domingo, 16 de fevereiro de 2025

A lenga-lenga ambientalista - Elio Gaspari

O Globo

Quando Lula disse que “não dá para a gente ficar nessa lenga-lenga” na questão ambiental para a exploração das reservas de petróleo da chamada Foz do Amazonas foi ao olho do problema.

É sabido que a centenas de quilômetros do litoral norte do continente, nas águas do Amapá, há uma rica província petrolífera. Chamá-la de Foz do Amazonas é um truque de retórica, pois esse estuário fica a 500 quilômetros da chamada Margem Equatorial. Explorando-a, a Guiana e o Suriname vivem um período de bonança. Em 2013, a Petrobras, num consórcio internacional, arrematou o lote FZA-M-57 para sua eventual exploração. O que se pretende para toda a área é uma licença para novas perfurações. Defendendo o meio ambiente, o Ibama congelou a pesquisa.

Há anos o Ibama e a Petrobras estão numa lenga-lenga. O Ibama pede garantias, a Petrobras responde e o instituto pisa no freio. Em outubro passado, 26 técnicos do Ibama rejeitaram o material enviado pela empresa e recomendaram não só indeferimento do pedido de licença, mas o arquivamento do processo. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, abriu uma janela, pedindo novos estudos e providências à Petrobras. (Agostinho está na mesa das frituras do Planalto.)

Os riscos de vazamento de óleo, bem como os eventuais danos à fauna aquática, envolvem complexas questões técnicas. Nesse campo, tanto a Petrobras quanto o Ibama são entidades respeitáveis, a menos que suas posições estejam contaminadas por outros objetivos.

Uma petroleira estaria contaminada se tivesse um passado de irresponsabilidade. Não é o caso da Petrobras. Um instituto de defesa do meio ambiente estaria contaminado se, na raiz de suas objeções, estiver uma pura e simples condenação da exploração de combustíveis fósseis. Nesse caso, o que Lula chamou de lenga-lenga, chama-se trava.

A associação dos servidores do Ibama soltou uma nota condenando a fala de Lula com sólidos argumentos institucionais. Não enumerou um só fato que desminta que há uma lenga-lenga na decisão do que em burocratês se chama de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar ou AAAS.

Apesar da grandiloquência, a nota reconheceu: “Porém, não se tem notícias de pressão do Palácio do Planalto para que a AAAS saia do papel.” Zero a zero, bola ao centro. Não tendo havido pressão, haveria lenga-lenga, disfarce da trava.

Em terra firme, os ambientalistas enfrentam os agrotrogloditas e muitas vezes se valem de travas. Em alto mar, a Petrobras já mostrou que não é uma petrotroglodita, mas está sendo tratada como se fosse. Afinal, se um sujeito é contra a exploração de combustíveis fósseis, a própria lenga-lenga seria perda de tempo.

Muita gente boa do universo ambientalista usa a trava para exercer seu poder. Trata-se de uma tática tóxica. Por irracional, robustece trogloditas do outro lado, e eles já governaram o Brasil.

A criação da Autoridade Climática é um exemplo do uso da trava para preservar quadrados de poder burocrático. No início de 2024 ela era uma promessa de campanha de Lula, mas foi esquecida. Em setembro, diante dos fogaréus, ele anunciou em Manaus que criaria essa nova entidade. Cadê?

A promessa está atolada no manguezal onde se chocam duas visões. Numa, a Autoridade ficaria apensa à Presidência da República, com poderes sobre todos os ministérios. Noutra, ela ficaria dentro do Ministério do Meio Ambiente, preservando-se todos os quadrados de poder da burocracia ambiental. O projeto está na Casa Civil, submetido a outra lenga-lenga.

Serviço

O Amapá é brasileiro desde 1900 porque foi conquistado no tapa e na lábia aos espanhóis, holandeses, ingleses e franceses. No site do Senado dois livros contam essa bela história.

Um é “Amapá: A terra onde o Brasil começa”, de José Sarney e Pedro Costa. O outro é “Santana da Amazônia — A ocupação e conquista de Santana e o seu papel para a consolidação da Amazônia brasileira”, de Marlus Carvalho. Ambos grátis em PDF.

Tiro na têmpora

O entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro festejou freneticamente a eleição de Donald Trump. Sua mulher e um de seus filhos foram às festas periféricas da posse e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, enfeitou-se com o boné trumpista.

Registre-se que esse tipo de servidão voluntária é coisa nunca vista na história de Pindorama. Nenhuma relação de presidente brasileiro com americano foi tão estreita quanto a de Emílio Médici com Richard Nixon. Em 1971, quando o general visitou-o na Casa Branca, ele festejou: “Para onde for o Brasil, irá o continente latino-americano.” Bingo. Anos depois, Chile, Uruguai e Argentina eram ditaduras militares.

Os palacianos exultaram, mas o embaixador Mário Gibson Barboza, chanceler de Médici, não achou a menor graça e comentou: “Foi um verdadeiro beijo da morte.”

Os trumpistas nacionais beijaram a morte a troco de nada. Cada brasileiro que venha a perder seu emprego por causa das tarifas protecionistas de Trump haverá de se lembrar do frenesi nativo.

Sábio foi o petista que teve a ideia do boné: “O Brasil é dos brasileiros.”

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota, desempregado crônico (porque tem horror ao trabalho) soube que o governo quer investigar a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 1976.

O cretino vai a Brasília para pleitear um lugar (remunerado) na equipe que fará a investigação. Como JK morreu há 48 anos, Eremildo propõe que o contrato da equipe tenha pelo menos dez anos de duração.

JK viajava pela Dutra no banco de trás de um Opala. Seu carro bateu num ônibus que viajava no mesmo sentido, desgovernou-se, atravessou a pista e chocou-se com uma carreta que vinha em sentido contrário.

Geraldo Ribeiro, o motorista de JK, o acompanhava há anos, morreu com ele e com ele foi velado no saguão da falecida Revista Manchete, no Rio.

A despedida de JK, com seu caixão levado pelo povo ao aeroporto do Centro do Rio e seu enterro em Brasília, foi a primeira grande manifestação popular desde a grande passeata de 1968.

O povo cantava a modinha predileta daquele homem que sabia sorrir:

“Como pode um peixe vivo

Viver fora da água fria?

Como poderei viver

Sem a tua companhia?”

A denúncia de Gonet

O procurador-geral Paulo Gonet está fechado em copas sobre a sua denúncia referente ao ex-presidente Bolsonaro e suas turmas.

Primeiro correu que ele empacotaria a tentativa de golpe, a mutreta das joias sauditas e a falsificação de atestados de vacina contra a Covid. Seria uma mistura de bacalhoada com churrasco e feijoada.

Agora, fala-se em denúncia fatiada. Resta saber como tramitará.

Ficará mais fácil se ela seguir o caminho mais simples: três delitos, três denúncias e três processos.

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