O Estado de S. Paulo
Não dá para empurrar o governo com a barriga,
sem perceber as grandes tempestades que se formam no horizonte
No começo da segunda etapa do governo, a
imprensa, aqui e ali, comenta sobre uma reforma ministerial. O tema é
apresentado, às vezes, como uma troca de cadeiras, na verdade elas são o
sujeito em movimento, as pessoas apenas se sentam e levantam.
Em outros momentos, o termo usado para a
reforma ministerial é acomodação. Ela seria destinada a acomodar os
ex-presidentes do Senado e da Câmara que, agora, ficaram no sereno.
De qualquer maneira, a reforma seria apenas um movimento burocrático, destinado a acomodar os aliados e, no máximo, melhorar ligeiramente as relações com o Congresso.
E pensar que o governo caminha para sua etapa
final sem outra grande ambição além de seguir caminho e ser reeleito em 2026.
Governos tão modestos sobrevivem com
facilidade nos dias de hoje? A experiência de Joe Biden nos Estados Unidos é
curiosa. Ele parecia levar tudo modestamente, com todas as peças acomodadas, um
ou outro sobressalto como a inflação de alimentos ou a retirada do Afeganistão.
Não foi o suficiente para conter a grande
onda Trump. Verdade que aqui no Brasil existe uma confiança na política social,
no poder do Bolsa Família e vários outros programa sedutores como o Pé-de-Meia.
Ainda assim, não dá para empurrar o governo
com a barriga, pura e simplesmente, empurrar o próprio país com a barriga num
outro mandato, sem perceber as grandes tempestades que se formam no horizonte.
A metade do mandato deveria ser celebrada com
uma visão crítica e um projeto claro de como levar os dois anos que restam. Era
preciso um plano, um programa, uma partitura regida pelo Planalto com uma
definição do papel de cada ministro.
Aí, sim, seria possível falar de uma reforma
ministerial. Claro que a realidade impõe composições políticas com os partidos
que, de outra forma, tornariam o governo impossível.
Mas, ainda assim, numa segunda etapa, alguns
erros ainda podem ser corrigidos. Não se pode entregar um ministério a um
partido, como o União Brasil, por exemplo, e deixar que escolha qualquer um dos
seus quadros para ele, como é o caso do atual ministro das Comunicações.
É suicida queimar cargos estratégicos com
pessoas sem competência para ocupá-los. Nesse sentido é necessário negociar,
levar os partidos a escolher melhor os seus ministros.
É uma negociação difícil porque os partidos
têm prioridades, listas de espera, toda essa coisa. Além do mais, não se
importam com o fracasso de um governo porque sempre acham um jeito de se
acomodar naquele que vencer as eleições.
Lula da Silva mantém a mesma prática anterior
de selecionar alguns lugares para seu partido e entregar os outros sem grandes
exigências. Ele faz assim, por exemplo, com o Ministério da Ciência e
Tecnologia. É sempre destinado a um partido no campo da esquerda, muito mais
para contemplar seu apoio do que abrir caminhos num campo tão decisivo para os
governos de hoje.
Muito possivelmente os Ministérios das
Comunicações e da Ciência serão trocados apenas por outros nomes, sem que se
tenha a mínima ideia do que farão nos anos seguintes.
Há muitas questões no ar. Uma delas por
exemplo é a grande aliança das big techs com o governo Trump e a adesão dos
bilionários a um tipo de política que não é consensual no mundo. É razoável que
surja um movimento em busca de alternativas para as grandes redes sociais. E éa
razoável que o Brasil se pergunte o que pode fazer em termos infraestruturais
para cooperar com esse movimento.
Tudo isso decorre das grandes mudanças no
campo internacional. A política externa tornou-se algo muito mais delicado e
perigoso. No entanto, Lula continua atuando nesse setor baseado num assessor de
confiança, no caso Celso Amorim, mas pouquíssimo aberto para uma discussão mais
ampla.
Não seria o caso de termos um ministro de
Relações Exteriores que não só pudesse recuperar a plena autonomia do
Itamaraty, mas também se abrir para as diversas correntes de opinião?
Isso não significaria necessariamente que
teríamos uma política muito melhor. Mas as chances de acerto são maiores.
Muito possivelmente entraremos num período em
que as grandes decisões da política externa vão depender de apoio popular. E
muito possivelmente elas terão impacto nas eleições brasileiras.
Ao propor um plano para os dois anos,
mudanças de rumo, não penso em nada que possa colocar em jogo a força
eleitoral, muito menos em sugestões revolucionárias que abalem toda a estrutura
do governo.
Meu raciocínio é simples. É, como sempre,
possível perder ou ganhar as eleições. Por que não ousar pelo menos um pouco?
Melhor seria perder com alguma ousadia do que perder apenas preocupado em se
acomodar, em se eternizar no poder.
Se o governo compreendesse como usar o tempo,
como seria bom sacudir a poeira, começar de novo sem os erros da primeira
etapa, tudo isso seria muito importante: o problema não é simplesmente
sobreviver eleitoralmente, é tentar melhorar a qualidade.
Cada vez que ouço algo sobre a reforma
ministerial, sobre a falta de inspiração que a move, lamento um pouco tudo o
que fizemos no Brasil, termos transformado a política em algo tão sem graça, um
destino bastante diferente do que sonhávamos no início da redemocratização, no
movimento das diretas, quando tudo parecia possível, menos a madorra e a
preguiça burocrática.
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