intervenção – ainda que o governo
prefira chamar de “medidas” – gera consequências. O setor afetado não fica
inerte, pelo contrário, e reage a elas. Longe de ser exclusividade do
agronegócio, isso se repete em muitas outras áreas, entre elas o mercado
financeiro. Mas prevalece no Executivo uma avaliação segundo a qual o
agronegócio e os investidores torcem contra o presidente Lula da Silva e, por
isso, boicotam o País.
É uma visão bastante atrasada, mas também
muito conveniente. Afinal, ao encontrar “inimigos” para culpar, o governo se
desobriga de fazer a sua parte para melhorar o ambiente de negócios. Em vez de
elencar ações para atuar na ponta da cadeia de alimentos, na qual seu poder é
bastante limitado, o governo deveria agir na origem do problema, reconhecendo o
quanto tem contribuído para agravá-lo.
A falta de disposição para adotar os tão
necessários cortes de gastos no fim do ano passado foi a razão pela qual o real
perdeu tanto valor em relação ao dólar. Mais do que qualquer das medidas
cogitadas na última semana, uma taxa de câmbio mais apreciada aliviaria os
preços dos alimentos e, consequentemente, a inflação como um todo. Mas não se
deve esperar autocrítica de um governo que só almeja a reeleição.
A crise que Lula inventou
O Estado de S. Paulo
Ao colocar Marcio Pochmann na chefia do IBGE,
o petista jogou o instituto na fogueira
O presidente Lula da Silva não pode se
queixar da atual crise no IBGE, porque foi ele quem a produziu, ao nomear um
fiel sabujo seu para presidir o instituto. Não se podia esperar outra coisa do
economista Marcio Pochmann, aquele para quem a criação do Pix seria “um passo
na via neocolonial a qual o Brasil já se encontra ao continuar seguindo o
receituário neoliberal”. Só essa declaração deveria bastar para
desqualificá-lo, mas Lula achou que era o caso de colocar no comando do
principal provedor oficial de dados econômicos e sociais do País um companheiro
cuja única competência é a lealdade absoluta ao PT e a Lula.
Se o governo está preocupado com a
turbulência no IBGE – e deveria estar –, está mais do que na hora de demitir o
sr. Pochmann, que poderá ser mais útil animando assembleias petistas ou
reuniões de grêmios estudantis.
Nas últimas semanas, quatro diretores do
IBGE, todos servidores de carreira, pediram exoneração dos cargos, citando
divergências com Pochmann. Na escalada da crise, 136 servidores – a maioria
gerentes e coordenadores – publicaram carta aberta de apoio aos exonerados em
que denunciam o “viés autoritário, político e midiático” da atual gestão. O
documento já reúne mais de 670 assinaturas e, em resposta, Pochmann ameaçou
recorrer à Justiça para impedir a “disseminação de inverdades” e, em denúncia
ao Ministério Público, fala da “existência de consultorias privadas de
servidores instaladas ilicitamente dentro do IBGE”.
Hoje bombardeado por críticas de economistas
de diferentes matizes e sob a desconfiança do corpo técnico do IBGE, Pochmann
já havia causado crise semelhante quando administrou o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma
Rousseff. Na época, pesava sobre ele a gestão tendenciosa que causou uma
debandada inédita de pesquisadores.
É sintomático que uma das poucas vozes a
defender o presidente do IBGE tenha sido a da presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, para quem “o caráter político e partidário da campanha contra
Pochmann é evidente”.
A credibilidade do IBGE depende não apenas do
apuro técnico, mas, sobretudo, de seu distanciamento claro da rinha política.
Quanto mais o instituto parecer próximo do governo, menor será a confiança dos
agentes econômicos e da população em geral nos dados ali produzidos. Não são
poucos os brasileiros que desconfiam do índice de inflação oficial ante a
percepção, obviamente subjetiva, de que a alta de preços é maior. Cabe ao
governo não dar chance para que essa suspeita se consolide.
Há meses o caldeirão interno do instituto fervilha, mas Lula prefere fingir indiferença. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, pasta à qual o IBGE é vinculado, mantém distância semelhante à adotada quando foi mantida à parte do processo de escolha para o instituto: em nota, o Ministério diz que acompanha os desdobramentos, mas destaca a autonomia do órgão. É pouco. Enquanto o sr. Pochmann estiver à frente do IBGE, a crise continuará e poderá custar muito caro ao Brasil.
Crise da imigração e a necessidade de novas
posturas
Correio Braziliense
No comando da maior economia do mundo, há um político também bastante disposto a reinaugurar a era das bravatas. Qualquer descuido é combustível para a gestão performática
A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (Celac) suspendeu a reunião de emergência, marcada para hoje, que
discutiria a deportação de imigrantes latinos pelo governo do presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, uma promessa de campanha eleitoral que começou
a ser cumprida nos primeiros dias do seu segundo mandato. A falta de
consenso entre os presidentes da Celac — Argentina e El Salvador são
aliados do republicano — foi o que pesou para o adiamento, segundo a
presidente de Honduras e da Comunidade, Xiomara Castro. Não há nova data para
encontro.
O recuo se soma a outro, que teve o chefe de
Estado colombiano, Gustavo Petro, como protagonista. Na sexta-feira, Petro
avisou, em uma rede social, que impediria a entrada no país de avião da força
aérea americana com deportados pelo fato de os passageiros estarem sendo
tratados como criminosos. Trump reagiu de imediato, anunciando que elevaria
para 25% a taxação de todos os produtos colombianos comercializados nos Estados
Unidos. Petro retrucou, prometendo aplicar as mesmas tarifas, mas acabou
voltando atrás e autorizando o desembarque dos imigrantes transportados em
aviões militares em Bogotá.
No Brasil, 88 deportados desembarcaram em
Manaus, na sexta-feira, nas mesmas condições. Chamou a atenção do governo
brasileiro e causou indignação o fato de os passageiros estarem com algemas nas
mãos e pés acorrentados. Para muitos, foi uma humilhação e um desrespeito aos
direitos humanos. O Ministério de Relações Exteriores entendeu como degradante
o tratamento dado aos brasileiros e anunciou que pediria explicações ao governo
norte-americano. Diferentemente do governo colombiano, agiu de forma menos precipitada.
Ainda assim, Trump, dias depois, afirmou que o Brasil é um "tremendo
criador de tarifas" e que vai imputar tarifas a países que querem
prejudicar os Estados Unidos.
Em uma de suas primeiras entrevistas, na
cerimônia de posse, o republicano afirmou a jornalistas que os latinos precisam
dos Estados Unidos, que, por sua vez, não precisam de ninguém. A realidade, no
entanto, é bem diferente. A intenção de tarifar os produtos importados em
patamares elevados pode ter impacto nas negociações entre os exportadores e os
compradores norte-americanos. Um deles seria o aumento da inflação nos Estados
Unidos. Um efeito negativo para o governo de Trump. Dependendo das exigências,
os fornecedores podem direcionar os produtos para outros mercados, reduzindo os
insumos necessários às indústrias e a outros segmentos da economia americana.
Desprezar a importância de imigrantes e
expulsá-los também pode causar prejuízo expressivo aos Estados Unidos, como
mostra relatório feito por eles próprios. Divulgado em julho, um estudo do
Gabinete de Orçamento do Congresso intitulado Efeitos do aumento da imigração
no orçamento federal e na economia previu que o crescimento da imigração, entre
2024 e 2034, elevaria tanto as receitas federais quanto os gastos obrigatórios
e juros da dívida. Entre efeitos diretos e indiretos, haveria uma redução dos
deficits em US$ 900 bilhões ao longo dos 10 anos seguintes.
Trump parece não medir esforços para demonstrar que voltou à Casa Branca para estremecer as estruturas do planeta em nome do seu alicerce de campanha: "Make America first again" (Tornar a América grande novamente). No comando da maior economia do mundo, há um político também bastante disposto a reinaugurar a era das bravatas. Qualquer descuido é combustível para a gestão performática. Ainda que tenham interesses diversos em relação aos Estados Unidos, Brasil e demais países da América Latina precisam considerar o modus operandi do polêmico chefe da Casa Branca ao se movimentar no novo tabuleiro diplomático.
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