O Globo
Se forem retirados milhões de imigrantes,
faltará mão de obra. E isso atrasa e encarece a produção
O iPhone é projetado pelos engenheiros da Apple na sede da empresa, na Califórnia. O projeto vai para a China, onde duas companhias se encarregam da montagem dos aparelhos, Foxconn e Pegatron. Elas têm fábricas espalhadas por sete cidades. Uma delas, Zhengzhou, é conhecida como “iPhone city”. A fábrica lá pertence à Foxconn e é a maior produtora mundial desse celular. Em Chengdu, a companhia produz os iPads. A Pegatron tem em Xangai sua maior montadora de iPhones. As duas empresas construíram fábricas noutros países (Índia, Vietnã, Taiwan, Indonésia, México, República Tcheca) para diversificar a produção de celulares. Nelas também montam peças e componentes. Só a Foxconn tem uma unidade nos Estados Unidos.
Essas fábricas não fazem tudo. São
montadoras. Importam partes (chips, fios, telas, softwares etc.) de produtores
instalados basicamente na Ásia, mas também noutras regiões. É o que se chama de
ecossistema global. A própria Apple informa que seus iPhones, iPads,
computadores e relógios resultam do trabalho de milhões de pessoas, em mais de
50 países. Isso incluído todo o ciclo: projeto, produção de componentes,
montagem, distribuição, vendas, serviços técnicos e reciclagem.
Um microchip de última geração, do design ao
produto final que será instalado em algum eletrônico, passa por dezenas de
empresas dos Estados Unidos (onde se concentra a criação dos projetos, a
inteligência), Holanda, Alemanha, Japão, Coreia do Sul e
Taiwan, entre os principais. Quando presidente, Barack Obama chamou
para uma conversa o CEO da Apple, Tim Cook. Queria saber se era possível montar
um iPhone nos Estados Unidos. Não dava, explicou Cook. E, se desse, levaria
mais tempo e sairia muito mais caro.
A indústria automobilística também é um
ecossistema. Nenhum automóvel é produzido e montado num único país. Não raro,
um componente cruza fronteiras várias vezes. Há um tipo de aço que o Brasil
exporta para os Estados Unidos. De lá, vai para o México, é instalado num
automóvel que pode ser vendido nos Estados Unidos ou no Brasil.
O nome disso é globalização, construída ao
longo das últimas décadas. É isso que o presidente Donald Trump ameaça destruir
ao iniciar sua guerra de tarifas. Há poucas semanas, ouvimos Trump afirmar que
os Estados Unidos não precisam dos carros produzidos no Canadá, que poderiam
ser feitos em seu país. Executivos da indústria automobilística disseram que
era impossível. E que as tarifas de 25% sobre Canadá e México produziriam um
desastre no setor: a desorganização da produção, que se tornaria mais lenta e
mais cara.
Nesta semana, o tema entrou na pauta do
Federal Reserve, ou Fed, o banco central dos Estados Unidos. Na ata em que
explica a manutenção da taxa de juros em 4,5% ao ano (alta para os padrões
americanos), o Fed citou possíveis efeitos inflacionários da política comercial
(leiam-se tarifas) e de imigração. Produtos tarifados ficam mais caros.
Quanto à imigração, é o seguinte: há cerca de
11 milhões de imigrantes sem documentos nos Estados Unidos. Ao contrário do que
diz Trump, eles não estão lá usando ou vendendo drogas, cometendo crimes e
comendo os gatos das famílias americanas. Trabalham em diversos setores —
comércio, serviços, nas fazendas. Hoje, diz o Fed, o mercado de trabalho está
equilibrado. Todo mundo que quer está trabalhando. Se forem retirados milhões
de imigrantes, faltará mão de obra. E isso atrasa e encarece a produção.
Se tudo isso parece tão óbvio, por que Trump
insiste nas duas políticas? Ninguém consegue descobrir. As tarifas sobre
produtos mexicanos foram suspensas porque o governo do México prometeu policiar
a fronteira e bloquear a passagem de imigrantes. Então era uma espécie de
punição? No caso do Canadá, o governo prometeu coibir o tráfico de fentanil — e
as tarifas também foram suspensas. As tarifas sobre China e Europa se
explicariam porque os Estados Unidos acreditam ser roubados.
É esse o presidente do país mais poderoso,
que pode produzir um desastre econômico e geopolítico. Ou recuar, como já fez
outras vezes. Mesmo assim, já há danos.
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